Por Agência O Globo em Diário da Manhã
BRASÍLIA – A Justiça Federal em Mato Grosso aceitou, no fim de agosto, uma denúncia do Ministério Público Federal (MPF) de crime de racismo supostamente praticado contra índios na região do Araguaia-Xingu. O presidente da associação dos fazendeiros da região, Carlos Alberto de Oliveira Guimarães, virou réu por ter afirmado em entrevista: “Nunca vi índio plantar nada, nunca vi índio produzir nada, índio vive praticamente é de cesta básica, de Bolsa Família e de algum recurso mais de pedágio que eles cobram de nós aí.”
A fala do produtor rural, que gerou uma denúncia e a aceitação da
acusação na primeira instância da Justiça, lembra afirmações de
parlamentares contra populações indígenas. Até agora, esses políticos
com foro privilegiado se livraram de investigação e punição.
A Associação dos Fazendeiros do Araguaia-Xingu planejava acionar a
Fundação Nacional do Índio (Funai) na Justiça, para impedir a
continuidade da delimitação de terra indígena em Santa Cruz do Xingu
(MT), Vila Rica (MT) e São Félix do Xingu (PA). Numa entrevista a um
veículo de comunicação local, em maio deste ano, o presidente da
associação fez críticas aos índios do Parque Nacional do Xingu.
“O parque deve ter uns cinco mil e poucos índios, numa área maior que
o estado de Sergipe. Eu acho que expandir esse parque aí é chover no
molhado”, afirmou, proferindo em seguida as frases consideradas pelo MPF
como preconceito de etnia. Guimarães disse ainda que “nessa região
nunca viveu índio, não tem índio, não tem uma aldeia indígena nessa
região”.
O procurador da República Wilson Rocha Assis citou na denúncia contra
o fazendeiro que o crime de racismo é inafiançável e imprescritível,
como consta na Constituição. “O combate ao racismo é pressuposto para a
efetivação da plena cidadania”, disse.
“Em relação aos povos indígenas e aos afro-descendentes, a exploração
física destes grupos ao longo da História do Brasil foi legitimada por
representações simbólicas que lhes outorgavam um status de
inferioridade. A liberdade de expressão não pode servir à reprodução de
preconceitos ou discursos de ódio contra minorias étnicas”, completou o
procurador na denúncia. O crime citado está previsto na lei que define
crimes de preconceito de raça ou de cor.
A pena de prisão é de um a três anos por “praticar, induzir ou
incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional”. O procurador pediu o agravamento da pena, para
dois a cinco anos de prisão, pelo fato de o suposto crime do presidente
da associação de fazendeiros ter sido cometido por meio de veículo de
comunicação social.
A Justiça Federal em Mato Grosso levou menos de um mês para aceitar a
denúncia. Esse tipo de acusação não é muito comum na Justiça
brasileira, apesar de já terem existido ações nesse mesmo sentido.
O conflito entre fazendeiros e índios na região do Araguaia-Xingu
envolve a terra indígena Kapotnhinore. Um estudo está em curso para
demarcação da terra. A Justiça determinou a realização de um
levantamento das ocupações não-indígenas na região. O presidente da
Associação dos Fazendeiros do Araguaia-Xingu considera defender o que é
“justo” e que “terra indígena é justo onde precisa de terra indígena”.
Ataques, agressões e ofensas aos indígenas compõem o comportamento e
glossário dos parlamentares contrários às causas desses povos, em
especial os deputados que estão à frente da bancada ruralista. Essa
ofensiva contra os índios no Congresso Nacional ganhou força nos últimos
anos e chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas uma ação acabou
arquivada.
É o caso de dois dos líderes ruralistas: Luiz Carlos Heinze (PP-RS) e
Alceu Moreira (PMDB-RS). Além de ataques e críticas nas reuniões na
Câmara, em 2013 eles apareceram em vídeos, em reuniões no estado,
ofendendo não só índios, mas quilombolas e homossexuais.
Heinze disse que esses “são tudo que não presta”. Moreira condenou as
invasões de terra e atacou: “Nós, os parlamentares, não vamos incitar a
guerra. Mas nos digam. Se fardem de guerreiros e não deixem um
vigarista desses dar um passo na sua propriedade… Reúnam verdadeiras
multidões e expulsem do jeito que for necessário”.
O caso foi parar no STF, a partir de uma ação movida por organizações
sociais, mas acabou arquivado. Heinze é reincidente nos ataques. Na
Comissão da Agricultura, ao criticar o então ministro da Secretaria
Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, disse que no seu ministérios
“estão aninhados quilombolas, índios, gays, lésbicas, tudo que não
presta, ali está alinhado. E eles tem a direção, que tem o comando do
governo”.
O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) é outro parlamentar acostumado a
criticar o número de terras indígenas e o que entende ser o modo de vida
desses povos. Em 2014, num ato em Mato Grosso do Sul, disse: “Índio não
fala nossa língua, não tem dinheiro, é um pobre coitado, tem que ser
integrado à sociedade, não criado em zoológicos milionários.”
Em julho deste ano, numa audiência pública, o deputado estadual
Fernando Furtado (PCdoB-MA) chamou índios Awá-Guajá de um “bando de
viadinho”. O caso veio a público na semana passada. “Como é que índio
consegue ser viado, ser baitola e não consegue produzir?”, disse o
parlamentar na audiência. Diante da repercussão do episódio, o deputado
pediu “sinceras desculpas”. Ler Original AQUI.
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