“Um
acontecimento recente, envolvendo a morte de um jovem indígena, expõe a
falta de compromisso do Estado brasileiro em cumprir com suas obrigações
internacionais pela proteção dos direitos dos povos indígenas”. A morte
de Semião Vilhalva, de 24 anos, é a qual se refere a nota pública
divulgada nesta quarta-feira, 16, pelas organizações nacionais e
internacionais presentes no 5º Diálogo de Direitos Humanos entre a União
Europeia e o Brasil.
Conforme a nota, “o impedimento da implementação do Decreto de homologação do território Ñande Ru Marangatú e o ataque à comunidade demonstram o poder com que o setor empresarial conta no Brasil para paralisar o processo constitucional de regularização dos territórios indígenas e a violência que o mesmo exerce contra as comunidades indígenas, poder alimentado pela impunidade”.
Conforme a nota, “o impedimento da implementação do Decreto de homologação do território Ñande Ru Marangatú e o ataque à comunidade demonstram o poder com que o setor empresarial conta no Brasil para paralisar o processo constitucional de regularização dos territórios indígenas e a violência que o mesmo exerce contra as comunidades indígenas, poder alimentado pela impunidade”.
As
organizações apontam ainda a presença de parlamentares durante a reunião
do Sindicato Rural de Antônio João que antecedeu o ataque dos
fazendeiros, convocados pela presidente da entidade, Roseli Maria Ruiz, e
durante a ação que provocou o assassinato de Semião.
Leia na íntegra:
Nota Pública conjunta por ocasião do Diálogo de Direitos Humanos entre a União Europeia e Brasil
Realiza-se em
Brasília, entre os dias 15 e 17 de setembro, o 5° Diálogo de Direitos
Humanos entre a União Europeia e Brasil (1), que conta com a
participação do Representante Especial da União Europeia para os
Direitos Humanos, Stravos Lambrinidis.
A União
Europeia também se reúne com a sociedade civil brasileira e europeia, em
15 de setembro, em um seminário de direitos humanos com a finalidade de
que a sociedade civil contribua com o diálogo oficial.
Em 16 de
setembro, a União Europeia reúne-se com o setor privado, em um seminário
sobre negócios e direitos humanos, em cooperação com a Confederação
Nacional da Indústria do Brasil. O objetivo deste seminário é aumentar a
sensibilização sobre boas práticas em gestão de negócios e direitos
humanos, particularmente através da implementação dos “Princípios
Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos” das Nações Unidas (ONU) e
compartilhar experiências com a implementação de estratégias de
responsabilidade social corporativa.
As
organizações de Direitos Humanos brasileiras, europeias e internacionais
abaixo assinadas vêm por meio desta nota, mais uma vez alertar os
poderes públicos Executivo, Judiciário, Legislativo do Brasil e da União
Europeia sobre a profunda inadequação destes instrumentos voluntários
como mecanismos de proteção de direitos humanos.
Estas entidades vêm, ao
mesmo tempo, demandar que os referidos governos cumpram integralmente
sua obrigação de respeitar, proteger e garantir os direitos humanos em
âmbito nacional e extraterritorial e tomem medidas apropriadas nas
instâncias legislativa, administrativa e judicial para assegurar que
crimes e abusos contra direitos humanos cometidos por empresas sejam
devidamente investigados, elucidados, seus perpetradores sejam punidos e
as vítimas tenham acesso à justiça.
As entidades exigem que os Estados
cumpram com todas as suas obrigações internacionais pelos direitos
humanos, especialmente em âmbito extraterritorial, inclusive por meio da
elaboração e aprovação de um instrumento de direitos humanos
vinculante, que regule as atividades de empresas multinacionais e de
outras empresas.
Além disso, as organizações abaixo assinadas acolhem
positivamente a resolução 26/9 do Conselho de Direitos Humanos das ONU
que estabelece um Grupo Intergovernamental de Composição Aberta sobre
Corporações Transnacionais e outras Empresas em relação aos Direitos
Humanos com o mandato de elaborar um instrumento internacional
vinculante para regular, por meio do direito internacional dos direitos
humanos, as atividades de corporações transnacionais e outras empresas,
assim como também parabenizam a consequente realização da primeira
sessão do dito Grupo de Trabalho, realizada entre 6 e 10 julho de 2015
(2).
Um
acontecimento recente, envolvendo a morte de um jovem indígena, expõe a
falta de compromisso do Estado brasileiro em cumprir com suas obrigações
internacionais pela proteção dos direitos dos povos indígenas. No dia
29 de agosto, pela manhã, houve reunião na sede da Federação de
Agricultura de Mato Grosso do Sul (FAMASUL), na cidade de Antônio João.
Desta reunião participaram produtores rurais, o Deputado Luis Henrique
Mandetta (DEM), a Deputada Tereza Cristina (PSDB) e o Senador Waldemir
Moka (PMDB). Logo após a reunião, cerca de cem pessoas, armadas e com
coletes a prova de balas, em quarenta caminhonetes, se dirigiram à
Fazenda Barra, para expulsar a os Guarani-Kaiowás do seu território
ancestral (3). O ataque culminou com a morte de jovem Semião Vilhalva de
24 anos e outros feridos; dentre eles, uma criança de um ano de idade
atingida por bala de borracha (4).
É importante
ressaltar que a terra indígena Ñande Ru Marangatú foi homologada pelo
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 28 de março de 2005, mas o
processo foi suspenso pelo uso de recursos judiciais protelatórios os
quais não foram julgados nos 10 anos transcorridos desde então,
interpostos pelo setor empresarial/privado envolvido no caso e que se
dedica, sobretudo, à criação de gado.
O impedimento
da implementação do Decreto de homologação do território Ñande Ru
Marangatú e o ataque contra a comunidade demonstram o poder com que o
setor empresarial conta no Brasil para paralisar o processo
constitucional de regularização dos territórios indígenas e a violência
que o mesmo exerce contra as comunidades indígenas, poder alimentado
pela impunidade. Deve-se notar, também, que essas atividades estão
economicamente ligadas às atividades de empresas transnacionais que
exploram territórios indígenas para gerar lucro na União Europeia. Isto
mostra a grande necessidade de regular as atividades das empresas
multinacionais e de outras empresas para prevenir abusos e crimes contra
as comunidades indígenas e outros grupos populacionais.
Considerando
que entre 15 e 17 de setembro ocorrerá uma série de eventos que
abordarão a questão das empresas e direitos humanos, as organizações que
subscrevem a presente declaração apresentam os seguintes comentários e
demandas:
1. Condenam
veementemente o incidente, manifestam a sua profunda solidariedade com a
Comunidade Ñande Ru Marangatú e o povo Guaraní Kaiowá que, durante
décadas, vêm lutando por seu direito ao território e por seu direito à
alimentação e nutrição adequadas, e demandam que as autoridades
responsáveis investiguem os eventos, identifiquem e punam os culpados de
acordo com a lei.
2. O que
ocorreu com a comunidade de Ñande Ru Marangatú é uma amostra do que
enfrentam as comunidades indígenas no Brasil. Desde 2011, quando se
iniciou o primeiro mandato da gestão da atual presidenta, o Brasil
assiste ao menor número de terras indígenas declaradas ou homologadas em
toda sua história desde a redemocratização em 1988: 2,6 e 2,8,
respectivamente, contra uma média de 12,4 e 15,5, respectivamente, entre
1995 e 2010. Estima-se que em 2014, de quase 600 terras indígenas
reivindicadas, somente duas foram identificadas, uma declarada e nenhuma
foi homologada.
3. O Brasil
deve promover e proteger os direitos territoriais, econômicos, sociais e
culturais dos povos indígenas e garantir o direito de tais povos de
fornecerem seu consentimento livre, prévio e informado conforme a
Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Estado brasileiro.
4. Requerem
que a União Europeia elabore dispositivos e condicionantes que reafirmem
que a efetivação de direitos humanos e territórios tradicionais deve
ser prioritária ante qualquer tipo de investimentos e acordos
comerciais.
5. O futuro
tratado a respeito de empresas transnacionais e outras empresas em
relação aos direitos humanos poderá ajudar tanto o Brasil quanto a União
Europeia a cooperarem apropriadamente em relação à regulamentação de
atividades empresariais transnacionais, de acordo com as obrigações dos
Estados envolvidos em matéria de direitos humanos.
6. Denunciam a
posição da União Europeia na primeira sessão do Grupo de Trabalho e
instam a União Europeia e os Estados membros a participarem de maneira
construtiva e de boa-fé.
7. Reconhecem
o apoio do Brasil ao Grupo de Trabalho Intergovernamental do Conselho
de Direitos Humanos da ONU. Por isso, instam o Estado brasileiro a tomar
medidas efetivas em conjunto com o Grupo de Trabalho Intergovernamental
para que o futuro tratado possa assegurar uma melhor proteção dos
direitos humanos e acabar com a impunidade de empresas transnacionais e
outras empresas.
Ao mesmo
tempo, diante da maior crise de refugiados vivida desde a II Guerra
Mundial, a UE e Brasil devem assumir fortes compromissos para o
enfrentamento das gravíssimas violações de direitos humanos dos
refugiados. A UE e seus países membros devem abrir imediatamente suas
fronteiras, para assim ficarem em sintonia com os anseios de
solidariedade e acolhida manifestados por sua população. A Europa
defende a livre circulação de fluxos de capitais e de mercadorias, e
quer que os investimentos de suas empresas tenham livre acesso aos
países de origem das e dos refugiados, agravando assim a expropriação
dos povos devido à intensiva exploração de recursos naturais e de fontes
de energia. A Europa, porém, não defende a livre circulação de pessoas.
O Brasil tem
tido uma atitude exemplar na acolhida aos refugiados e refugiadas,
estando entre os países que mais concedem refúgio. Ainda assim, o Brasil
pode ampliar muito esta acolhida e facilitar ainda mais a concessão de
vistos. Demandamos que na próxima reunião do Comitê Nacional de
Refugiados (CONARE), a ser realizada em 21 de setembro, a Resolução 17
de 2013 a respeito da facilitação de vistos seja renovada e ampliada. É
fundamental, também, que o Brasil atualize sua legislação para que o
marco jurídico sobre migrações incorpore os princípios dos direitos
humanos, especialmente a não criminalização e não devolução das e dos
migrantes.
16 de setembro de 2015
Assinam: ABONG,
Amigos da Terra Brasil, Anistia Internacional Brasil, Associação
Brasileira Interdisciplinar de AIDS, Conectas, CIMI, Comitê Brasileiro
de Política Externa e Direitos Humanos, FASE, FIAN International, Equit,
HOMA, IBASE, IDDH, INESC, Justiça Global, MAB, REBRIP, Rede Social de
Justiça e Direitos Humanos, TNI.
1 - O 4° diálogo se realizou em Brasília, no dia 25 de abril de 2014.
2 - www.ohchr.org/EN/HRBodies/HRC/WGTransCorp/Pages/Session1.aspx. 3
3 - DOURADOS
NEWS. Notícias. Disponível em:
www.douradosnews.com.br/noticias/cidades/revoltada-presidente-de-sindicato-deixareuniao-e-diz-que-vai-retomar-terra-invadida.
Acesso em 31 ago. 2015. www.diplomatique.org.br/acervo.php?id=3141
Acesso em 31 ago. 2015. Brazil's Guarani-Kaiowa tribe alleges genocide
over land disputes. www.bbc.com/news/world-latin-america-34183280.
Acesso 8 set. 2015.
4 - CONSELHO
INDIGENISTA MISSIONÁRIO. Nota Pública. Disponível em:
www.cimi.org.br/site/ptbr/?system=news&action=read&id=8297 .
Acesso em: 31 ago. 2015.
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