Elaine Tavares, jornalista
em CIMI
Como se fosse um ato de provocação, apenas
alguns dias depois do assassinato de Simião Vilhalba, um indígena
Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, os deputados que atuam na
Comissão Especial da PEC 215 realizaram uma reunião para discussão do
substitutivo do deputado Osmar Serraglio (PMDB). Essa PEC é um desejo
dos ruralistas que querem levar para o Congresso Nacional a decisão
sobre a demarcação das terras indígenas, tirando do executivo esse
poder. Todo o movimento indígena é contra essa proposta, pois é sabido o
poder que a bancada da bala (dos latifundiários) tem no legislativo.
Não bastasse tirar do executivo a
prerrogativa de determinar a demarcação das terras indígenas, a lei que
os ruralistas querem aprovar também possibilita a revisão de todas as
Terras Indígenas já demarcadas ao longo da história do país, o que já dá
para imaginar a “farra” que está sendo preparada pelos fazendeiros. A
nova PEC também garante ao congresso a possibilidade de decidir sobre a
exploração de terras indígenas e seu arrendamento. Ou seja, a tal PEC
2015 abre as porteiras para que os territórios indígenas sejam
utilizados ao bel prazer dos interesses dos fazendeiros, mineradores e
outros tipos de exploradores de riquezas naturais. Aos índios seria
tirado tudo, inclusive o direito à consulta.
O parecer do deputado peemedebista se
baseia num voto proferido pelo ministro do Superior Tribunal Federal,
Gilmar Mendes, em 16 de dezembro de 2014, no qual ele nega aos
Guarani-Kaiowá os direitos sobre a terra indígena Guyraroká. O deputado
também faz referência a demarcação da terra Raposa Serra do Sol, que
precisou de um violento embate para ser concretizado e que até hoje não é
engolido pelos ruralistas.
Diz o deputado no seu relatório: Ninguém
nega tenham sido os indígenas vítimas históricos das hordas
pretensamente civilizatórias ou de colonização e até mesmo de
pregadores religiosos. Todavia, sacrificados foram por diversas
gerações, como outros povos também o foram, sob o influxo de
circunstâncias em relação às quais nada se pode imputar aos nossos
coetâneos. Querer que pequeno agricultor perca os recursos que, suada
e legitimamente, ele e seus antepassados amealharam, ao longo de anos, a
título de reparação de injustiças das quais não participaram, será ,
perpetrar-se contra ele nova injustiça.
A pergunta que não quer se calar é: esses
que bradam aos céus contra a opressão indígena estariam dispostos a
abrir mão de todos seus pertences em prol da causa indígena? Que
argumento moral tem essas pessoas para exigir que os que titularizam
imóveis, centenariamente, na mais absoluta boa-fé, de tudo sejam
privados, sem direito a qualquer centavo, se não demonstram o mesmo
desprendimento? Não é possível que quem está a legislar não se subsuma à
condição de atingido pela lei que prega, para então aquilatar o alcance
das consequências de sua proposição.
Há um princípio jurídico hodiernamente
remarcado, que é o da razoabilidade. Pergunta-se, será razoável
exigir-se de um cidadão que concorde, como um cordeiro, resignadamente,
com que tudo o que tem lhe seja retirado? Somos uma Pátria laica, mas de
maioria cristã. Questionamos: será cristão abordar-se famílias
de agricultores e lhes determinar que desalojem suas moradias,
adquiridas segundo as regras de direito, sob o manto do princípio da
aparência de legalidade, e caminhem para o olho da rua?
O deputado argumenta
sobre as terras como se elas fossem mesmo ocupadas pelos pequenos
produtores, pobres coitados enganados ao longo dos anos. Isso é um
argumento falso. O número de pequenos proprietários que estão em terras
indígenas é ínfimo e, no mais das vezes, eles são bastante propensos à
negociação. O verdadeiro interesse está na defesa das terras griladas
pelos hoje “fazendeiros”, os grandes proprietários que insistem em se
apropriar das ricas terras indígenas, argumentando que os índios não
precisam de tanta terra, e que eles sim são os que produzem a comida que
alimenta a mesa da nação. Dupla mentira. Nem as terras indígenas são
suficientes para os povos originários, nem os grandes fazendeiros
produzem comida.
O relatório do deputado
Serraglio ainda fala de construção de conflitos, colocando na conta dos
indígenas a culpa sobre a violência que eles mesmos sofrem. As vítimas
sendo colocadas como as responsáveis pela sua dor. É um documento
aviltante.
Leia o documento na íntegra:
Na reunião de ontem os
deputados acordaram que o relatório será discutido numa reunião que
contará com a presença de um representante do STF, do Poder Executivo, e
de um grupo de parlamentares de ambos os lados, os que são favoráveis e
os que são contra. De qualquer sorte, o substitutivo segue caminhando e
com a pressão dos fazendeiros há grandes possibilidades de ser votado
na Comissão.
Nesse sentido, é
fundamental que o movimento social se aproprie do conteúdo dessa PEC,
que conheça também o relatório do deputado peemedebista e que assuma uma
posição firme na defesa dos povos indígenas, lutando contra a aprovação
dessa proposta de emenda constitucional.
Se a bancada ruralista
aprovar essa nova lei vai ter início um levante violento no campo
brasileiro. Os povos indígenas vivem há 500 anos no duro processo de
resistência ao genocídio, à violência do estado, aos assassinatos
provocados pela jagunçagem. Têm lutado pacificamente pelo seu
território, realizando manifestações, marchas, reuniões. Mas estão com a
paciência se esgotando. Os assassinatos sistemáticos de lideranças e o
clima de guerra que tem sido criado pelos fazendeiros estão unificando
os parentes de todas as etnias. Não haverá aceitação dessa PEC. Não
haverá paz enquanto os grandes insistirem em se apropriar das terras
indígenas.
A luta está acesa e
precisa da presença de todos os lutadores sociais. A causa indígena não é
só dos índios. Todos são responsáveis pelo bem viver daqueles que são
os verdadeiros donos dessa terra.
Já basta de mentiras
sobre o território. Não há necessidade de as famílias não índias abrirem
mão de suas terras, nem há ameaça aos pequenos. Há terra demais no
Brasil. E o que há é o interesse dos grandes em explorar as terras
indígenas. O que os indígenas querem é a demarcação do seu território,
da terra sobre a qual eles têm direito, que sequer chega a 12% do espaço
nacional. Os fazendeiros – grandes proprietários - detém mais de 60%
das terras. Então que é que tem terra demais?
Conheça o conteúdo: SUBSTITUTIVO A PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 215-A, DE 2000.
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