30 de setembro de 2015

Famasul e Acrissul contra um advogado Terena no MS: “Querem nos intimidar usando todo poder que têm no estado”



Muito embora a questão territorial seja o principal vetor da matemática cruel de subtração de vidas indígenas no Mato Grosso do Sul, o processo corrente de genocídio espraia-se por uma ideia antiga de completa interrupção do Ser indígena autodeterminado em interface com a sociedade envolvente e o Estado colonial. O Guarani e Kaiowá, o Terena, na concepção do ruralismo, não podem deixar a condição de ‘bugres’. O corrente processo de criminalização e perseguição ao advogado Terena Luiz Henrique Eloy (foto) revela a arqueologia da violência no MS. O indígena, hoje doutorando em antropologia social pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tem sofrido assédios judiciais e pedidos – o segundo em menos de dois anos - de cassação de seu registro na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pela Federação de Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul (Famasul) e Associação dos Criadores do Mato Grosso do Sul (Acrissul). 

A perseguição teve início quando Eloy participou da ação judicial, no âmbito da assessoria jurídica do Cimi, contra o chamado Leilão da Resistência, criando obstáculos intangíveis aos realizadores do evento. Em novembro de 2013, fazendeiros se reuniram na Acrissul para organizar um leilão de animais com o intuito de angariar fundos contra as retomadas indígenas. A intenção dos idealizadores era investir na “segurança” de propriedades sobrepostas a terras indígenas. A ação judicial barrou inicialmente a realização do leilão, posteriormente liberado, mas com a utilização dos recursos angariados controlada pela Justiça Federal e pelo Ministério Público federal (MPF). A ministra da Agricultura Kátia Abreu e o deputado federal Luiz Carlos Heinze (PP/RS), que naquele mesmo ano, em dezembro, declarou que “índios, gays e negros são tudo o que não presta”, estavam presentes no evento. 
   
Conforme o Terena, a Famasul e a Acrissul já trocaram três vezes de escritório advocatício depois de tentativas judiciais fracassadas de impedi-lo de exercer a profissão. “A minha banca de mestrado aconteceu numa aldeia Terena. Então eles ingressaram com uma ação judicial para tentar suspender a banca, mas a Justiça Federal decidiu que a universidade tem autonomia científica, e que isso não constitui crime algum, haja vista que os Terena estão na posse por força de decisão judicial do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região)”, explica o advogado Terena. Quando se deram conta de que Eloy tinha um registro na OAB, os ruralistas começaram a colocar em dúvida se Eloy era indígena. “Diziam que eu não era índio, que o Cimi tinha pedido para eu me identificar como Terena só para dar força à luta. Eles não querem admitir que eu sou indígena e ao mesmo tempo advogado. Não admitem que eu possa demandar na mesma técnica e competência deles”, analisa.

Dessa trajetória de perseguição infrutífera em resultados positivos aos intentos ruralistas, surge a representação contra Eloy afirmando que ele fere o Código de Ética e o Estatuto da OAB. A Comissão do Agronegócio da Ordem no Mato Grosso do Sul subscreve a representação. “Juntam documentos do Cimi da década 1990, período que ainda eu morava na aldeia e nem passava pela cabeça um dia ser advogado. Me acusam ainda que por ser indígena eu estaria orientando e incentivando as lideranças indígenas a retomarem terras, que minha conduta é inidônea, pois no ano passado defendi minha dissertação de mestrado em área de retomada. Nada concreto ou que de fato demonstre que cometi alguma irregularidade”, afirma o advogado Terena. Juntam ainda no processo a cópia do perfil de Eloy no facebook e e-mails, alegando que o indígena divulga cartas do Conselho Terena e que isso não é conduta de advogado. 
      
Os ruralistas chegam ao cúmulo de acusar Eloy de advogar para os indígenas, como se fosse crime ou prova de prática amoral. “Eles juntaram ao processo meu curriculum lattes que mostra que eu atuo em todos os processos demarcatórios ou criminais, defendendo lideranças indígenas, como assistente de acusação naqueles em que houve morte de liderança e na academia (mestrado e doutorado) tenho feito formação de lideranças. Por meio das grandes assembleias indígenas e cursos de formação de lideranças e professores, temos capacitado lideranças para defenderem seus direitos. Eles querem nos intimidar e fazer recuar, usando todo poder e influência que têm no Estado”, diz Eloy.

Uma das articuladoras das ‘provas’ contra Eloy é a também advogada e ruralista Luana Ruiz. A documentação juntada aos autos contra o Terena foi recolhida por ela. Luana esteve nos recentes noticiários do assassinato de Semião Vilhalva. Presidente do Sindicato Rural de Antônio João, a mãe de Luana, Roseli Maria Ruiz, liderou um comboio com cerca de 100 camionetes para atacar o tekoha - lugar onde se é – Ñanderú Marangatú, no último dia 29 de agosto. Roseli pretendia reaver a fazenda, que se diz herdeira, sobreposta à terra indígena homologada em 2005. Uma das armas dos fazendeiros presentes no ataque lançou um balaço mortal no rosto de Semião, que procurava o filho em meio ao caos imposto pelos invasores ruralistas. Dias depois, Luana defendeu aos jornalistas sul-mato-grossenses a utilização de armas contra indígenas para defender supostas propriedades privadas. Luana possui um escritório advocatício que se especializou em entrar com ações questionando demarcações, ou pedindo reintegrações de posse. A advogada acusa a Funai, o Cimi e os indígenas de crimes como terrorismo, práticas de guerrilha e formação de quadrilha.

Na Comissão de Assuntos Indígenas da OAB/MS, Luana também tentou interferir. No entanto, foi barrada de um jeito peculiar: durante um ritual Guarani Kaiowá em uma das sessões da Comissão, a ruralista começou a passar mal. Conforme a descrição de quem presenciou a cena, Luana parecia sufocar. Com as mãos no pescoço e o rosto vermelho, se retirou da reunião para nunca mais voltar à Comissão. Porém, segue na OAB e nos tribunais, advogando em causa própria e disseminando calúnias – como as que dispara contra Eloy Terena.
     
Conforme a presidente da Comissão de Assuntos Indígenas, Sâmia Barbieri, as acusações contra Eloy são despropositadas e fruto de mera perseguição política, que ela afirma sentir na pele. Em 2013, durante reintegração de posse na Terra Indígena Buriti, que culminou no assassinato de Oziel Terena, cujo processo judicial tem mais de mil páginas inconclusas sobre de que policial partiu o tiro que matou o indígena, a comissão foi acusada pela Polícia Federal de incitar a violência que culminou com a morte de Oziel. Sobre o Cimi recai a mesma acusação. O processo ainda está aberto.

Usina no rio Tapajós repetirá 'caos' de Belo Monte, diz Greenpeace

"Uma análise encomendada pelo Greenpeace denuncia a existência de 'problemas graves' no estudo e relatório de impacto ambiental (EIA/Rima) da usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, em planejamento pelo governo federal no oeste do Pará".



Greenpeace _ Fabio Nascimento
Vista do rio Tapajós; governo planeja usina em uma das regiões mais preservadas da Amazônia.

29 de setembro de 2015

Contrariando ruralistas, General afirma que paraguaios não participaram de retomadas no MS

“Essa travessia de paraguaios junto aos índios caiu por terra”
General Rui Matsuda

Foto _ CIMI



Durante apresentação do Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron) a representantes dos Três Poderes da República, no final da semana passada, em Dourados (MS), o general Rui Matsuda, da 4ª Brigada Guaicurus de Cavalaria Mecanizada, afirmou que não procede a informação denunciada ao seu comando de que paraguaios se infiltraram entre os Guarani e Kaiowá nas recentes ações de retomadas de terras indígenas no estado.

Matsuda explicou que os radares do Sisfron, capazes de rastrear pessoas ou veículos num raio de 10 km, não detectaram movimentação na fronteira de indivíduos com o intuito de seguirem às fazendas retomadas pelos indígenas, seja antes ou depois das ações. Os radares, conforme o general, podem identificar as mais sutis transições de um país ao outro e o rumo que elas tomam.

A 4ª Brigada instalou os radares em pontos diferentes na extensão da área de fronteira, onde estão terras indígenas na alça de mira de fazendeiros, sobretudo desde o último dia 29 de agosto, ocasião do assassinato de Semião Vilhalva: Ñanderú Marangatú, Potrero Guasu e Pyelito Kue. Binóculos com capacidade de alcançar pessoas e veículos a 10 km de distância, com perfeita capacidade de identificação a 5 km, também foram usados para investigar as denúncias recebidas pela Brigada.

“Essa travessia de paraguaios junto aos índios caiu por terra”, destacou Matsuda. Fazendeiros, sindicatos rurais e parlamentares ruralistas acusam os Guarani e Kaiowá e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) de arregimentar paraguaios para realizar “invasões de propriedades privadas” no estado. Há duas semanas, a bancada ruralista da Assembleia Legislativa do MS conseguiu aprovar a instalação da chamada ‘CPI do Cimi’. 

De acordo com a criadora da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), deputada Mara Caseiro (PTdoB), a intenção é investigar a participação do Cimi no apoio às retomadas indígenas no Mato Grosso do Sul e o recebimento de recursos do exterior para tal fim. O Cimi, em nota pública, disse lamentar a abertura da CPI sem um fato determinado. Ressaltou que é público o fato da organização receber recursos de agências de cooperação e reafirmou que seguirá apoiando os povos e a causa indígenas – como faz há 43 anos.

Aty Guasu "flecha" insinuações de que indígenas são manipulados pelo Cimi

"Não somos robôs", lideranças desabafam em Nota Pública onde  falam sobre a história do seu povo, discriminação, denunciam os poderes dominantes do Brasil e reafirmam que não desistirão dos tekohas.
 
Através desta Nota Pública reafirmamos que nós indígenas Guarani e Kaiowa reocupantes das terras tradicionais tekoha não somos conjuntos de bonecos, fantoches e não somos robôs para ser manipulados e guiados pelos não-indígenas. A princípio somos seres humanos, portadores de todas as capacidades humanas, pensamos, planejamos, agimos, reagimos, morremos e resistimos como seres humanos. Nós somos sujeitos responsáveis e conscientes pelos nossos atos e assumimos a consequência de nossas ações. Sabemos muito bem onde se encontram nossas terras tradicionais de nossos ancestrais.

No contexto atual, como qualquer ser humano, aprendemos a ler, escrever e dominamos internet, falamos mais de duas línguas, utilizamos todos os tipos de tecnologias modernas, avião, carro, celular, internet, etc. Já é sabido que ao longo da formação do atual país Brasil os “índios” foram considerados como não seres humanos, sem alma e sem terra, taxado de “índio”, “selvagem”, “bicho”, “nômades,” “bugre”, “silvícola”, “bárbaro”, “canibal”, etc, etc.

No século XVIII, esse discurso ideológico oficial e histórico dominante justificou e justifica ainda o massacre, genocídio, violência permanente contra os povos indígenas. Nós líderes dos povos indígenas constatamos que em pleno século XXI, a maioria dos fazendeiros e políticos anti-indígenas reproduzem esses discursos equivocados e criminosos, taxando os indígenas de não seres humanos, incapazes de pensar e lutar pela recuperação das terras, ignorando todas as capacidades humanas das pessoas humanas dos indígenas.

No último ano de 2015, esses discursos truculentos antigos em pauta são divulgados com frequência pelos fazendeiros e políticos anti-indígenas tanto na câmara estadual e federal quanto na grande mídia, incitando o ódio, massacre, genocídio e violência contra os povos indígenas.

Nos jornais, os “índios” são taxados pelos fazendeiros de “invasores das fazendas”, “baderneiros”, “criminosos”, “bandidos temidos”, “guerrilheiros”, etc, ignorando a manifestação e protestos legais dos povos indígenas. No contexto em que os fazendeiros acusaram e acusam ainda os missionários do CIMI e alguns políticos de incitar aos indígenas para “invadir” “propriedades particulares”. Divulgaram e argumentaram sempre na justiça que os missionários do CIMI, os funcionários da FUNAI, antropólogos, partidos políticos (PT) incitariam aos “índios para invadir fazendas”, ignorando a capacidades humanas dos povos indígenas.

Em decorrência disso, os políticos anti-indígenas criam o CPI DO CIMI. As lutas e os movimentos sociais indígenas apareceram sempre na história como fossem um conjunto de robôs manipulados pelos não-índios, mas nós indígenas na luta legítima pela recuperação de nossas terras não somos robôs. Nossa luta social pela terra é baseada nos direitos indígenas. Essas lutas e decisão indígenas de recuperar e reocupar parte das terras tradicionais sempre é exclusivamente do povo Guarani e Kaiowa. Essa é a verdade. 

De fato, desde meados de 1960 até hoje, a maioria dos povos indígenas lutou e resistiu em permanecer nas suas terras, assim não assistiram parado e calado à invasão e ocupação de suas terras pelos fazendeiros. Sobretudo nos últimos 50 anos, as nossas lutas pela reocupação das terras tradicionais e a resistência dos povos indígenas foram registradas tanto pelo governo da ditadura militar como pelo governo da República e democrático de direito. Nossa luta pela recuperação das terras tradicionais é exclusivamente dos povos indígenas, não fomos manipulados como os bonecos, não somos robôs mecânicos, mas somos guerreiros resistentes do grande povo Guarani e Kaiowa para sempre. 

É interessante se compreender que nós indígenas não somos preguiçosos e trabalhamos muitos sim, entre as décadas de 40 e 80, durante a implantação das fazendas, nós indígenas trabalhamos na derrubada de toda a floresta do sul de MS. Logo em seguida, os fazendeiros recém-assentados, aliados à ditadura militar, começaram expulsar-nós e dispersar-nós de forma violenta de nossas terras, todos nós indígenas sabemos muito bem dessa história. Os fazendeiros sabem muito bem também dessa história que ocorreu 50 anos atrás.Queremos deixar claro que a nossa luta pela recuperação de nossas terras começou antes de existir o CIMI, ainda na ditadura militar.

Já em meados de 1980, 1990 e 2000, quando os pistoleiros não conseguiam efetuar o despejo, os fazendeiros contratam advogados para conseguir a ordem de despejo da Justiça Estadual e Federal, a ser realizada pelas forças policiais. A forma de agir dos agentes policiais não difere muito da dos pistoleiros: ambos utilizaram armas pesadas, queimaram as casas das comunidades indígenas, ameaçaram e assustaram crianças, mulheres e idosos. Muitos indígenas que foram vítimas de despejo e massacres, ao narrar suas histórias, nem conseguiam saber se foram pistoleiros ou policiais os que agiram.

Nos últimos cinco anos desde 2011, houve vários ataques violentos às comunidades, despejos e assassinatos dos líderes indígenas realizados por pistoleiros na região de Cone Sul de MS. Além disso, neste mês de setembro de 2015, estão em cursos cinco ordens judiciais de reintegração de posse aos fazendeiros que podem resultar em despejos e violência contra as famílias Guarani e Kaiowa autorizados pela Justiça. 

Nós líderes Guarani e Kaiowá nessa situação já nem sabemos mais a quem recorrer para garantir os nossos direitos constitucionais. Só resistimos com as nossas famílias e colocamos as nossas vidas na frente à mira das armas de fogos dos fazendeiros. Em alto e bom som, os fazendeiros anunciam que os indígenas resistentes podem ser assassinados, massacrados e trucidados, sob o regime de ordem judicial e de ameaça de morte dos pistoleiros contratados.

É evidente que esse massacre e genocídio e violência em curso contra os indígenas resistentes são fomentados pelos próprios sistemas de poderes judiciários, políticos e econômicos dominantes no Brasil. Os direitos indígenas nacionais e internacionais estão sendo claramente ignorados em Mato Grosso do Sul e no Brasil.

Por fim, neste final de mês de setembro de 2015, diante de cerco dos pistoleiros e dos policiais, nós indígenas juntamente com as nossas famílias decidimos em resistir, lutar e morrer pela recuperação de nossas terras tradicionais, isso é exclusivamente dos povos indígenas, não fomos manipulados como os bonecos, não somos robôs mecânicos, mas sim somos guerreiros resistentes do grande povo Guarani e Kaiowa. Já assassinaram as nossas lideranças, já atacaram e massacraram as nossas vidas, já expulsaram-nos, mas não vamos desistir de nossas terras. Essa é a decisão definitiva dos povos indígenas Guarani e Kaiowa.

Tekoha Guasu Guarani e Kaiowa, 28 de agosto de 2015
Líderes de Aty Guasu do grande povo Guarani e Kaiowá


Leia Mais

>Manifestantes fazem protesto contra genocídio na Avenida Afonso Pena

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28 de setembro de 2015

CARTA ABERTA DE SOLIDARIEDADE AO POVO GUARANI KAIOWA


Coletivo Antena Guarani em Medium.com

Por meio desta carta aberta queremos expressar nossa indignação e repúdio aos ataques promovidos por fazendeiros contra as comunidades Guarani Kaiowa no Mato Grosso do Sul. Em 29 de agosto, homens armados atiraram contra a comunidade da Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, no município de Antônio João, o que resultou no assassinato do líder indígena Simeão Vilhalva. Em 18 de setembro, a comunidade de Pyelito Kue/Mbarakay foi aterrorizada por homens armados. Em 22 de setembro, o líder Elpídio Pires foi baleado em Potrero Guasu, município de Paranhos. Na mesma ocasião, casas foram incendiadas e a comunidade relatou o estupro de uma adolescente e uma mulher grávida. Expressamos também nossa solidariedade e nosso total apoio a toda a comunidade Guarani Kaiowa.
Não podemos aceitar que um Estado e um Congresso que se dizem democráticos continuem agindo de forma arbitrária, omitindo-se na construção de direitos já reconhecidos na Constituição. A não demarcação das Terras Indígenas, além de um desrespeito aos fundamentos constitucionais do país e aos direitos dos povos originários desta terra, agrava os conflitos e crimes por todo o país, e impede que se estabeleça a Justiça e o Direito.
Durante muito tempo o povo Guarani Kaiowa aguardou a resolução do conflito de acordo com as regras dos não indígenas. A Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, por exemplo, foi homologada em 28 de março de 2005. Cinco meses depois, porém, o então presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, atendendo aos apelos de Pio Queiroz Filho, dono das fazendas Barra e Fronteira, suspendeu os efeitos da homologação em medida cautelar, decisão que deve perdurar até o final do julgamento do processo, mandato de segurança de número 0003154–21.2005.0.01.0000. Desde 5 de setembro de 2009, porém, o processo está parado nas mãos do atual Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes.

Cansados de esperar ação da Justiça e do Governo, os indígenas resolveram ocupar seus territórios já reconhecidos. Em resposta, fazendeiros e ruralistas comandados pela presidente do Sindicato Rural de Antônio João, Roseli Maria Ruiz (casada com Pio Queiroz Filho), orquestraram uma verdadeira campanha de terror, pânico e mentiras, incitando a população contra a comunidade indígena.

O ex-deputado federal Pedro Pedrossian Filho chegou a divulgar em sua rede social imagens de um incêndio ocorrido no Paraguai como se fossem fotos de vandalismo provocado pelos índios. Há relatos de comerciantes que estão sendo orientados a não vender nada a pessoas com “aparência indígena”. O ódio facilitou o ataque ocorrido nos dias 29 e 30 de agosto, que resultou na morte de Semião, de apenas 24 anos, e em ferimentos por bala de borracha em um bebê de um ano. Os indígenas ficaram sitiados, impedidos de receber alimentação e socorros médicos.

A demora, a burocracia e a balança da justiça, que parece pender para o lado mais rico da história, têm custado muito caro para os Guarani Kaiowa. Nas últimas décadas eles têm sido massacrados e explorados de todas as maneiras. Foram expulsos de seu território e abandonados à beira da estrada. Perderam vários de seus líderes, vítimas de assassinato. Todas essas mortes, assim como a de Simeão, foram tragédias anunciadas e poderiam ter sido evitadas.

Tanto em Ñande Ru Marangatu como em outras Terras Indígenas no Mato Grosso do Sul, o povo Guarani Kaiowa viu seus jovens, incluindo menores de idade, serem submetidos a trabalho análogo ao dos escravos em canaviais e nas fazendas daqueles que querem tirar suas terras. Crianças morreram por desnutrição. Forçadas a sair de sua terra, em meio aos conflitos, as crianças guarani kaiowa têm negado também o direito à educação.

Apesar da indignação crescente e já expressa por entidades como a Anistia Internacional e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, o cenário não apresenta melhoras, pelo contrário. Atendendo à solicitação do governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), a presidente Dilma Roussef (PT) aceitou enviar tropas do Exército para atuarem a partir de 1o de setembro nas cidades de Antônio João, Aral Moreira, Bela Vista e Ponta Porã por um período de 30 dias.

Tememos que mais mortes e mais dor se espalhe pelas Terras Indígenas do povo Guarani Kaiowa, agora por ação direta do Estado brasileiro, a quem cabe a responsabilidade pela questão indígena no país.

Desta forma, pedimos:

Ao governo federal, que tenha transparência e agilidade na demarcação das Terras Indígenas em Ñande Ru Marangatu e nas demais TIs do Brasil. Não fazê-lo expõe o atual governo, em seu sentido lato, na medida em que vemos implicados os diversos poderes, a mais um episódio triste e vergonhoso de nossa história recente, colocando-o ora como omisso, ora como um inimigo direto dos povos indígenas.

Ao ministro e relator Gilmar Mendes, que aprecie o processo que está em suas mãos e que reconheça prontamente a homologação da Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, pondo fim a esses vergonhosos acontecimentos.

Ao Ministério Público Federal, que instaure investigações sobre o assassinato de Simeão Vilhalva, cujo corpo foi devolvido à comunidade Guarani Kaiowa sem o laudo de autopsia, bem como de outros crimes noticiados no Estado. Que também apure as denúncias de racismo e difamação contra o povo guarani kaiowa cometidas por fazendeiros e ruralistas.

Que sejam apuradas as responsabilidades neste e em outros crimes, e o possível envolvimento entre interesses de proprietários de terras, milícias e políticos nas diversas esferas de governo, inclusive no Congresso, segundo notícias amplamente divulgadas, que ultrapassando o conflito de interesses e a lisura necessária do cargo público, ligam-se manifestamente, segundo essas mesmas notícias, a milícias e ações criminosas contra lideranças e crianças.

Que o Congresso Nacional rejeite a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 e os demais projetos de lei e PECs que atentam contra os direitos indígenas.

Que seja aberta uma CPI para apurar o Genocídio contra os povos originários e medidas para apurar e impedir a perseguição a lideranças e entidades que apoiam a população indígena como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

À sociedade civil, que ajude a divulgar para o mundo sobre as crueldades, o massacre étnico, as mortes, os atrasos da Justiça e a negligência do Estado que têm prejudicado imensamente o povo Guarani Kaiowa e os demais povos originários do Brasil.

A questão não pode ser tratada como uma questão política, nem mesmo econômica, na medida em que trata-se de crimes que expõem as formas de apropriação do poder público por interesses privados e de violência contra pessoas que estão em defesa de seus direitos já reconhecidos. O país necessita de uma resposta que estabeleça o Direito e a Justiça dos povos originários da terra, salvaguardando de modo digno para a história deste início de século a construção contemporânea de nosso território e da diversidade étnica que nos constitui como nação no presente.


São Paulo, setembro de 2015
Coletivo Antena Guarani

Povos indígenas do Tocantins: palmas para eles

 

O calor de rachar, característico de uma das cidades mais quentes do país, vai amenizando no final desse dia 22 de setembro. Aos poucos representantes da maioria dos povos indígenas do estado vão chegando ao simpático espaço Krãnipi Casa do Estudante Indígena de Palmas
“Essa é uma conquista de todos nós. Mais um espaço de apoio às nossas lutas”, afirmou Wagner Krahô-Kanela, presidente da organização indígena União dos Estudantes Indígenas do Tocantins (Uneit). A liderança Antônio Apinajé complementou dizendo aos estudantes indígenas: “lembrem-se de que o estudo que vocês vêm buscar aqui na Universidade só tem sentido se vocês continuarem ligados à luta e aos conhecimentos tradicionais dos nossos povos. Não deixem de buscar os conhecimentos e a sabedoria dos anciões. Essa Casa do Estudante só terá sentido e cumprirá seus objetivos se vocês fizerem dela um espaço de apoio aos direitos dos povos indígenas deste estado”.
O reitor da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Márcio Antônio da Silveira, de forma muito espontânea, foi recebendo as delegações indígenas que foram chegando. Ao se referir a esse gesto, Adelar Cupsinski, da assessoria jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) comentou: “Alguma coisa está mudando. Quando se via um reitor ir ao encontro e receber dessa forma os povos e estudantes indígenas?”. A equipe do Regional do Cimi Goiás Tocantins nutria um sentimento de alegria ao ver finalmente um sonho dos estudantes indígenas realizado. Eles não mediram esforços para que esse momento acontecesse. Buscaram aliados para a construção da obra e realizaram todo o processo de forma participativa e em diálogo permanente com as comunidades, povos e organizações indígenas.
Após cantos, rituais e falas indígenas, foi descerrada a placa de inauguração do espaço onde 48 estudantes indígenas estarão hospedados durante o período de seus cursos universitários. A universidade assumiu o espaço e a sua administração. O reitor afirmou que existem atualmente 200 estudantes indígenas e que buscarão ampliar esse número através do sistema de cotas, assumido por esta UFT.
Resistir para existir, na luta e na esperança
No dia 23 teve início, no Colégio Marista de Palmas, um importante seminário sobre a luta dos povos indígenas e das populações tradicionais em defesa de seus direitos e territórios. Com a participação dos povos indígenas de Tocantins, Maranhão, Pernambuco e Bahia, e dos movimentos sociais e aliados dessas causas, ecoou o grito das vítimas de um sistema perverso de avanço do agronegócio, desrespeitando os povos indígenas e as comunidades tradicionais e gerando a destruição brutal da natureza. A natureza chora, seus filhos clamam, pedem socorro.
Diante desse processo de violência e desrespeito aos direitos e à vida, os participantes debateram e definiram suas estratégias de luta e resistência. Só existe um caminho de enfrentamento: a união de todos os atingidos pelo avanço do agronegócio e seus rastros de destruição e morte.
Durante todo o dia foram realizadas mesas de exposição e debates em que foram expostos os sofrimentos e o clamor da Mãe Terra e de seus filhos. Nailton Pataxó relatou o processo de luta de seu povo para a reconquista de seu território. “Esperamos 30 anos pela justiça. Depois, formamos guerreiros que foram retomando nossas terras. Terra não se ganha, se reconquista”, expressou ele, deixando transparecer sua felicidade por terem suas terras de volta e poderem cuidar da Mãe Natureza e viver de seu jeito, em paz e harmonia. “A luta não acabou, me sinto em missão. Enquanto todos os povos indígenas não tiveram suas terras demarcadas estaremos com eles apoiando esse sagrado e constitucional direito às suas terras. O índio sem terra não tem vida”. Diante da decisão do governo de total paralisação da demarcação das terras, acredita que o caminho será o das autodemarcações. Por último, Nailton fez relatos emocionados das lutas e conquistas dos direitos indígenas na Constituição.
Gercília Krahô, após reiterar as denúncias das graves consequências do avanço dos grandes projetos sobre o território de seu povo, demonstrou a confiança de que enfrentarão esses grandes interesses e de que não conseguirão destruir os filhos da terra, pois “somos o broto e a semente da terra e por ela vamos lutar até morrer”.
Palmas palco de polêmica
A capital de Tocantins está envolta nos preparativos do I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, que são alvo de muitas críticas e contestações por vários segmentos da sociedade. Neste primeiro dia do seminário foram feitas críticas contundentes a esse evento, por lideranças de vários povos. Uma liderança do povo Karajá chamou atenção para as várias formas que o atual governo vem utilizando para matar os índios, com ações e omissões. Lembrou que enquanto estavam reunidos, em Brasília estavam tentando aprovar o relatório da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215). Ele avalia que “nenhum indígena do estado de Tocantins deveria participar desses jogos mundiais”.
Durante os debates sobre os graves problemas que envolvem os povos indígenas , repercutiam as recentes manifestações dos povos Krahô e Apinajé de não participarem dos Jogos Mundiais.
À noite foi feito o lançamento do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas – dados de 2014. A grave situação dos Guarani-Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, foi destacada durante o debate e ressaltou-se a importância dos povos pensarem ações concretas de apoio à luta pelos territórios e vida deste povo, submetido a uma verdadeira realidade de guerra e genocídio.
Também foi descrita, detalhadamente, a terrível trajetória dos Avá Canoeiro do Araguaia, submetidos a uma guerra de extermínio nas últimas décadas. Revelando os planos e as ações de extermínio a que foram submetidos, a antropóloga Patrícia Rodrigues narrou a trajetória desse povo, hoje reduzido a apenas 25 pessoas, e com o processo de regularização de suas terras paralisado no Ministério da Justiça.
Promovido pelo Regional Goiás-Tocantins, do Cimi, o seminário contou também com debate sobre a conjuntura indigenista e a atual desconstrução de direitos indígenas e uma mesa sobre o I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, dentre outras atividades.