“Só saio de casa algemada ou morta”, em EL País
Foto _ EL PAÍS |
Por Tereza Amaral
Uma "santa" que não suporta a Igreja Católica. A dicotomia da produtora rural Roseli Ruiz, presidente do sindicato rural de Antônio João (MS), beira a "esquizofrenia social" quando em pauta estão os indígenas Guarani-Kaiowá.
Numa entrevista onde denuncia cooptação de um cacique, "Roseli dos índios" - expressão dela, pasme, mas que os compara a bandidos do "morro do Rio de Janeiro" - acusa o Vaticano e o Príncipe Charles de interesses no ouro branco, a água, e perde as estribeiras em entrevista concedia ao jornal espanhol.
Ela chama a repórter de "menina" e ainda dá aulas pra lá de equivocadas ao vincular a Igreja com o movimento separatista no Rio Grande do Sul . Mas quando o assunto é o seu possível envolvimento na morte do indígena Semião Vilhalva, a polivalente fazendeira Assistente Social, Bacharel nos cursos de Direito, Antropologia e com pós graduação em Arqueologia enrola-se e enrola...
Sabe tudo e, paradoxalmente, não sabe de nada, mesmo depois da reunião no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Antonio João, onde atua como presidente, de onde um comboio com "mais de 60 camionetes" seguiu para área onde o jovem Guarani-Kaiowa foi assassinado com um tiro no rosto.
A incoerência predomina ao narrar em detalhes destacando a "adrenalina" da "guerra" no dia do conflito, segundo a repórter (ler abaixo) e ao evadir-se em "eu não sei" (sobre a morte de Semião) e recorrendo a graves acusações contra o Vaticano e Inglaterra.
A pergunta que não foi formulada e, confesso, se fosse a jornalista gostaria de ter feito é:
- a senhora quer dizer que é apenas uma figura decorativa no sindicato rural e não sabia sobre a cadeia de comando para matar, espancar e disparar tiros de borracha contra mulheres e bebê de colo? (TA)
Foto Reproduzida _ Marcos Ermínio, Campo Grande News |
NOTA: Este Blog disponibiliza espaço a quem interessar, bem como a fanpage Amazônia: Brasil Brasileiro. Confira Entrevista concedida ao El País:
Fazendeira em conflito com indígenas: “Só saio de casa algemada ou morta”
A produtora Roseli Ruiz, presidente do sindicato rural de Antônio João, tornou-se a figura de destaque do conflito que deixou um indígena
morto no último dia 29. Foi na fazenda de seu cunhado, vizinha a dela
onde o conflito começou, que Semião Fernandes Vilhalva, de 24 anos, foi alvejado por um tiro no rosto depois que um grupo de fazendeiros entrou na área para expulsar os guarani-kaiowá
que reivindicam as terras. Exaltada em reuniões e com a imprensa,
ganhou fama de pouco amigável, algo que ela faz questão de refutar
citando ações assistenciais que executou ao longo dos últimos anos com a
comunidade indígena que reivindica sua fazenda.
Na última sexta-feira, ela recebeu o EL PAÍS na sede da associação
para uma entrevista. Em alguns momentos, irritou-se com as perguntas,
mas contou sua versão do conflito. Após o confronto, que ela narra em
detalhes destacando a "adrenalina" da "guerra", Ruiz retomou o controle
de uma casa em suas terras. Agora, diz que só sai de lá morta ou
algemada. Para ela, os índios entraram em suas terras influenciados pelo
Conselho Missionário Indigenista (CIMI),
um braço da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, órgão da Igreja
Católica. Diz ainda que a igreja está interessada no Aquífero Guarani, a
megamanancial de água doce. O CIMI nega as acusações e afirma, por sua
vez, que há um “Estado Paramilitar Ruralista” em Mato Grosso do Sul,
formado para atacar os índios.
Paulista de São Carlos, Roseli conheceu Pio Queiroz Silva quando cursava
Serviço Social em Ribeirão Preto. O marido herdou a fazenda Barra, onde
criam gado, do pai Pio Silva, acusado pelos índios de expulsá-los após
comprar as terras do próprio Governo do Estado, na década de 1950.
Segundo ela, não houve expulsão. Depois da primeira retomada indígena em
sua fazenda, em 1998, Roseli voltou para a faculdade de direito e,
depois, fez um curso de antropologia, além de uma pós graduação em
Arqueologia. Com isso, abriu uma empresa para fazer laudos
antropológicos de áreas em disputa. Leia Entrevista, a seguir:
El País - Como começou o conflito?
Roseli Ruiz - Há muitos anos, uma família comprou uma grande área para fazer fazenda no Paraguai.
Eles precisavam tirar os índios de lá e doaram um pedaço de terra.
Nessa área, morava a família de um índio chamado Alziro Vilhalva, que
trabalhava em uma fazenda ao lado da nossa. Um dia, ele ganhou do dono
da fazenda uma área para viver mais perto do trabalho [que se tornou a
Vila Campestre]. Em 1970, foi criado o CIMI aqui e um antropólogo
começou a visitar os lugares onde tinha índio. Todo o lugar tinha índio.
Os índios sempre trabalharam na fronteira, sempre procuravam serviço
nas fazendas, isso não é novidade para ninguém.
El País - E onde moravam esses índios que trabalhavam aqui?
Roseli Ruiz - Vinham do Paraguai, para procurar serviço.
El País - Aqui no Brasil não tinha?
Roseli Ruiz - Algum dia teve índio, mas não sei se eram esses
guarani-kaiowá. Todos esses [que reivindicam a terra], desde quando a
gente conhece a história, vieram de lá [Paraguai]. Esse antropólogo
começou a visitar as fazendas onde ele sabia que tinha índio morando e
começou a falar que eles tinham direito à terra, que tinham que falar
que o pai deles morava ali, que o tio morava ali. Um índio contou tudo
isso pra gente.
El País - A relação até aí era boa, então?
Roseli Ruiz - Eu era conhecida como a Roseli dos índios!
Um índio era picado de cobra aqui, eu botava na minha camionete e
levava para o hospital. Todo mundo sabe dessa história. Desde que eu
casei, Natal, Dia das Crianças e Páscoa, eu fazia festa para eles. Eu
tenho foto da minha filha pequena, vestida de Papai-Noel, com a
camionete cheia de brinquedo, distribuindo pros indinhos. A
gente distribuía lá, na Vila Campestre, e depois vinha para a cidade.
To-do mun-do sabe disso. Tem tudo registrado. Mas em 1998, dia 21 de
dezembro, um índio ligou pra gente e falou que ia ter invasão da nossa
fazenda. A gente nunca tinha ouvido falar de invasão e nem que índios
queriam a nossa terra. Nós éramos amigos deles, convivíamos na maior
tranquilidade do mundo. Meu cunhado Dacio tinha avião naquela época,
sobrevoou o Campestre e viu a quantidade de gente, de ônibus, chegando.
Foi aí que começou. Nunca tinha tido nem discussão. Foi o maior susto do
mundo, foram entrando. Não tínhamos nem como levar os peões todos. No
dia seguinte, chegou a Polícia Federal, a Funai. Começou a negociação.
El País - O que aconteceu?
Roseli Ruiz - O Governo brasileiro começou a fazer um estudo antropológico.
O acordo é que os índios ficariam oito meses em um trecho da fazenda
Cedro, da irmã do meu marido. Mas isso já tem 17 anos. Eles nunca saíram
dessa área. Depois ampliaram para o vizinho, na fazenda Morro Alto.
El País - Foi aí que a relação piorou?
Roseli Ruiz - Eu continuei ajudando. Construí uma escola para
eles [na Vila Campestre]. Até que um dia meu marido foi atacado por um
índio (mostra a foto dele ensanguentado). Olha, eu sou briguenta, eu
grito, eu falo... Mas meu marido, você pergunta para todo mundo, é uma
pessoa calma, ponderada, um homem que não encrenca com ninguém, não
briga. Uma pessoa excelente. Nesse dia, eu falei: chega! Não tem mais
amizade. Mas, há quatro anos, me disseram que tinha chegado um pessoal
com outra cabeça, mais estudado, que queria conversar. E vieram. Nos
últimos quatro anos vivemos em paz. Assumi o sindicato,
trouxemos cursos para eles. Temos um ônibus para tratamento dentário,
eu mandava buscar na aldeia. Tudo sempre do jeitinho que eles quiseram.
Montei até uma cooperativa para eles.
El País - E por que a senhora fazia isso?
Roseli Ruiz - Eu não comecei a ajudá-los quando eles invadiram.
Desde que casei, eu queria conhecer os índios. Contei que desde o
começo da história que eu fazia Natal, Ano Novo... Eu gostava. Sem
interesse nenhum! Eles lá naquela pobreza. A ausência total do Estado.
Aqui em Antônio João, você pode sair e ver quantas pessoas eu levei
para operar, para hospital. Eu faço porque eu tenho facilidade, gosto.
Não sei porque as pessoas acham que a gente só faz as coisas por
interesse. Mas é claro. Não vou dizer para você que não tenho interesse
de conviver pacificamente. Agora, pergunta quantos [deles] que têm
interesse de viver pacificamente?
El País - E como foi esse último conflito?
Roseli Ruiz - Na segunda-feira, dia 17, começou um curso lá na aldeia de cultivo de mandioca a pedido dos caciques. Quando cheguei de camionete, vi um coordenador do CIMI na aldeia.
Na quarta-feira, perto da hora do almoço tocou o telefone e um cacique
me ligou, falou que todos os caciques tinham sido destituídos e que eles
iam invadir. Destituíram até a Polícia Indígena, um grupo que eles
formaram para fazer a segurança da aldeia e que a gente dava uma ajuda
de custo.
El País - Mas o CIMI tem poder de destituir algum cacique?
Roseli Ruiz -. Eles mandam!
El País - Mas o que aconteceu em seguida?
Roseli Ruiz - Um cacique ligou e avisou que já estavam
descendo. Peguei duas pessoas aqui, pedi para irem comigo até a fazenda.
Passei no Campestre, entrei na escola e perguntei para um cacique se
eles iam mesmo invadir minha propriedade. Ele não disse nem sim nem não.
Falei: ‘eu sou amiga de vocês, mas sei ser inimiga’. Eu sempre falava
que se entrassem na minha casa de novo, eu morreria, mas mataria uns 20.
Mas eu nem tenho revólver, nem tenho arma na fazenda. Dessa vez, falei o
contrário. Falei que não ia fazer nada, que ia sair da fazenda e ficar
assistindo até onde ia a coragem deles de fazerem isso comigo. Aí já
colocaram na internet que eu ia matar os índios.
El País - Mas não entraram nessa noite na sua fazenda.
Roseli Ruiz -. Recebi um telefonema dizendo que eles não iam
entrar porque eu tinha ameaçado e que eles estavam com medo. Disseram
que iam entrar na fazenda Primavera. E entraram. Sempre tem um lá dentro
que informa a gente, um coitado que tem um celular e que precisa de
dinheiro que informa, vende foto, faz tudo. Bom, dias depois inventaram
de invadir as três fazendas da família do meu marido. É igualzinho ao
morro do Rio de Janeiro: a maioria é gente boa, mas tem meia dúzia de bandido que leva a massa que não tem opção.
El País - E como aconteceu o confronto no sábado, na retomada da sua casa?
Roseli Ruiz - Na sexta, teve uma reunião em Campo Grande sobre a
questão. Todos os sindicatos rurais foram. Eu tinha marcado uma reunião
aqui no sábado e eles vieram para cá. Estava o senador Moka [PMDB], o
deputado [federal Luiz Henrique] Mandetta [DEM], a deputada [federal]
Tereza Cristina [PSB]... Contei o que tinha acontecido, que minha vida
virou de pernas para o alto. E falei que eu voltaria para a minha casa
porque estava de saco cheio. Peguei a camionete e saí. Começou a sair
todo mundo atrás. Fui na minha casa e entrei. Entrei como? Por favor, saiam daí? Não. Foi luta mesmo, corporal, todo mundo com pau na mão.
Estamos cheios de produtor rural marcado. E aí eu tomei conta da minha
casa e estou lá. E só saio de lá algemada ou morta. A casa é minha!
Aquilo é minha vida. Nós compramos, pagamos e eu perdi minha juventude
ali. Ou vocês acham que onde vocês moram não tinha índio antes? Dá sua
casa para eles!
El País - Então não houve algo planejado, de todos saírem juntos para as fazendas?
Roseli Ruiz - Não! Foi um susto. Eu só pensei nisso na hora que
eu fui subir ali. Me deu um clique e eu falei: "Eu vou embora pra minha
casa, não vou ficar aqui". Eles me seguiram.
El País - Alguém de vocês estava armado?
Roseli Ruiz - Eu não sei. Estão falando que tinha arma. Eu não vi arma.
El País - A gente viu alguns indígenas com uma marca no corpo, que parecem de bala de borracha. Alguém carregava isso?
Roseli Ruiz - Eu não sei. Eu não estava armada. Ninguém da
minha família estava armado. Estava Ricardo Bacha, que foi candidato ao
Governo do Estado, com a mulher. Estava a doutora Aldinha, que é irmã do
ex-presidente da Famasul (associação dos produtores rurais do estado).
Estava a dra. Miriam, essa que discutiu com o ministro na reunião
(ministro da Justiça, que se reuniu com produtores por causa do
conflito), que é médica e tem a irmã que trabalha na Receita Federal. Um
monte de mulher! Você acha que o meu marido e esses homens seriam
irresponsáveis a ponto de chamar para ir para lá com arma onde tinha um
monte de mulher? Tinha mais de sessenta camionetes atrás. Eu nunca
pensei num negócio desses, eu nunca imaginei. E fomos lá juntos, não
fomos para matar ninguém, não! Nós chegamos e já entramos na varanda.
Foi tabefe para todo lado, eles não esperavam.
El País - Quantos índios eram?
Roseli Ruiz - Menina, você precisa ir para uma guerra para ver a
adrenalina que é. Você não vê nada! E você se agiganta. É uma coisa
impressionante, você não tem medo. Foi aquela luta corporal ali.
El País - E como o indígena Semião morreu?
Roseli Ruiz - Eu não sei, não estava lá.
El País - Você acusou o CIMI de estimular as invasões. Por quê?
Roseli Ruiz - Vamos buscar na história, como a Igreja Católica
começou. O que eles querem? Eles querem as nossas riquezas! A maior
riqueza que nós temos! Há 16 anos eu já estudava o porquê de tanto
interesse internacional, dava as palestras e falavam que eu era louca.
Eu dizia que o que eles querem aqui é a água. Aqui tem o Aquífero Guarani e a prospecção é muito fácil.
El País - Então a senhora acha que há um complô do Vaticano por causa do Aquífero Guarani?
Roseli Ruiz - Não é só do Vaticano. A Inglaterra... Você sabia que quando foi demarcar a Raposa Serra do Sol o Charles esteve no Brasil?
El País - Quem?
Roseli Ruiz - O príncipe Charles! E sem comunicar oficialmente o
Governo brasileiro. Vai também achar que eu sou louca... Você é jovem,
vai estudar um pouco de história que vai ver os interesses da Igreja
desde que o mundo é mundo. Eles querem as nossas riquezas. Porque se
eles quisessem melhorar a vida desses índios, onde conseguiram demarcar
eles não estavam nessa miséria. Vai lá em Roraima! Andei tudo lá, tenho
cliente lá.
El País - Mas você não acha que o Governo brasileiro agiria para evitar isso?
Roseli Ruiz - Ah, vai! Olha os yanomami!
Aquilo está virando um país! A grande meta deles é fazer uma colcha de
retalhos. Você não sabe que os yanomami estão na ONU com o processo de
independência avançado? Aqui eles querem fazer uma grande nação Guarani.
El País - Querem a independência do Brasil?
Roseli Ruiz - Sim! Igual o Rio Grande do Sul já quis ser
independente. Mesma coisa. Começaram isso em 1970 e estão avançando.
Eles [igreja] vão acabar com todos esses índios!
El País - O ministro da Justiça veio aqui e falou que teria uma negociação.
Roseli Ruiz - Há dois anos, o mesmo Governo fez a mesma promessa quando botaram fogo lá em Sidrolândia.
Foram dois anos de negociação. Mentiras, mentiras, mentiras. Estão sem
credibilidade. Falando que vai fazer... Quando? Que horas? De que jeito?
O governo, se quisesse, já tinha feito. Existe uma indústria do
conflito. Cada vez que tem um conflito vem rios de dinheiro do exterior. Ler original AQUI.
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