28 de setembro de 2015

CARTA ABERTA DE SOLIDARIEDADE AO POVO GUARANI KAIOWA


Coletivo Antena Guarani em Medium.com

Por meio desta carta aberta queremos expressar nossa indignação e repúdio aos ataques promovidos por fazendeiros contra as comunidades Guarani Kaiowa no Mato Grosso do Sul. Em 29 de agosto, homens armados atiraram contra a comunidade da Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, no município de Antônio João, o que resultou no assassinato do líder indígena Simeão Vilhalva. Em 18 de setembro, a comunidade de Pyelito Kue/Mbarakay foi aterrorizada por homens armados. Em 22 de setembro, o líder Elpídio Pires foi baleado em Potrero Guasu, município de Paranhos. Na mesma ocasião, casas foram incendiadas e a comunidade relatou o estupro de uma adolescente e uma mulher grávida. Expressamos também nossa solidariedade e nosso total apoio a toda a comunidade Guarani Kaiowa.
Não podemos aceitar que um Estado e um Congresso que se dizem democráticos continuem agindo de forma arbitrária, omitindo-se na construção de direitos já reconhecidos na Constituição. A não demarcação das Terras Indígenas, além de um desrespeito aos fundamentos constitucionais do país e aos direitos dos povos originários desta terra, agrava os conflitos e crimes por todo o país, e impede que se estabeleça a Justiça e o Direito.
Durante muito tempo o povo Guarani Kaiowa aguardou a resolução do conflito de acordo com as regras dos não indígenas. A Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, por exemplo, foi homologada em 28 de março de 2005. Cinco meses depois, porém, o então presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, atendendo aos apelos de Pio Queiroz Filho, dono das fazendas Barra e Fronteira, suspendeu os efeitos da homologação em medida cautelar, decisão que deve perdurar até o final do julgamento do processo, mandato de segurança de número 0003154–21.2005.0.01.0000. Desde 5 de setembro de 2009, porém, o processo está parado nas mãos do atual Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes.

Cansados de esperar ação da Justiça e do Governo, os indígenas resolveram ocupar seus territórios já reconhecidos. Em resposta, fazendeiros e ruralistas comandados pela presidente do Sindicato Rural de Antônio João, Roseli Maria Ruiz (casada com Pio Queiroz Filho), orquestraram uma verdadeira campanha de terror, pânico e mentiras, incitando a população contra a comunidade indígena.

O ex-deputado federal Pedro Pedrossian Filho chegou a divulgar em sua rede social imagens de um incêndio ocorrido no Paraguai como se fossem fotos de vandalismo provocado pelos índios. Há relatos de comerciantes que estão sendo orientados a não vender nada a pessoas com “aparência indígena”. O ódio facilitou o ataque ocorrido nos dias 29 e 30 de agosto, que resultou na morte de Semião, de apenas 24 anos, e em ferimentos por bala de borracha em um bebê de um ano. Os indígenas ficaram sitiados, impedidos de receber alimentação e socorros médicos.

A demora, a burocracia e a balança da justiça, que parece pender para o lado mais rico da história, têm custado muito caro para os Guarani Kaiowa. Nas últimas décadas eles têm sido massacrados e explorados de todas as maneiras. Foram expulsos de seu território e abandonados à beira da estrada. Perderam vários de seus líderes, vítimas de assassinato. Todas essas mortes, assim como a de Simeão, foram tragédias anunciadas e poderiam ter sido evitadas.

Tanto em Ñande Ru Marangatu como em outras Terras Indígenas no Mato Grosso do Sul, o povo Guarani Kaiowa viu seus jovens, incluindo menores de idade, serem submetidos a trabalho análogo ao dos escravos em canaviais e nas fazendas daqueles que querem tirar suas terras. Crianças morreram por desnutrição. Forçadas a sair de sua terra, em meio aos conflitos, as crianças guarani kaiowa têm negado também o direito à educação.

Apesar da indignação crescente e já expressa por entidades como a Anistia Internacional e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, o cenário não apresenta melhoras, pelo contrário. Atendendo à solicitação do governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), a presidente Dilma Roussef (PT) aceitou enviar tropas do Exército para atuarem a partir de 1o de setembro nas cidades de Antônio João, Aral Moreira, Bela Vista e Ponta Porã por um período de 30 dias.

Tememos que mais mortes e mais dor se espalhe pelas Terras Indígenas do povo Guarani Kaiowa, agora por ação direta do Estado brasileiro, a quem cabe a responsabilidade pela questão indígena no país.

Desta forma, pedimos:

Ao governo federal, que tenha transparência e agilidade na demarcação das Terras Indígenas em Ñande Ru Marangatu e nas demais TIs do Brasil. Não fazê-lo expõe o atual governo, em seu sentido lato, na medida em que vemos implicados os diversos poderes, a mais um episódio triste e vergonhoso de nossa história recente, colocando-o ora como omisso, ora como um inimigo direto dos povos indígenas.

Ao ministro e relator Gilmar Mendes, que aprecie o processo que está em suas mãos e que reconheça prontamente a homologação da Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, pondo fim a esses vergonhosos acontecimentos.

Ao Ministério Público Federal, que instaure investigações sobre o assassinato de Simeão Vilhalva, cujo corpo foi devolvido à comunidade Guarani Kaiowa sem o laudo de autopsia, bem como de outros crimes noticiados no Estado. Que também apure as denúncias de racismo e difamação contra o povo guarani kaiowa cometidas por fazendeiros e ruralistas.

Que sejam apuradas as responsabilidades neste e em outros crimes, e o possível envolvimento entre interesses de proprietários de terras, milícias e políticos nas diversas esferas de governo, inclusive no Congresso, segundo notícias amplamente divulgadas, que ultrapassando o conflito de interesses e a lisura necessária do cargo público, ligam-se manifestamente, segundo essas mesmas notícias, a milícias e ações criminosas contra lideranças e crianças.

Que o Congresso Nacional rejeite a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 e os demais projetos de lei e PECs que atentam contra os direitos indígenas.

Que seja aberta uma CPI para apurar o Genocídio contra os povos originários e medidas para apurar e impedir a perseguição a lideranças e entidades que apoiam a população indígena como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

À sociedade civil, que ajude a divulgar para o mundo sobre as crueldades, o massacre étnico, as mortes, os atrasos da Justiça e a negligência do Estado que têm prejudicado imensamente o povo Guarani Kaiowa e os demais povos originários do Brasil.

A questão não pode ser tratada como uma questão política, nem mesmo econômica, na medida em que trata-se de crimes que expõem as formas de apropriação do poder público por interesses privados e de violência contra pessoas que estão em defesa de seus direitos já reconhecidos. O país necessita de uma resposta que estabeleça o Direito e a Justiça dos povos originários da terra, salvaguardando de modo digno para a história deste início de século a construção contemporânea de nosso território e da diversidade étnica que nos constitui como nação no presente.


São Paulo, setembro de 2015
Coletivo Antena Guarani

Um comentário:

  1. Posso colocar este texto para abrir uma campanha no Avaaz ou Change,org para que possamos coletar assinaturas e visibilidade a este caso??

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