A
mesa diretora da Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul recebeu
no início da tarde desta quarta-feira, 7, requerimento pedindo a
instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para
investigar os assassinatos e os diversos tipos de violências cometidas
contra os povos indígenas no estado. A chamada CPI do Genocídio
tornou-se um clamor popular país afora, não apenas na sociedade
sul-mato-grossense, mas sobretudo entre os povos indígenas, com destaque
aos Guarani Kaiowá e Terena. Durante essa semana, mobilizações pela CPI
do Genocídio acontecem em Brasília e no Mato Grosso do Sul.
Genocídio é quando violências e crimes são motivados por questões étnicas contra uma coletividade, no caso a indígena. É o extermínio deliberado, além da eliminação da existência física. Geno vem do grego e significa ‘raça’ ou ‘tribo’; Cídio vem do latim e significa ‘matar’. "Um
plano coordenado, com ações de vários tipos, que objetiva a destruição
dos alicerces fundamentais da vida de grupos nacionais com o objetivo de
aniquilá-los", assim definiu genocídio o advogado polonês Raphael
Lemkin, em 1944.
Nos últimos 12 anos, 390 indígenas foram assassinados e outros 585 cometeram suicídio. Os dados constam no Relatório de Violências Contra os Povos Indígenas – Dados 2014
do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). No estado, 229 inquéritos
envolvendo homicídio doloso contra indígenas foram abetos nos últimos
anos. Para o deputado Pedro Kemp (PT), líder de bancada e entusiasta da
CPI, é preciso saber quem mata e assassina os indígenas, a formação de
milícias ruralistas – já comprovada pela Justiça Federal no caso Nísio
Gomes Guarani Kaiowá. Porém, para o deputado é preciso entender o
genocídio como um processo mais amplo, envolvendo ainda a omissão do
Estado diante da ausência de direitos humanos, sociais e da violência
privada, organizada e premeditada, contra as comunidades.
“Sem
os territórios tradicionais, as comunidades indígenas vivem confinadas,
às margens das estradas. Então isso gera violência, falta de
perspectivas, suicídios, miséria, problemas diversos. Permitir isso faz
parte do genocídio em curso”, disse Kemp na manhã de hoje durante sessão
na Assembleia Legislativa que teve a questão indígena como principal
assunto abordado na tribuna. De acordo com o parlamentar, cerca de 120
indígenas estão detidos no estado. “Quantos assassinos de índios estão
presos? No Mato Grosso do Sul, para quem mata um índio parece existir a
garantia da impunidade. Precisamos apurar”, destacou.
Kemp
destacou o assassinato de Oziel Terena, em 2013, durante reintegração
de posse na Terra Indígena Buriti. “Existe a bala, sabe-se qual é o
calibre, quem estava em confronto com os indígenas, mas não se sabe de
quem partiu o tiro. Como não é possível determinar? Essa Casa não pode
ser conivente com o genocídio em curso”, frisou o deputado. No início
dessa semana, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) divulgou uma
nota pública entendendo como genocídio a violência contra os indígenas
no MS.
Em setembro de 2011, o Ministério
Público Federal (MPF) também se posicionou de forma enfática dizendo
que o que estava acontecendo no Mato Grosso do Sul contra os povos
indígenas era genocídio. A manifestação foi provocada por um ataque
contra os Guarani Kaiowá de Pyelito Kue, no município de Iguatemi. Na
época, os indígenas viviam às margens de uma rodovia: crianças e idosos
foram atingidos por balas de borracha e o acampamento foi incendiado. A
Anistia Internacional também considera caso de genocídio a conjuntura
vivida pelos povos indígenas no estado.
“Até mesmo o registro de advogado na OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil) estão tentando cassar do advogado Terena Luiz (Henrique) Eloy.
O cúmulo do absurdo a gente ter que assistir isso acontecer dentro de
uma entidade com a OAB, que sempre foi referência na defesa da
democracia, dos direitos, da justiça. Além de atacar as entidades que
apoiam os indígenas, não querem permitir que um índio seja advogado e
defenda o seu povo”, ressalta Kemp.
“Quem colheu meus milhos foram os índios”
Para
alguns parlamentares, caso do deputado ruralista Zé Teixeira (DEM), não
é verdade que existe uma violência desse tipo, genocida, em curso
contra os indígenas do estado, e ele não acredita que ‘produtores
rurais’ tenham parte com algo do tipo. Pontuou que os indígenas são
produtivos e capazes, faltando apenas mais incentivos do governo. “Quem
colheu meus milhos esse ano foram os índios. Vai lá (na fazenda do
deputado), trabalha e recebe certinho. Jamais que um índio bateu palmas
na minha casa em Dourados e eu deixei de levantar da mesa para atender.
Passavam e perguntavam: tem pão? Nunca neguei. (...) Os Kadiwéu têm
muita terra e vivem na miséria porque falta incentivo a eles”, disse
Teixeira reforçando um discurso recorrente entre os ruralistas de que a
questão indígena não é de terra, mas de assistência social. O deputado é
um dos integrantes da chamada CPI do Cimi.
Já
a presidente da CPI do Cimi, a deputada ruralista Mara Caseiro (PTdoB),
defendeu uma “reforma agrária indígena” e falou sobre “países de fora
para vir resolver uma questão que é nossa e que deveria ter sido
resolvida pelo governo federal (sic)”, sem precisar exatamente de quais
países estava a falar. A parlamentar ainda destacou: “São 13 anos que o
PT está aí e o que ele fez para resolver nossa questão indígena? Inércia
tem trazido interesses escusos, pregando o ódio e a guerra”, também sem
destacar quais seriam os interesses escusos. O tom ameno e fraterno de
Mara com relação aos indígenas não convenceu. Acabou vaiada pela
população indígena presente no Plenário.
A
tática dos ruralistas concentrou-se em atacar o governo federal,
criando proximidades com os indígenas e jogando para o Palácio do
Planalto a responsabilidade por todos os problemas entre indígenas e
fazendeiros no estado. “Indígenas e produtores: todos são vítimas desse
governo que aí está”, ressaltou o deputado José Carlos Barbosa (PSB).
O deputado
Pedro Kemp, por sua vez, destacou que exatamente pelas ineficiências do
governo na questão indígena é preciso seguir lutando pela demarcação das
terras indígenas no estado e a indenização dos títulos de boa-fé aos
ocupantes não-indígenas de territórios tradicionais reivindicados. “O
governo federal precisa demarcar as terras indígenas. Só assim o
genocídio em curso poderá ter um fim. É isso que falta”, encerrou.
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