Lideranças de Tekohá Guyra Kamby'i estiveram com deputado nesta quarta
Os conflitos entre
indígenas e produtores rurais no Mato Grosso do Sul foram amenizados nos
últimos dias, mas a tensão é latente e permanente, destacou o
secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi),
Cleber César Buzatto, em conversa com o JB por telefone. A
violência contra os guarani-kaiowá no Estado no final de agosto e início
deste mês causou a morte do líder indígena Simão Vilhalva, de 24 anos, e
deixou feridos, como o caso do bebê de um ano atingido por dois
disparos de balas de borracha. Buzatto alerta que indígenas têm sofrido
com diversas formas de intimidação, especialmente verbais. "Setores
oligárquicos do campo acabam assumindo um papel de estado paralelo nas
ações contra os povos", alerta.
Buzzato destaca que a
sensibilização e divulgação dos episódios de forte violência contra
povos indígenas pelas redes sociais ajudaram a reduzir as tensões mais
agudas nos últimos dias, assim como a entrada do Exército e a abertura
de inquérito pelo Ministério Público Federal. O Exército Brasileiro
começou a atuar no início do mês, e deve ficar em Antônio João, Aral
Moreira, Bela Vista e Ponta Porã por 30 dias. O MPF em Mato Grosso do
Sul, por sua vez, determinou instauração de inquérito policial para
apurar possível prática de formação de milícia privada por fazendeiros. A
determinação ocorreu após troca de mensagens em rede social do
presidente do Sindicato Rural de Rio Brilhante, Luís Otávio Britto
Fernandes, convocando produtores a promover remoção forçada de
indígenas.
"A
situação é muito grave, especialmente nessas duas regiões, no caso dos
Tekohá Ñande Ru Marangatu, próximo ao município de Antônio João, na
fronteira Sul do Estado do Mato Grosso do Sul com o Paraguai, a cerca de
200 km de Dourados, e do Tekohá Guyra Kamby'i, que fica na terra
indígena Panambi-Lagoa Rica, no município de Douradina, a cerca de 35 km
de Dourados", comentou Buzatto.
No caso de Tekohá Ñande Ru
Marangatu, o ataque de fazendeiros ocorreu no final de agosto e gerou o
assassinato da liderança Simião Vilharva, com um tiro no rosto. Vários
outros ficaram feridos, alguns com pauladas e balas de borracha, por
exemplo, entre eles uma criança de um ano, atingida com dois disparos de
bala de borracha.
Na ocasião, o representante para América do Sul
do Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), Amerigo Incalcaterra,
se pronunciou sobre o caso. "A demora excessiva na demarcação das terras
tradicionais, as ordens de despejo por parte das autoridades e a
violência que sofrem os povos indígenas no marco de suas reclamações
estão entre as principais razões dos enfrentamentos violentos com outros
atores na região", alertou Incalcaterra.
De acordo com Buzatto, a
região continua bastante tensa. Ele destacou, todavia, a importância da
operação coordenada pelo Exército brasileiro, deslocado para a região a
partir de um processo da presidente Dilma Rousseff, para tentar evitar
novos ataques paramilitares de milícias contra os índios.
No caso
de Tekohá Guyra Kamby'i, os ataques ocorreram na noite da última
quinta-feira (3), contra uma comunidade de 20 famílias que vive em um
espaço de aproximadamente dois hectares há mais de quatro anos, em
situação de extrema vulnerabilidade social e cultural. A situação vivida
e a paralisação de demarcações de terras por parte do governo federal,
conta Buzatto, e também o fato da área já ter sido identificada como
tradicional do povo indígena guarani-kaiowá, motivaram um movimento de
retomada de uma fazenda próxima à aldeia, na quarta-feira (1°), que
acabou gerando o confronto já no dia seguinte. O ataque dos fazendeiros
durou mesmo com o recuo da comunidade à aldeia de dois hectares, até que
a prefeitura de Douradina intermediou uma conversa entre fazendeiros e
indígenas.
Mesmo com os efeitos positivos de ações como do
Exército e do MPF, destaca Buzatto, "há uma tensão latente e
permanente". "A situação de precariedade e vulnerabilidade
social-cultural dos guarani continua a mesma, ou pior do que antes.
Porque a animosidade, os preconceitos, a reação dos fazendeiros são
muito grandes. Isso limita profundamente a possibilidade de movimentação
das famílias", salientou Buzatto, informando que em Antônio João,
inclusive, há relatos de que fazendeiros teriam pressionado comerciantes
a não vender qualquer mercadoria, como alimentos e combustível, aos
indígenas.
Questionado sobre as principais causas desse quadro,
Buzatto apontou para a ausência e omissão por parte dos estados no
combate a ações paramilitares colocadas em prática por setores ligadas
aos latifúndios da região; à paralisação dos procedimentos de demarcação
das terras indígenas; e à falta de decisão do STF sobre o caso das
terras. Em 2005, o ex-presidente Lula homologou a demarcação das terras
Ñande Ru Marangatu, mas o então ministro do Supremo Tribunal Federal,
Nelson Jobim, suspendeu os efeitos do decreto e, até agora, o STF não
decidiu sobre o caso.
"Há vários anos o processo está com o
ministro Gilmar Mendes e ele não delibera nem coloca a matéria para ser
analisada pelos demais ministros do Supremo. Isso cria uma situação
extremamente aguda, porque as comunidades, ao longo desses 10 anos, têm
vivido em um espaço extremamente reduzido de terra, sem condições de
prover a própria subsistência", ressalta o secretário-executivo do Cimi.
O
Cimi, organismo vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil), tem uma equipe de agentes que mantém contato direto com as
comunidades indígenas, neste momento apenas por telefone, em função da
falta de segurança nesses locais.
O
presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara,
deputado Paulo Pimenta (PT-RS), em reunião com lideranças do Tekohá
Guyra Kamby'i na manhã desta quarta-feira (9), pediu um voto de
confiança às autoridades, que estão mobilizadas e trabalhando para
garantir a segurança das áreas.
Em conversa com o JB por
telefone, o deputado também chamou a atenção para o processo parado no
STF, que agrava o quadro de instabilidade e insegurança, comentou sobre
esforços junto ao Supremo para que esses processos sejam julgados e
sobre a esforço do MPF em impedir a repetição de ações de milícias
privadas.
"Não vamos tolerar milícias privadas, ações de grupos
paramilitares que pretendam atuar à revelia da lei. Todos serão
fiscalizados pelo Exército, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e
Ministério Público Federal e enquadrados por formação de milícias",
disse o deputado ao JB. "Não podemos permitir que seja
naturalizada a ideia de que se armar e fazer justiça com as próprias
mãos possa ser vista como uma prática legal", completou.
Os
indígenas também criticam a lentidão do STF, que, segundo eles, agrava a
situação de conflito. Segundo dados do Cimi, nos últimos 11 anos, mais
da metade dos assassinatos de indígenas no país ocorreram no Mato Grosso
do Sul. Em 2013, foram 73 casos de suicídios de indígenas no estado,
maior índice em 28 anos. Dos 73 mortos, 72 eram do povo guarani-kaiowá.
Nesta
quinta-feira (10), o presidente da Comissão de Direitos Humanos vai ao
município de Antônio João para se reunir com os guarani-kaiowá do Tekohá
Ñande Ru Marangatu.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo,
informou nesta quarta-feira (9) que o governo federal vai iniciar cinco
mesas de negociação na semana que vem, para resolver conflitos sobre
demarcação de terras indígenas no Mato Grosso do Sul. De acordo com o
ministro, as cinco áreas foram escolhidas em acordo entre governos
federal e estadual e lideranças indígenas e de produtores rurais.
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