Coletivo Antena Guarani em Medium.com
Por meio desta carta aberta
queremos expressar nossa indignação e repúdio aos ataques promovidos por
fazendeiros contra as comunidades Guarani Kaiowa no Mato Grosso do Sul.
Em 29 de agosto, homens armados atiraram contra a comunidade da Terra
Indígena Ñande Ru Marangatu, no município de Antônio João, o que
resultou no assassinato do líder indígena Simeão Vilhalva. Em 18 de
setembro, a comunidade de Pyelito Kue/Mbarakay foi aterrorizada por
homens armados. Em 22 de setembro, o líder Elpídio Pires foi baleado em
Potrero Guasu, município de Paranhos. Na mesma ocasião, casas foram
incendiadas e a comunidade relatou o estupro de uma adolescente e uma
mulher grávida. Expressamos também nossa solidariedade e nosso total
apoio a toda a comunidade Guarani Kaiowa.
Não
podemos aceitar que um Estado e um Congresso que se dizem democráticos
continuem agindo de forma arbitrária, omitindo-se na construção de
direitos já reconhecidos na Constituição. A não demarcação das Terras
Indígenas, além de um desrespeito aos fundamentos constitucionais do
país e aos direitos dos povos originários desta terra, agrava os
conflitos e crimes por todo o país, e impede que se estabeleça a Justiça
e o Direito.
Durante
muito tempo o povo Guarani Kaiowa aguardou a resolução do conflito de
acordo com as regras dos não indígenas. A Terra Indígena Ñande Ru
Marangatu, por exemplo, foi homologada em 28 de março de 2005. Cinco
meses depois, porém, o então presidente do Supremo Tribunal Federal,
Nelson Jobim, atendendo aos apelos de Pio Queiroz Filho, dono das
fazendas Barra e Fronteira, suspendeu os efeitos da homologação em
medida cautelar, decisão que deve perdurar até o final do julgamento do
processo, mandato de segurança de número 0003154–21.2005.0.01.0000.
Desde 5 de setembro de 2009, porém, o processo está parado nas mãos do
atual Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes.
Cansados
de esperar ação da Justiça e do Governo, os indígenas resolveram ocupar
seus territórios já reconhecidos. Em resposta, fazendeiros e ruralistas
comandados pela presidente do Sindicato Rural de Antônio João, Roseli
Maria Ruiz (casada com Pio Queiroz Filho), orquestraram uma verdadeira
campanha de terror, pânico e mentiras, incitando a população contra a
comunidade indígena.
O
ex-deputado federal Pedro Pedrossian Filho chegou a divulgar em sua rede
social imagens de um incêndio ocorrido no Paraguai como se fossem fotos
de vandalismo provocado pelos índios. Há relatos de comerciantes que
estão sendo orientados a não vender nada a pessoas com “aparência
indígena”. O ódio facilitou o ataque ocorrido nos dias 29 e 30 de
agosto, que resultou na morte de Semião, de apenas 24 anos, e em
ferimentos por bala de borracha em um bebê de um ano. Os indígenas
ficaram sitiados, impedidos de receber alimentação e socorros médicos.
A
demora, a burocracia e a balança da justiça, que parece pender para o
lado mais rico da história, têm custado muito caro para os Guarani
Kaiowa. Nas últimas décadas eles têm sido massacrados e explorados de
todas as maneiras. Foram expulsos de seu território e abandonados à
beira da estrada. Perderam vários de seus líderes, vítimas de
assassinato. Todas essas mortes, assim como a de Simeão, foram tragédias
anunciadas e poderiam ter sido evitadas.
Tanto
em Ñande Ru Marangatu como em outras Terras Indígenas no Mato Grosso do
Sul, o povo Guarani Kaiowa viu seus jovens, incluindo menores de idade,
serem submetidos a trabalho análogo ao dos escravos em canaviais e nas
fazendas daqueles que querem tirar suas terras. Crianças morreram por
desnutrição. Forçadas a sair de sua terra, em meio aos conflitos, as
crianças guarani kaiowa têm negado também o direito à educação.
Apesar
da indignação crescente e já expressa por entidades como a Anistia
Internacional e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, o cenário não
apresenta melhoras, pelo contrário. Atendendo à solicitação do
governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), a presidente
Dilma Roussef (PT) aceitou enviar tropas do Exército para atuarem a
partir de 1o de setembro nas cidades de Antônio João, Aral Moreira, Bela
Vista e Ponta Porã por um período de 30 dias.
Tememos
que mais mortes e mais dor se espalhe pelas Terras Indígenas do povo
Guarani Kaiowa, agora por ação direta do Estado brasileiro, a quem cabe a
responsabilidade pela questão indígena no país.
Desta forma, pedimos:
Ao
governo federal, que tenha transparência e agilidade na demarcação das
Terras Indígenas em Ñande Ru Marangatu e nas demais TIs do Brasil. Não
fazê-lo expõe o atual governo, em seu sentido lato, na medida em que
vemos implicados os diversos poderes, a mais um episódio triste e
vergonhoso de nossa história recente, colocando-o ora como omisso, ora
como um inimigo direto dos povos indígenas.
Ao
ministro e relator Gilmar Mendes, que aprecie o processo que está em
suas mãos e que reconheça prontamente a homologação da Terra Indígena
Ñande Ru Marangatu, pondo fim a esses vergonhosos acontecimentos.
Ao
Ministério Público Federal, que instaure investigações sobre o
assassinato de Simeão Vilhalva, cujo corpo foi devolvido à comunidade
Guarani Kaiowa sem o laudo de autopsia, bem como de outros crimes
noticiados no Estado. Que também apure as denúncias de racismo e
difamação contra o povo guarani kaiowa cometidas por fazendeiros e
ruralistas.
Que sejam
apuradas as responsabilidades neste e em outros crimes, e o possível
envolvimento entre interesses de proprietários de terras, milícias e
políticos nas diversas esferas de governo, inclusive no Congresso,
segundo notícias amplamente divulgadas, que ultrapassando o conflito de
interesses e a lisura necessária do cargo público, ligam-se
manifestamente, segundo essas mesmas notícias, a milícias e ações
criminosas contra lideranças e crianças.
Que
o Congresso Nacional rejeite a Proposta de Emenda Constitucional (PEC)
215 e os demais projetos de lei e PECs que atentam contra os direitos
indígenas.
Que seja aberta
uma CPI para apurar o Genocídio contra os povos originários e medidas
para apurar e impedir a perseguição a lideranças e entidades que apoiam a
população indígena como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
À
sociedade civil, que ajude a divulgar para o mundo sobre as crueldades,
o massacre étnico, as mortes, os atrasos da Justiça e a negligência do
Estado que têm prejudicado imensamente o povo Guarani Kaiowa e os demais
povos originários do Brasil.
A
questão não pode ser tratada como uma questão política, nem mesmo
econômica, na medida em que trata-se de crimes que expõem as formas de
apropriação do poder público por interesses privados e de violência
contra pessoas que estão em defesa de seus direitos já reconhecidos. O
país necessita de uma resposta que estabeleça o Direito e a Justiça dos
povos originários da terra, salvaguardando de modo digno para a história
deste início de século a construção contemporânea de nosso território e
da diversidade étnica que nos constitui como nação no presente.
São Paulo, setembro de 2015
Coletivo Antena Guarani
Posso colocar este texto para abrir uma campanha no Avaaz ou Change,org para que possamos coletar assinaturas e visibilidade a este caso??
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