A Câmara Federal viveu mais um dia triste na recente história de
desmandos e autoritarismos praticados pelo atual presidente, deputado
Eduardo Cunha (PMDB/RJ). No final da noite desta segunda-feira, 05,
Cunha mandou a polícia cercar o Plenário 1 da chamada ‘Casa do Povo’,
sitiando-o, além de desligar o ar-condicionado e as luzes da sala sem
janelas, com o intuito de acabar com uma vigília iniciada por cerca de
200 indígenas, quilombolas, pescadores e camponeses da Articulação dos
Povos e Comunidades Tradicionais.
Não houve sucesso: a permanência da mobilização seguiu no
interior da Câmara madrugada adentro e um ato ficou programado para
acontecer às 7 horas desta terça-feira, 6, no estacionamento do Anexo 2
da Câmara Federal, para marcar o fim da vigília.
O presidente da Câmara se negou a receber as lideranças, que
decidiram iniciar a vigília. Entre cantos rituais e falas de denúncias,
chegou a informação de que a polícia tinha sido acionada por Cunha e a
Tropa de Choque estava pronta para retirar todos e todas à força. Pelas
redes sociais, o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias
da Câmara, deputado Paulo Pimenta (PT/RS), confirmava as informações e
ressaltava o clima tenso.
Numa tentativa de evitar a ação policial, Pimenta reabriu a
sessão da Audiência Pública, iniciada às 15 horas, sobre a ação de
milícias armadas contra povos indígenas, quilombolas e camponeses.
“Então cortaram o microfone, o ambiente ficou abafado com o ar desligado
e logo a luz foi cortada. Nesse momento, apareceram os policiais do
Choque na porta do plenário”, conta Cléber Buzatto, secretário executivo
do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Além das lideranças de povos e comunidades tradicionais, estavam
no Plenário parlamentares e a coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e
Revisão Deborah Duprat, da Procuradoria-Geral da República (PGR). Mesmo
na escuridão, indígenas passaram a dançar o Toré e a cantar suas rezas.
Os presentes se alternavam no ‘gogó’ e seguiram com a audiência pública
denunciando a ação criminosa e assassina contra as comunidades. A
imprensa foi proibida de chegar perto do Plenário. Do lado de fora da
Câmara, jornalistas e apoiadores da causa indígena se aglomeraram
esperando o desfecho da situação.
Nas redes sociais, a solidariedade tomou conta de centenas de
postagens e mensagens de apoio a todos e todas que mantinham a vigília,
além de frases de repúdio ao presidente da Câmara. Para a imprensa, a
assessoria de Cunha afirmou que o presidente da casa não havia
solicitado a Tropa de Choque, mesmo com fotos desmentindo a informação,
mas que de fato havia solicitado o desligamento da energia elétrica e do
ar-condicionado com o objetivo de que todos e todas saíssem de ‘forma
pacífica’. Pacífica, porém, era a vigília que reivindicava a demarcação
de terras indígenas e em posição contrária à Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) 215, além de denunciar a ação de milícias e grupos de
extermínio contra as lideranças em luta por direitos.
De
acordo com dados da violência no campo sistematizados pela Comissão
Pastoral da Terra (CPT), nos últimos 10 anos, povos indígenas e
comunidades tradicionais enfrentaram 5.771 conflitos; 4.568 pessoas
foram vítimas de violência; 1.064 sofreram ameaças de morte; 178
sofreram tentativas de assassinato e 98 foram assassinadas.
Por outro lado, a vigília pretendia lembrar dos 27 anos da
Constituição Federal e do quanto a ‘Carta Cidadã’ ainda não garantiu
direitos e tampouco cidadania para os povos e comunidades tradicionais –
e já vem sendo desconstruída conforme os interesses de grupos políticos
e econômicos. Daniel Guarani e Kaiowá lembrou o sofrimento de seu povo
no Mato Grosso do Sul e lembrou que no Brasil os direitos de uns valem
mais do que os direitos de outros: “Uma propriedade vale mais que uma
vida? No meu estado, um boi vale mais que a vida de um índio”. Conforme o
deputado Paulo Pimenta, em vídeo nas redes sociais, a vigília
transcorreu de forma pacífica e a violência é responsabilidade do
presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
Aos poucos, com pressões surgidas de todos os lados, Cunha não
seguiu adiante com a desocupação forçada, mas não pediu a religação da
energia elétrica e do ar refrigerado. Mesmo no escuro, como dezenas de
pessoas lembraram nas redes sociais do poema de Thiago de Mello, todos e
todas cantaram. Segue o poema:
Faz escuro mas eu canto,
porque a manhã vai chegar.
Vem ver comigo, companheiro,
a cor do mundo mudar.
Vale a pena não dormir para esperar
a cor do mundo mudar.
Já é madrugada,
vem o sol, quero alegria,
que é para esquecer o que eu sofria.
Quem sofre fica acordado
defendendo o coração.
Vamos juntos, multidão,
trabalhar pela alegria,
amanhã é um novo dia.
Leia matéria da Folha de São Paulo AQUI.
porque a manhã vai chegar.
Vem ver comigo, companheiro,
a cor do mundo mudar.
Vale a pena não dormir para esperar
a cor do mundo mudar.
Já é madrugada,
vem o sol, quero alegria,
que é para esquecer o que eu sofria.
Quem sofre fica acordado
defendendo o coração.
Vamos juntos, multidão,
trabalhar pela alegria,
amanhã é um novo dia.
Leia matéria da Folha de São Paulo AQUI.
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