27 de fevereiro de 2014

Caso Tenharim: Jornalismo 'Leggero' (Leviano)

Mídia Inacreditável (27/02/2014)
Imagem _  site http://deolhonosensacionalismo.wordpress.com/


E eis que o portal do Estadão (não o jornal) se lembra dos Tenharim. Não por causa do apartheid em curso no sul do Amazonas - solenemente ignorado pela imprensa-aquela-tão-amiga-do-Madiba. (Racismo, para a nossa imprensa, só aquele - abjeto - sofrido pelo ator da Globo).

Os Tenharim voltam ao noticiário porque o delegado concluiu o inquérito e pediu prisão preventiva para os cinco acusados de matar três não-indígenas: http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,pf-conclui-inquerito-e-pede-prisao-preventiva-de-indios-em-humaita,1134990,0.htm

Qual a base para a notícia? Informações da PF, do delegado? Aparentemente não. Tudo indica que informações do advogado dos parentes dos três mortos: Carlos Terrinha, também advogado de madeireiros, advogado dos poderosos da região.

O repórter não ouve a defesa dos Tenharim. Para nada. Em relação ao inquérito, em relação ao isolamento forçado de centenas de brasileiros na Terra Indígena, nada.

Terrinha, porém, ganha amplo espaço. Vejamos:

"Segundo o advogado Carlos Terrinha Almeida de Souza, além da modificação na prisão dos índios, o delegado também pede a prisão de outros 25 índios, acusados de coparticipação nas mortes. A informação não foi confirmada pela Justiça Federal e nem por Alves, que alegou sigilo profissional".

Um triplo assassinato com a participação de 30 indígenas? Sim, sim, claro. Chamem imediatamente o Guiness Book. E toda a imprensa internacional para cobrir a prisão em massa de 30 Tenharim. Francamente. E o jornal amplifica a voz desse senhor - supostamente reproduzindo o que está no inquérito.

A se confirmar as versões apresentadas por Terrinha, a PF segue uma linha idêntica à propagada em forma de boatos, desde dezembro, por aqueles que odeiam os indígenas: um pajé (de outra etnia, vejam bem, pois os Tenharim não têm pajé) disse aos Tenharim que um carro preto tinha atropelado o cacique Ivan.

Diante disso (e 13 dias depois da morte de Ivan), eles pararam um carro preto e mataram, por vingança, os três moradores de Humaitá e Apuí. Com a participação de mais 25 parentes. E a PF teria seguido apenas essa "pista", embora os corpos tenham sido encontrados ao lado da famigerada Rodovia do Estanho - rota de criminosos.

Tomando essa hipótese dos 30 assassinos, por absurdo, como a correta, ainda teríamos centenas de Tenharim inocentes. Mas são todos criminalizados pela população da região - e ignorados pela indignada imprensa brasileira.

Mas, rumo à hipótese contrária, e se Terrinha não estiver, digamos, exatamente correto? Onde estão as outras vozes, mesmo entre aqueles que acusam os indígenas? Será possível que não há um relato mais vertebrado - mais verossímil - para o motivo do triplo assassinato? (Sem pajés de outra etnia e uma visão de um carro preto?)

Será possível que continuarão achando que todo jornalista - e todo indigenista - simplesmente aceitará a versão mais estapafúrdia de plantão?

Ou esse insustentável amortecimento dos brasileiros em relação à violação de direitos indígenas permite que esse inquérito siga assim, tão sigiloso, e essa história, tão nebulosa? Afinal, são só cinco indígenas presos, não é mesmo?

Esse jornalismo policial tão pouco curioso ocorre, repito, em meio a um violento apartheid (perdão pela redundância). E segue ignorando o singelo fato de que nenhum Tenharim confessou o assassinato.

Esse jornalismo leggero também não se dá conta de que os cinco Tenharim estão sendo acusados por "testemunhas". Que testemunhas? Quem? Em que contexto?

A PF e o Ministério Público podem dizer? Ou basta apontar alguns indígenas como culpados (com o beneplácito de nossa imprensa graúda) e está tudo certo?


Amazônia Legal em Foco transcrever artigo na íntegra, tendo alterado o título

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