27 de fevereiro de 2015

Indígenas de Rondônia pedem ao STF: “respeitem nossos direitos à terra tradicional”

Assessoria de Comunicação do Conselho Indigenista Missionário - Cimi



























Se perdermos a nossa terra, onde vamos morar? Nós, índios, não temos o costume de morar embaixo da ponte. Nós moramos em florestas. Este é um grito de socorro. O marco temporal é, praticamente, uma declaração de guerra entre índios e não índios. Se continuar, nós vamos lutar”. Esse foi o principal recado da delegação, com cerca de 40 indígenas de Rondônia e Mato Grosso, que está em Brasília desde o último final de semana, em visita ao Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde desta quinta-feira, acompanhados por representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
 
As últimas decisões da 2ª Turma, que ferem os direitos conquistados pelos povos indígenas e representam um grave retrocesso, foram as principais pautas do documento entregue pelas lideranças para cada um dos dez ministros. No documento, os indígenas explicam os principais pontos de desconformidade com as comunidades, as últimas decisões do STF e as manobras que a bancada ruralista vem conseguindo traçar junto ao Congresso. Além disso, a entrega deste posicionamento representa uma última tentativa de diálogo entre indígenas e não indígenas.
 
As lideranças pedem, também, que o Judiciário compreenda e ouça o que as comunidades indígenas têm a dizer, ou seja, que levem em consideração o que as decisões do próprio órgão e as ações que tramitam no Legislativo podem causar de impacto sobre os povos. “Pedimos que respeitem a Constituição, que façam valer o que diz a Carta Magna e cobrem do Executivo que cumpra o que está na Lei, que impeçam que os parlamentares legislem em causa própria e que o Judiciário anule as decisões da 2ª Turma, por serem arbitrárias”, defendeu Antônio Puruborá que, junto com Hosana Puruborá e Joaton Suruí, levou o recado dos povos indígenas do Brasil aos gabinetes dos ministros.
 
A situação das florestas, o desmatamento, a poluição dos rios por meio de agrotóxicos e as explorações desenfreadas também foram temas abordados durante as visitas. “Vocês discutem a preservação das florestas, mas mudam as leis para os fazendeiros invadirem nossas terras e derrubar as florestas. De que maneira vocês cuidam das florestas?”, questionou Hosana. Ela também lembrou que a ação dos não índios está prejudicando a sobrevivência do homem e de suas futuras gerações e alertou para a situação de falta de água que já é uma realidade na região sudeste do país.
 
“Quem está dando o último grito de socorro são os índios”, afirmou Joaton. Ele também lembrou que os indígenas estão abertos ao diálogo, tentando resolver de forma pacífica e querendo mostrar o lado das comunidades, mas, ao mesmo tempo, não são mais ingênuos. “Nesses anos todos nós também aprendemos com vocês e estamos preparados para uma guerra. O espírito indígena é forte e vai resistir”, concluiu.
 
Participaram do ato lideranças indígenas dos povos Suruí, Cinta Larga, Arara, Puruborá, Wajonô, Karitiana, Guarassungue, Oro Waram, Oro Mon, Oro Nao, Oro Waram Xiyein, Mamaidê, Cujubim, Cassupá e Gavião dos estados de Rondônia e Mato Grosso. Todos os gabinetes receberam o documento, incluindo os ministros da 2ª Turma: Teori Zavaski, Gilmar Mendes, Cármem Lúcia, e Celso de Mello.

O STF golpeará a Constituição Federal e os Povos Indígenas em benefício do ruralismo no Brasil?

Por Cleber Buzatto, secretário Executivo do Cimi



Cacique Getúlio em Brasília. Foto: Folha
Cacique Getúlio Oliveira com um punhado de terra protesta com delegação
 Guarani-Kaiowá em frente ao STF / Foto Arquivo Pedro Ladeira, Folhapress


Recentes decisões da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) restringem, de forma violenta e radical, o alcance do conceito de terra tradicionalmente ocupada pelos povos indígenas consignado no Artigo 231 da Constituição brasileira. Ao decidir o caso da Petição 3388, o Pleno do STF designou a data da promulgação da Constituição como referência para caracterizar a referida tradicionalidade, destacando, porém, que o fato dos indígenas não estarem na posse da respectiva terra devido à ocorrência de “renitente esbulho” por parte de não indígenas seria a garantia de que o direito desses povos sobre suas terras estavam mantidos.

Ao dar provimento ao Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 803.462, relativo à Terra Indígena Limão Verde, do povo Terena, MS, em dezembro de 2014, o ministro Teori Zavaski, seguindo o ministro Gilmar Mendes - intelectual orgânico do ruralismo dentro do Supremo e redator dos acórdãos de outros dois agravos, também da 2ª Turma, que anularam portarias declaratórias de terras dos povos Guarani-Kaiowá, MS, e Canela-Apãniekra, MA -, caracterizou, a nosso ver de maneira reducionista e antiindígena, o conceito de “renitente esbulho”.
 
Para ele, “Renitente esbulho não pode ser confundido com ocupação passada ou com desocupação forçada, ocorrida no passado. Há de haver, para configuração de esbulho, situação de efetivo conflito possessório que, mesmo iniciado no passado, ainda persista até o marco demarcatório temporal atual (vale dizer, a data da promulgação da Constituição de 1988), conflito que se materializa por circunstâncias de fato ou, pelo menos, por uma controvérsia possessória judicializada”. Zavaski fez uso dessa caracterização para negar o direito dos Terena à sua terra tradicional. Leia aqui.
  
Na prática, tal interpretação do Artigo 231 da Constituição reduz o direito dos povos às suas terras tradicionais a duas situações hipotéticas absurdamente limitadas. Ou seja, para terem o direito às suas terras, os indígenas teriam que estar fisicamente sobre elas em 5 de outubro de 1988 ou, na hipótese de não estarem fisicamente sobre as terras, deveriam estar disputando judicialmente ou em “efetivo conflito possessório”  com os fazendeiros na mesma data.

Diante dessa decisão, cumpre-nos perguntar: era a intenção do Constituinte, ao grafar o Artigo 231 na Constituição brasileira, reconhecer, aos povos indígenas, o direito restrito apenas àquelas terras que eles já detinham a posse física na data da promulgação da Constituição ou que estivessem disputando essa posse judicialmente ou por meio do conflito deflagrado, ou seja, em estado de guerra, com os fazendeiros invasores? É óbvio que não.

Estamos diante de uma situação profundamente sensível. Uma eventual confirmação dessa decisão pelo Pleno do STF seria uma sinalização evidente, para os povos indígenas, de que a guerra é um mecanismo, mais do que legítimo, necessário para que mantenham o direito sobre suas terras tradicionais. É esse mesmo o sinal que o STF está disposto a dar para os povos indígenas do Brasil? A mesma decisão seria, concomitantemente, uma sinalização evidente, para os históricos e novos invasores de terras indígenas, que o mecanismo da “desocupação forçada” dos povos é, mais do que legítimo, conveniente e vantajoso para os seus intentos. É esse mesmo o sinal que o STF está disposto a dar aos inimigos dos povos indígenas do Brasil?

Rogamos que os ministros do Supremo usem o bom senso e o senso de justiça como alicerces de suas decisões e revoguem a decisão em questão propalada pela 2ª. Turma. A Suprema Corte do Poder Judiciário brasileiro não pode ser transformada num lavatório das mãos daqueles que as sujaram e sujam com o sangue dos povos e lideranças indígenas de nosso país.
 
Brasília, DF, 26 de fevereiro de 2015
Cleber César Buzatto
Secretário Executivo do Cimi

25 de fevereiro de 2015

Fazendeiros prometem realizar despejo de grupo Kaiowá “com as próprias mãos”

Cimi Regional Mato Grosso do Sul
   



Há exatamente uma semana atrás, o Cimi denunciou a lamentável investida de jagunços
armados contra um jovem Kaiowá nas imediações de Naviraí, município ao sul do Mato Grosso do Sul. Em busca de informações sobre as lideranças da tekoha – lugar onde se é - Kurupi, cerca de 20 homens armados sequestraram um jovem de 17 anos e infringiram contra ele uma longa e aterrorizante sessão de tortura psicológica. Os aspectos deste crime, somados a sistemática onda de violência acometida contra os povos indígenas, revelam a continuidade da formação de milícias anti-indígenas por parte dos ruralistas no estado.
Apesar das constantes denúncias da comunidade de Kurupi, que chegou a protocolar formalmente ocorrência na Polícia Civil, Polícia Federal e Ministério Público Federal, os ataques continuam sem que os indígenas possam contar com nenhum tipo de proteção.
Ontem à noite, por volta das 20 horas, uma liderança de Kurupi ligou para um missionário do Cimi para pedir ajuda e narrar outro fato lamentável de covardia e violência contra sua comunidade. Segundo o relato, um indígena voltava para a comunidade indígena caminhando ao longo da BR-163 quando um fazendeiro conhecido da região, sujeito o qual os indígenas atribuem vários dos ataques sofridos desde o ano passado, o abordou de dentro de sua caminhonete, estacionando-a rente ao indígena e dizendo claramente que “as horas dos indígenas estavam contadas”.
O fazendeiro prosseguiu com as ameaças afirmando que, uma vez que a Justiça não cumpriu com seu papel (referiu-se a um pedido de reintegração de posse indeferido pela Justiça), os fazendeiros tratariam de realizar o despejo dos indígenas “com as próprias mãos”. Continuou dizendo que o ataque seria realizado à noite. Sorria e afirmava que seria “nesta noite ou em noite próxima” e que “uma vez que os indígenas não tenham entendido o último recado” (referindo-se ao atentado contra o jovem na semana passada), a solução seria “enterrar todos os indígenas definitivamente na terra que tanto querem”.
O fazendeiro afirmou ao Kaiowá que não agirá sozinho e que trará consigo muitos “contribuintes” para executar a ação. Após a partida do agressor, o indígena correu pela BR até estar seguro dentro de seu tekoha. Minutos depois, um espectro de terror e apreensão recaiu sobre as famílias indígenas de Kurupi. Ao cair da noite, caminhonetes com os faróis apagados começaram a passar em frente ao tekoha mostrando objetos para os indígenas, que os mesmos presumem se tratar de armas. As caminhonetes pararam em frente ao Kurupi e lá permaneceram por mais de uma hora em caráter de vigília e cerco fechado. Depois partiram, deram a volta, voltaram a passar em frente ao Kurupi e então se aglomeraram com mais alguns veículos a poucos metros do tekoha. Terror psicológico. Ameaça declarada.
Enquanto isso, os indígenas puderam escutar o barulho de veículos rondando a parte de trás da área por eles ocupada. Os barulhos vinham Justamente do local em que no dia 22 de outubro de 2014 uma caminhonete irrompeu a comunidade, a partir da mata, e tentou sequestrar um indígena cadeirante da comunidade.
Até o último contato estabelecido com a liderança de Kurupi, os indígenas afirmavam categoricamente que os carros continuavam lá e que os barulhos advindos da mata aumentavam. “Estamos aqui lembrando do sequestro do Ivo (cadeirante), das expulsões que sofremos, das mortes de dos parentes, escutamos os barulhos dos carros. Por favor, avise a polícia. Tente nos ajudar porque não temos mais ninguém.  Sabemos do que eles são capazes, isso já sentimos na pele. Resistiremos como podemos, mas eles são muitos, que deus nos ajude”.                       
Diante do exposto, o Cimi volta a denunciar as investidas abertas e criminosas de fazendeiros e jagunços na região de Naviraí. É inaceitável o silêncio das autoridades frente às inúmeras denúncias realizadas por este grupo Kaiowá, que luta pelo direito constitucional de ocupação de seu território tradicional, o que para eles significa uma última chance de viver com a mínima dignidade. A violência na região se faz presente e mora literalmente ao lado dos indígenas, em especial é vizinha à comunidade de Kurupi. Novamente alertamos: caso providências não sejam tomadas, o desfecho para esta situação será novamente uma tragédia há muito anunciada, simbolizada em um pedido de socorro calado pela força bruta dos ruralistas e pela inércia dos responsáveis por assegurar ao povo Kaiowá seu direito constitucional mais sagrado, o acesso à terra de ocupação tradicional.
A terra indígena em questão já foi definida, através dos estudos de identificação realizados pela FUNAI, como sendo de ocupação tradicional. É pequena e já se encontra muito degradada pela exploração ilegal dos próprios fazendeiros. Mas ainda assim este espacinho se constitui como um grande sonho e símbolo de esperança e de futuro para estes indígenas. Apesar de todo sofrimento e angústia, os Kaiowá ainda acreditam que um dia poderão criar seus filhos e filhas longe da beira das estradas. Mas, se perguntam sem poder responder a si mesmos como e até quando eles viverão submetidos a esta condição de exilados de suas próprias terras. 

Desarquivada PEC que dá ao Congresso decisão sobre terras indígenas






Ler matéria Rede Brasil Atual/Adital AQUI!

23 de fevereiro de 2015

Arquivos da Pastoral da Terra estão disponíveis na Internet

Sepultamento de Juracy Santana, morto no Sul da Bahia por
supostos índios


A Tarde

A pasta sobre a Bahia contém 251 itens sobre os mais diversos ângulos da luta pela terra. Está registrado lá os primórdios do conflito envolvendo índios e fazendeiros no sul da Bahia.
Uma matéria do jornal O Estado de São Paulo, de 1979,  informa que "vários latifundiários da região há anos vem tentando se apossar das terras dos índios Tupiniquins que se aproxima de 50 mil hectares".  A "tática" dos latifundiários para esse processo seria promover o extermínio dos índios fomentando vícios, subornando os nativos ou simplesmente mandando matar "os mais revoltados". LEIA ORIGINAL  e veja como acessar documento AQUI!

 

O grito da Selva ao Planalto: povos indígenas de Rondônia estão em Brasília

"Reverberando o movimento indígena, os Kayapó, em audiência com o presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disseram que caso os parlamentares insistissem na aprovação da PEC 2015, semanalmente povos de todo o Brasil se fariam presentes em Brasília para protestar e dizer não ao projeto."      

Nesta semana, os povos Suruí, Cinta Larga, Arara, Puruburá, Wajonô, Karitiana, Guarassungue, Oro Waram Xijein, Oro Mon e Oro Waram farão ouvir o seu grito contra a PEC 215 e todas as iniciativas anti-indígenas tramitando no Congresso, no Executivo e no Judiciário. São os povos indígenas de Rondônia mobilizados. Os problemas e desafios contra os quais estão lutando são múltiplos. Porém, a “questão que envolve tudo é a terra, a demarcação e proteção”, afirma Agenor Karitiana.

Durante essa semana terão audiências e contatos com diversos órgãos e instituições dos Três Poderes. Conforme Agenor Karitiana “já lutamos muito. Enfrentamos inimigos perigosos.  Fomos aos poucos construindo nosso movimento e organização. Vimos que o inimigo nosso está muitas vezes dentro do governo. Os que deviam proteger nossos direitos são os que tentam impedir a demarcação de nossas terras”.

Para o indígena, a postura do governo federal faz o jogo do fazendeiro. “Hoje temos novas lutas contra as PECs, contra os projetos de REDD, captura de carbono, que vem ameaçando o território Suruí, provocando conflitos internos. Mas nós vamos falar duro na defesa dos nossos direitos e denunciar o que ameaça nossos povos”, afirma.

Agenor luta pelos direitos de seu povo e dos povos indígenas desde o período da Constituinte, na década de 1980, e ressalta a importância desse momento e a grande participação dos jovens e das mulheres. “Olha aí, esse é meu filho e aquele é filho de Eva Kanoé e Piau, lá de Sagarana”. E avisa: “No início de abril vamos fazer uma grande Assembleia dos povos indígenas de Rondônia. Vamos fazer ouvir o nosso grito e cobrar do governo nossos direitos”.

Terra, o problema número um

Dentre os principais problemas, ressaltam os indígenas a paralisação do processo de demarcação das terras dos povos Cujubim, Miguelem, Wajoro, Puruburá, Cassupá, Kaririana, Kaxarari, além da extrusão da Terra Indígena Rio Negro Ocaia.

É grave a situação de invasão dos territórios indígenas em Rondônia, por madeireiros, empreendimentos do governo federal, incluindo pequenas centrais hidrelétricas.

Outro grande problema que enfrentam os “povos resistentes” (aqueles que saem do silêncio imposto pela colonização) de Rondônia é a morosidade no reconhecimento étnico, caso dos povos Guarasugwe e Chiquitano, além da documentação dos povos Cujubim, Miguelem, Warojo, Puruburá e Cassupá. Eles vêm cobrar do governo, por intermédio do Ministério da Justiça e Funai, agilidade nesses processos e a garantia dos direitos coletivos, especialmente à terra, mas também saúde e educação, entre outros.

Vítimas da borracha, dos garimpos, dos madeireiros e da colonização
A partir da década de 1960 e principalmente de 1970, houve a invasão massiva e sistemática dos territórios indígenas em Rondônia por projetos de colonização, pela expansão da frente agropecuária e garimpeira. O grande estímulo a essas invasões se deu a partir da construção da BR 364, que cortou as terras de vários povos e forçou a rápida e irresponsável “pacificação” de vários povos. Basta lembrar a terrível chacina dos Cinta Larga, do Paralelo 11, a mortandade dos Pacaás Novos – Oro Wari, da região de Guajará a Mirim.

Um relato da época menciona que no início da década de 60 o contato precipitado com os Pakaa Nova – Oro Wari fez com que o povo fosse reduzido de 3 mil para menos de 500 indivíduos (Folha do Acre 17/07/1963). “Confirmando reportagens por nós divulgadas, a fome, a doença e aventureiros inescrupulosos estão dizimando os índios Pacaás Novos, que habitam as selvas de Rondônia. De um grupo de 400 selvícolas restam apenas 91, em estado precário. Essas foram informações prestadas à imprensa pele Dr. Noel Nutels" (Alto Madeira, Porto Velho, 16-03-1962).

Poderíamos elencar inúmeros casos de violência e extermínio dos povos indígenas de Rondônia. Mas eles sobreviveram a todas as formas de violência, e hoje estão em Brasília, trazendo seu grito da selva e do massacre aos responsáveis pelo Estado brasileiro.

Em RR, avião com indígenas grávidas cai após decolar e deixa uma ferida

Monomotor seguia da Comunidade Indígena do Caju para Boa Vista. Quatro pessoas estavam no aeronave; 2 grávidas, acompanhante e o piloto.
Avião caiu na comunidade do caju neste domingo (Foto: Arquivo pessoal/ Marilia Caju)
Avião caiu na Comunidade do Caju neste domingo
(Foto: Arquivo pessoal/ Marília Pereira)



Um avião monomotor que presta serviço para a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) caiu na tarde deste domingo (22) na Comunidade Indígena do Caju, no município de Uiramutã, região Norte de Roraima, a 460 quilômteros de Boa Vista. Quatro pessoas estavam na aeronave, sendo duas indígenas grávidas, uma acompanhante e o piloto. Conforme informações, uma das grávidas ficou ferida.
De acordo com uma testemunha que presenciou o acidente, a professora Marília Pereira, moradora da comunidade, o monomotor decolou, mas não teve 'força' para permanecer no ar. Ainda não se sabe as causas do acidente. "Assim que levantou voo, o avião caiu na pista de decolagem. O marido de uma das grávidas quebrou a porta da aeronave e regastou todo mundo", contou.
Grávidas aguardaram outro avião para buscá-las e levá-las a Boa Vista (Foto: Arquivo pessoal/ Marilia Pereira)
Grávidas aguardaram outro avião para buscá-las
(Foto: Arquivo pessoal/ Marilia Pereira)

A professora informou que passageiros e o piloto estão em um Posto de Saúde da região aguardando outro avião ir buscá-los e trazê-los para Boa Vista.
"Uma outra aeronave vem prestar ajuda. Mas estão todos bem aparentemente. Foi um susto. Uma das grávidas ficou machucada, porém nada grave. Elas são da etnia Macuxi e Ingarikó. As duas estavam indo para a capital para fazer o exame de pré-natal", citou Marília, acrescentando que 60 indígenas vivem na Comunidade do Caju.
O G1 entrou em contato com a Sesai para se pronunciar sobre o acidente aéreo, mas não obteve êxito.



Frente Ambientalista se reúne para definir estratégia em defesa dos indígenas

Imagem _ Cimi

 
 A Frente Parlamentar Ambientalista da Câmara dos Deputados discute na quarta-feira (25) estratégias para impedir a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00, que transfere do Poder Executivo para o Congresso Nacional a prerrogativa de criar e modificar limites de terras indígenas, de quilombolas e áreas de proteção ambiental.

Para debater o tema e alinhar ações em defesa do meio ambiente e dos povos indígenas, a frente parlamentar convidou representantes de ONGs, organizações indígenas, indigenistas e quilombolas para um café da manhã, que ocorrerá a partir das 8h30, no restaurante Senac da Câmara (anexo 4, 10º andar).
O novo Código da Mineração (PL 5807/13), que inclui a proposta de abrir até 10% das áreas protegidas para a prospecção e extração de minérios, também está na pauta.

Íntegra da proposta:


19 de fevereiro de 2015

Milícia anti-indígena sequestra e tortura jovem Kaiowá em Naviraí (MS)

 Matias Rempel - Cimi Regional Mato Grosso do Sul


Segundo denúncia realizada junto ao Ministério Público Federal (MPF), na manhã do último dia 7, um jovem Kaiowá de 17 anos foi sequestrado por um grupo armado, nas imediações de Naviraí (MS), e submetido a sessões de tortura – espancamentos e pressão psicológica. O indígena vive em acampamentos que compõem a Terra Indígena Santiago Kue, localizados às margens da BR-163, trecho que liga as cidades de Juti e Naviraí.   
Tal contexto reforça a existência de milícias armadas com intuito de atacar comunidades indígenas e suas lideranças. Não é a primeira vez que tais indícios reforçam algo que já não é mais uma tese, mas possui elementos concretos. A finalidade desses bandos criminosos é a de impedir os indígenas de terem acesso a seus territórios tradicionais, sobretudo aqueles já demarcados ou identificados pela Funai.
Segundo o relato que acompanha a denúncia, o relógio marcava 11 horas da manhã quando o jovem Kaiowá voltava da cidade de Naviraí, caminhando ao longo da BR-163, após a jornada cotidiana de trabalho. Quando passava pelo trecho que fica em frente à fazenda conhecida na região como “Central”, próxima ao posto da Polícia Rodoviária Federal, foi abordado violentamente por um grupo armado constituído de aproximadamente 20 homens, que estavam em um comboio composto por duas caminhonetes Hilux, uma preta e uma branca, quatro carros populares e mais duas motos.
Com os veículos, rapidamente os jagunços cercaram o jovem, que ficou sem nenhum poder de reação ou possibilidade de fuga. Os jagunços lhe mostraram as armas, que portavam na cintura. O jovem então foi levado por cerca de 01 Km para dentro das terras pertencentes à fazenda Central. Atrás de uma pequena picada de mato, com acesso a uma barragem, o grupo estacionou. Os jagunços fotografaram o rosto do indígena e passaram a lhe indagar a respeito do nome e aparência das lideranças da aldeia Kurupi.
Sob terror e tensão, o jovem Kaiowá apenas afirmava que não pertencia a referida comunidade. Era o que conseguia dizer. Os jagunços então passaram a espancá-lo e apontaram contra ele o cano das armas, mandando por mais de uma vez que se ajoelhasse para ser executado. De tempo em tempo, apontavam para a barragem dizendo ao indígena que o atariam às pedras e assistiriam a seu afogamento. A violência era para o Kaiowá “cooperasse”. O martírio durou mais de seis horas. Após muitas outras juras de morte, incluindo as lideranças Kaiowá da região, o jovem foi deixado no local. O bando criminoso evadiu-se.
Jagunços monitoram e atacam
O histórico de violência contra as aldeias do entorno de Naviraí evidencia que o atentado não foi por acaso, e nem se tratou de uma ação isolada. Pelo contrário, é infelizmente uma ação padrão de jagunços contratados pelos fazendeiros da região. Tudo indica que existe de fato um grupo que há tempos está constituído como uma milícia armada e que tem rondado a região para impedir o avanço dos indígenas na retomada de seu território tradicional.
Segundo narram indígenas que pedem para não serem identificados, os jagunços têm realizado um forte cerco intencional sobre as comunidades. Observam em piquetes na estrada, sobretudo próximo ao posto da Polícia Rodoviária Federal, a movimentação em toda a região. Do monitoramento resultam tais ações criminosas. Os indígenas afirmam que os jagunços sondam cotidianamente todos os integrantes da aldeia e dos acampamentos que ficam no entorno da fazenda Central. Monitoram e investem contra os indígenas.
A comunidade de Kurupi há tempos vem denunciando, sem efeito, os atentados sofridos. Em outubro do ano passado, houve a tentativa de sequestro de um indígena cadeirante por parte dos jagunços. Leia mais aqui
A região apresenta diversos casos de ataques e inclusive torturas realizadas contra indivíduos e comunidades indígenas. Os Kaiowá denunciaram estes fatos e ao mesmo tempo solicitaram que as autoridades solicitassem a força policial para fazer ronda no local. O intuito é garantir um pouco de segurança para as comunidades. Nada foi feito até o momento.
Em outubro do ano passado, o Cimi denunciou uma onda de ameaças advindas de fazendeiros da região com o intuito claro de desmobilizar a luta dos indígenas pela reconquista de seu território tradicional – áreas de onde os indígenas foram sistematicamente expulsos por estes mesmos fazendeiros e familiares no passado. Leia mais aqui.
Sem leilões, mas com milícias:
Em meados de 2013, começou a circular de forma aberta e pública a informação sobre a realização dos “Leilões da Resistência”, organizado por fazendeiros e sindicatos rurais do Estado do Mato Grosso do Sul. Os organizadores anunciavam orgulhosos que os fundos arrecadados com a venda de gado seriam utilizados para a contratação de segurança privada e compra de armamentos. A Justiça entendeu o leilão como uma forma de injetar recursos em formação de milícia.
A revoltante iniciativa gerou uma onda de denúncias e de grande mobilização por parte do movimento indígena e de seus apoiadores. Por decisão judicial, a realização do leilão foi impedida. A despeito da decisão, os fazendeiros o realizaram. Todavia, a decisão foi a de que o montante arrecadado, cerca de 1 milhão de reais, fosse depositado em juízo e com a utilização vinculada a aprovação das comunidades indígenas.  
Pode-se dizer que esta fundamental medida conseguiu brecar a face pública da formação das milícias anti-indígenas, porém trata-se de um ledo engano acreditar que a Justiça conseguiu impedir que na prática, no submundo das ações criminosas, os fazendeiros e ruralistas, dotados de grandes poder econômico, oriundos, sobretudo, da exploração ilegal das terras indígenas, continuem com a arregimentação de jagunços para consolidar a expulsão dos povos originários dos seus territórios tradicionais por meio da força. Chamam a isso de segurança privada.    
O caso ocorrido em Santiago Kue é uma boa demonstração de que as milícias continuam sendo formadas e patrocinadas pelos senhores do agronegócio. Conforme apuração da Procuradoria Geral da República (PGR) de Ponta Porã, o assassinato de Nísio Gomes Guarani Kaiowá se deu sob tais circunstâncias. Sob a roupagem de seguranças privados, os fazendeiros continuam organizados. Soma-se a isso a política do governo federal de paralisação das terras indígenas e a intenção da mudança do procedimento de demarcação. Dessa forma, sentem-se os inimigos dos povos indígenas livres para praticar verdadeiros absurdos contra a vida, o bom senso, a Justiça, a democracia e o Estado Democrático de Direito.
Como tudo indica, nas bordas de Naviraí, uma destas milícias armadas domina geograficamente a região habitada secularmente pelo povo Kaiowá, e de onde estes jamais sairão. Praticam abertamente o terror impedindo os indígenas até mesmo de exercerem o direito de ir e vir. Fazem isso a todo momento, inclusive em plena luz do dia. Estão impunes. Espera-se que com mais este episódio de violência, que por sorte não acabou com mais um assassinato entre tantos contabilizados junto aos povos indígenas, medidas sejam efetivamente tomadas com intuito de livrar da morte aqueles que só buscam a vida e a sobrevivência física e cultural de seus filhos e filhas.

ARTIGO: Funções, desafios e perspectivas dos acadêmicos e antropólogos indígenas no Brasil







Foto _ Arquivo Pessoal/compartilhada
 "Um indígena formado em Antropologia é antropólogo-pesquisador e ao mesmo tempo é membro permanente de um povo indígena, que pode ser participante da rede de movimento e articulação política regional e nacional dos povos indígenas". (Tonico Benites)








Por Dr.Tonico Benites Ava Vera Arandu Guarani Kaiowa*
Artigo publicado pela Revista NOVOSDEBATES. ABANT.ORG.BR 

A partir de minha posição de antropólogo indígena – uma conjunção de posições certamente nova para a antropologia brasileira –, gostaria de apresentar algumas reflexões sobre as funções e desafios dos antropólogos indígenas ou indígenas formados em Antropologia frente às mobilizações interétnicas e reivindicações diversas dos povos indígenas exigidas aos sistemas do Estado brasileiro.
As ideias desenvolvidas aqui foram inicialmente apresentadas durante a mesa-redonda “Os Antropólogos Indígenas: Desafios e Perspectivas”, durante a 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, onde abordei o tema das funções de antropólogo indígena no contexto contemporâneo de disputa e conflito pela posse das terras entre os povos indígenas e os fazendeiros.
Nesse sentido, é preciso dizer que estes últimos não apenas veem os estudos antropológicos de modo negativo e como sendo inúteis, mas também se constituem numa classe que passou a ameaçar e intimidar o antropólogo por realizar o estudo de identificação e demarcação das terras indígenas Guarani e Kaiowa no Estado de Mato Grosso do Sul.
Em primeiro lugar, apresento-me nos debates e em meus artigos como o antropólogo e indígena pertencente aos povos Guarani e Kaiowa, localizados no atual sul de Mato Grosso do Sul.
Gostaria de destacar que para me formar no curso de Antropologia pesquisei os meus povos Guarani e Kaiowá. No momento atual, já como antropólogo, continuo pesquisando as demandas dos povos Guarani e Kaiowá, que possuem uma trajetória específica, uma luta e resistência histórica diante da política de dominação e territorialização, promovido pelo Estado brasileiro ao longo do século XX.
Para desenvolver uma breve análise sobre algumas funções dos antropólogos indígenas no contexto atual, é preciso mencionar que um indígena formado em Antropologia é antropólogo-pesquisador e ao mesmo tempo é membro permanente de um povo indígena, que pode ser participante da rede de movimento e articulação política regional e nacional dos povos indígenas.
No contexto histórico contemporâneo, os indígenas após estudarem, pesquisarem e se formarem em Antropologia não podem se desvincular tanto de seu povo pesquisado quanto de estudos antropológicos e do grupo de pesquisadores da área de Antropologia.
Observo que alguns indígenas já formados e estudantes em Antropologia passam a assumir a função de relator e porta voz de seu povo; tradutores das reivindicações e dos projetos dos povos indígenas que são enviados aos órgãos do Estado e às organizações das sociedades nacionais e internacionais. Além disso, um antropólogo indígena já começa a assumir a função de consultor, perito e tradutor do governo e justiça federal.
Em diversos espaços dos órgãos públicos, nas ocasiões das reuniões e assembleias intercomunitárias e interétnicas, em geral, os antropólogos e estudantes indígenas foram e são acionados para explicitar e traduzir algumas políticas públicas e programas sociais dos sistemas do Estado brasileiro para os povos indígenas.
Dessa forma, o indígena formado em Antropologia começa a conviver e circular nos dois sistemas socioculturais, políticos e conhecimentos complexos e distintos. Assim os antropólogos indígenas passam a traduzir as políticas do governo aos povos indígenas, isto é, esses estudantes indígenas tentam traduzir tanto para os povos indígenas quanto para os agentes do Estado brasileiro.
Importa ressaltar que recentemente, em virtude de disputa e conflito fundiário histórico surge a tentativa de conciliação e diálogo interétnicos entre as lideranças dos povos indígenas e os fazendeiros, promovido pelo governo e justiça federal, ocasião na qual o antropólogo indígena é demandado para cumprir essa difícil e complexa tradução. Entendo que este trabalho de antropólogo indígena está sendo em parte fundamental tanto para os povos indígenas quanto para as partes envolvidas nas resoluções do litígio fundiário no Brasil.
Outro tema fundamental para este debate, é também a imagem distorcida do “índio” genérico nos livros didáticos e na mídia. Na qualidade de pedagogo indígena experiente, destaquei que ao longo de minha trajetória estudantil deparei-me com os modos de vidas e as imagens incongruentes dos “índios” estereotipados e homogêneos nos livros didáticos, utilizados nos sistemas da educação brasileira.
Esses assuntos deveriam ser rediscutidos amplamente pelos sistemas da educação. As imagens negativas dos “índios” nos livros e na mídia geraram-me sempre uma confusão e indignação, desde minha infância, pois as formas de apresentar os povos indígenas estereotipados não condizem com as histórias relatadas pelos indígenas e a realidade das diversidades dos povos indígenas no Brasil.
Por isso, frente aos fatos relatados aqui, a minha posição e luta como indígena e antropólogo são para descontruir e descolonizar esses “índios” idealizados e homogêneos nos livros didáticos e na mídia. Somente assim a nova geração do povo brasileiro terá outra educação e outros conhecimentos verídicos sobre as histórias e situações contemporâneos dos povos indígenas no Brasil.
Como já dito, no século XX, os agentes dos sistemas da educação brasileira descreveram e apresentaram os povos indígenas de formas homogêneos e estereotipados nos livros didáticos. Essas formas de apresentar os “índios” através das escolas brasileiras são extremamente prejudiciais tanto à nova geração brasileira quanto aos povos indígenas gerando e aumentando preconceito, racismo e ódio contra os indígenas que perdura até os dias de hoje.
Destaco que diante desse fato histórico, hoje, um dos desafios dos indígenas formados em Antropologia é a desconstrução ou descolonização dessas imagens preconceituosas e os modos de vidas negativas dos povos indígenas cristalizadas historicamente na educação brasileira. Esses trabalhos árduos de desconstrução de “índios” dos livros didáticos e da grande mídia dominante desafia o antropólogo indígena e antropólogos não indígenas no contexto atual.
Reconheço que, de fato, um grupo de antropólogos e antropólogas não indígenas brasileiros se empenharam nos últimos 30 anos para organizar Seminários, Congressos e Simpósios acadêmicos a fim de debater as situações atuais dos povos indígenas no Brasil, envolvendo os líderes indígenas nesses debates. Essas atividades de antropólogos e antropólogas foram e são muito fundamentais tanto para os povos indígenas como para estudantes indígenas.

Destaco ainda algumas de minhas novas experiências, vividas no atual Estado de Mato Grosso do Sul. Para analisar a minha atuação como antropólogo indígena, mencionei o contexto da história de luta e resistência de meus povos Guarani e Kaiowa pelo reconhecimento e demarcação de suas terras tradicionais tekoha.
Cito que em meados de 1970 e no início de 1980, diante da resistência e da luta reiterada dos povos indígenas Guarani e Kaiowa para permanecer nas suas terras tradicionais, o órgão indigenista do governo começou a envolver o antropólogo não indígena na realização de estudos antropológicos sobre as comunidades indígenas e suas terras tradicionais demandadas.
Dessa forma, em meados de 1970, os antropólogos não indígenas passaram a descrever as histórias, os relatos, as reivindicações das terras e, sobretudo as concepções vitais dos povos indígenas Guarani e Kaiowa, demonstrando as terras tradicionais específicas ocupadas e demandadas pelos povos indígenas. Assim, as narrações dos indígenas são sistematizadas pelos antropólogos, dando atenção merecida para os relatos e, sobretudo a memória do povo Guarani e Kaiowa.
Esses relatos indígenas constantes nos relatórios antropológicos contestaram as versões, as argumentações e os documentos oficiais dos fazendeiros expedidos pelos órgãos do governo. Visto que os povos Guarani e Kaiowa resistentes e reivindicantes de reconhecimento de suas terras tradicionais eram classificados ou acusados tanto pelos fazendeiros quanto pelos órgãos do Estado como os índios criminosos, desobedientes e invasores das propriedades particulares.
Naquele contexto histórico, o antropólogo ou estudo antropológico aprovou de forma oficial que as comunidades indígenas Guarani e Kaiowa eram habitantes ou moradores originais das terras reivindicadas e pertenceram ao lugar específico desde muito século, por essa razão o antropólogo determinou a delimitação da extensão da área ocupada pelos indígenas reivindicantes. Desse modo, pela primeira vez, em meados de 1980, a Antropologia, os antropólogos e estudos antropológicos foram destacados oficialmente entre os povos indígenas Guarani e Kaiowa e fazendeiros.
Importa destacar que aos longos das décadas de 1980 e 1990, no atual Estado de Mato Grosso do Sul, os estudos antropológicos foram acionados pelo órgão indigenista Fundação Nacional do Índio (FUNAI) no contexto de expulsão dos indígenas de suas terras e, sobretudo no seio da disputa conflituosa pela posse das terras entre os indígenas e os fazendeiros. Em decorrência desses estudos antropológicos realizados, o antropólogo é visto como incitador de invasão das fazendas ou propriedades particulares. O antropólogo é entendido como um opositor dos fazendeiros. Recentemente, certo antropólogo, durante a realização de pesquisa de campo, passou a sofrer a ameaça de morte e intimidação pelos fazendeiros.
Por conta dessa luta histórica pela demarcação das terras indígenas, emergiu uma “mesa de diálogo” promovida pelo governo federal, na qual o antropólogo indígena começa a atuar como tradutor no ciclo de discussões acirradas sobre os conflitos fundiários. Entendo que essa tentativa de diálogo entre as lideranças dos povos indígenas e os fazendeiros é um desafio para tradução e atuação dos antropólogos indígenas, visto que se está lidando com um conflito que não se dá primordialmente no interior das comunidades indígenas, mas sim entre povos indígenas e os fazendeiros pela posse das terras, mediados pelos agentes do Estado-Nacional brasileiro.
Observo que os estudantes e lideranças indígenas, sobretudo os Guarani e os Kaiowá do Mato Grosso do Sul, consideram os antropólogos indígenas como muito importantes, por fortalecerem as demandas e a luta antiga pela demarcação de terras e por ajudar a cobrar a efetivação dos direitos indígenas. A importância depositada nos antropólogos indígenas se dá, sobretudo, pelo fato de ser o próprio antropólogo indígena capaz de narrar a sua história, a sua luta e compreender as relações no mundo contemporâneo em que vive.
Dessa maneira, os antropólogos indígenas estão sendo vistos pelos membros indígenas como um pesquisador indígena e atualizado. Ao mesmo tempo, o antropólogo indígena é visto como um indicador de possíveis soluções para problemas atuais; colocado, assim, em uma posição de muita responsabilidade, e por isso mesmo a pesquisa e atuação do antropólogo indígena está sendo constantemente monitorada e analisada tanto pelos indígenas quanto pelos não indígenas.
Por exemplo, a minha atuação como antropólogo, pesquisador e indígena Guarani Kaiowa está sendo sempre observada e analisada tanto pelos próprios representantes indígenas como pelos não indígenas, estejam eles ligados ao Estado, à academia ou aos fazendeiros.
É relevante considerar que sou requisitado, em várias ocasiões e espaços, para discutir sobre as questões indígenas (demarcação de terras indígenas e as políticas públicas voltadas para os indígenas em geral). Dessa forma, estou passando por uma experiência múltipla e desafiadora, uma vez que consigo debater e perceber, ao frequentar esses diversos espaços, das inúmeras opiniões, propostas e soluções pensadas acerca da situação indígena do Mato Grosso do Sul. Minha participação nesses espaços me permite entender as diferentes “soluções” pensadas para os povos indígenas em suas terras.
Enfim, sendo minha pesquisa participativa e implicada, posso compreender melhor o modo de ser, agir e pensar dos operadores de direito, dos pesquisadores de universidades, dos agentes indigenistas do Estado e de fora dele (ONGs), do governo e poder judiciário brasileiro.
O curso de mestrado e de doutorado em Antropologia Social proporcionou-me uma sólida base para compreender e respeitar as pessoas distintas e suas opiniões sobre os povos indígenas no Brasil.
Os cursos e o trabalho acadêmico foram vividos como um estágio muito árduo, mas também muito significativo para minha formação pessoal e acadêmica. Com base nas experiências adquiridas no curso de Antropologia e durante as pesquisas de campo, posso dizer que a área de Antropologia, quando feita com seriedade, torna-se fundamental para entender de forma aprofundada as concepções, os interesses e as necessidades reais das famílias e dos povos indígenas abordados, levando sempre em consideração a sua história e o seu modo de viver e de ser múltiplo.
Como já dito, desde 1990 até os dias de hoje, na condição de estudante indígena e porta voz do povo Guarani e Kaiowa participei ativamente de diversos eventos locais, regionais e nacionais. Hoje, como antropólogo indígena, quero mencionar minha participação nos congressos, seminários e encontros nos quais pude proferir muitas palestras e denunciar questões graves, abordando temas complexos e polêmicos relacionados à questão da recuperação das terras indígenas, da educação escolar indígena, da saúde indígena, entre outros temas de importância para os Guarani e os Kaiowá.
Em meio a esses eventos e assembleias indígenas importantes, elaborei, muitas vezes a pedido das lideranças indígenas, documentos diversos escritos em português, nos quais constavam as decisões e as reivindicações das lideranças. Em face dos problemas aflitivos que atingiam os Guarani e Kaiowá em geral, escrevi muitas petições e abaixo-assinados indicando as soluções possíveis do ponto de vista que as lideranças indígenas me expunham. Esses documentos foram enviados a múltiplas autoridades (executivo, judiciário e legislativo) assim como para as universidades e os pesquisadores de diferentes áreas.
Por fim, como indígena formado em Pedagogia e Antropologia, sinto-me desafiado a buscar e indicar as possíveis soluções às demandas dos povos indígenas. Assim, assumo uma grande responsabilidade, uma vez que uma das minhas funções é a de transcrever e traduzir em documentos escritos os pensamentos, reivindicações e decisões transmitidas de forma oral pelas lideranças indígenas dos povos indígenas. A minha grande esperança é de que as reivindicações escritas dos povos indígenas sejam compreendidas e atendidas pelos sistemas do Estado brasileiro. Na condição de antropólogo, pesquisador e indígena, entendo que essas experiências narradas foram úteis e ao mesmo tempo são desafios tanto para minha vida pessoal quanto para minha atuação de antropólogo indígena no Brasil.



* Tonico Benites é porta voz da Aty Guasu e Doutor e Pós-doutorando em Antropologia Social _ UFRJ/Museu Nacional

17 de fevereiro de 2015

Caso Tenharim - Índios suspeitos de matar não indígenas saem da prisão e estão sob custódia da Funai


                           Foto Arquivo _AE



Estadão Conteúdo / portal@d24am.com

Os cinco índios da etnia tenharim, acusados do sequestro e morte de três homens brancos na Rodovia Transamazônica, em Humaitá (AM), no fim de 2013, saíram da prisão e estão sob a custódia da Fundação Nacional do Índio (Funai). Conforme informou neste domingo (15) o advogado das famílias das vítimas, Carlos Evaldo Terrinha de Souza, os indígenas foram levados para uma base da Frente Etno Ambiental da Funai no município de Lábrea, sul do Amazonas. A base fica no interior da terra indígena Hi-Merimã, em local isolado, sem acesso por terra.

O advogado vê risco de fuga dos acusados que, até então, estavam presos na cadeia de Lábrea. A transferência foi autorizada pelo juiz Jéferson Galvão de Melo, da 2ª Vara de Humaitá, com base no Estatuto do Índio, editado em 1973. O juiz entendeu que a cadeia de Lábrea não oferecia condições de segurança para os índios. Advogados do Conselho Missionário Indigenista (Cimi) haviam pedido a libertação dos réus para que aguardassem o julgamento em liberdade, mas o juiz considerou temerária a soltura, já que existe um clima de revanche contra os acusados na região.

Os indígenas Gilvan Tenharim, Gilson Tenharim, Domiceno Tenharim Valdinar Tenharim e Simeão Tenharim foram denunciados pelo sequestro, homicídio e ocultação de cadáver de Stef Pinheiro, Luciano Freire e Aldeney Salvador. Os três moradores da região desapareceram no dia 16 de dezembro de 2013 na Rodovia Transamazônica, quando passavam pela terra indígena Tenharim-Marmelos, em Humaitá. Os corpos foram encontrados 40 dias depois, enterrados próximo da aldeia. O crime gerou uma onda de revolta contra a população indígena - bases e barcos da Funai foram incendiados em Humaitá.

O julgamento dos índios pode acontecer este ano, mas o júri deve ser transferido para Manaus, em razão do clima tenso na região. De acordo com o advogado, familiares ficaram descontentes com a decisão da justiça de colocar os réus sob custódia da Funai, o que, para eles, equivale à soltura. "O caso deve ser analisado à luz do Código Penal e não do Estatuto do Índio. Essa transferência equivale a uma rota de fuga", disse. A Justiça de Humaitá informou que a decisão foi técnica e tomada em conjunto com o Ministério Público Estadual. A Funai informou que, por medida de segurança, tem por norma não se manifestar sobre a transferência e a custódia dos índios.


NOTA: Este Blog alterou o título  por considerar que a palavra ACUSADO (A) deve ser usada quando confirmada por sentença judicial definitiva (julgamento). Ver matéria original AQUI!

 

15 de fevereiro de 2015

Governo desiste de usinas na Amazônia

 "No plano decenal deste ano, restou apenas uma  na lista, a hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, no Rio Tapajós. Sem licença ambiental, a usina ficou de fora do leilão de abril". (Estado de S. Paulo)

O perfil das usinas cadastradas para o próximo leilão de energia, marcado para 30 de abril, reflete a crescente dependência da geração térmica para suprir a demanda nacional. E também escancara uma realidade que atormenta o governo e o planejamento do setor elétrico: a incapacidade de licitar grandes projetos hidrelétricos na Amazônia.


A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) recebeu inscrições de 91 projetos de novas usinas para o leilão conhecido como "A-5", modalidade usada para contratar empreendimentos que entrarão em operação daqui a cinco anos. Desse total, apenas sete são hidrelétricas - nenhuma delas na Amazônia.


Anualmente, a EPE prepara o chamado Plano Decenal de Energia, documento que lista os projetos de energia que deverão entrar em operação nos próximos dez anos. Até dois anos atrás, o planejamento previa pelo menos sete grandes hidrelétricas para a Amazônia, empreendimentos que ultrapassam 13 mil MW de potência e tinham previsão de serem viabilizados até 2020. No plano decenal deste ano, restou apenas uma dessas usinas na lista, a hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, no Rio Tapajós. Sem licença ambiental, São Luiz ficou de fora do leilão de abril.
 

"Colocamos no leilão os projetos que têm condições de realmente participar do leilão, apesar de só Itaocara ter licença neste momento", disse o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, à reportagem.

"Estamos entrando com outras fontes. Temos visto que as usinas térmicas são importantes para compensar as outras fontes variáveis, como eólica, solar e a própria hídrica. O importante é que o suprimento não será afetado. Vamos diversificar mais a matriz elétrica, mas o abastecimento está garantido", acrescentou.
 

O leilão "A-5" é o que tem o maior prazo para construção, usado justamente para viabilizar obras complexas e de grande porte. Não é o que se vê na lista dos projetos hidrelétricos que pediram habilitação à EPE.
 

Muito longe da Amazônia, é no Paraná que se concentram quatro candidatas ao leilão: as hidrelétricas de Apertados e Ercilândia, no Rio Piquiri; e de Telêmaco Borba e Tibagi Montante, no Rio Tibagi. As outras três usinas estão previstas para Minas Gerais (Davinópolis), Tocantins (Perdida 2) e Rio de Janeiro (Itaocara).


Para complicar ainda mais a situação, apenas o projeto fluminense de Itaocara tem, neste momento, licença prévia ambiental - documento obrigatório para qualquer hidrelétrica que queira participar de um leilão de energia. A menos de três meses para a realização da concorrência, são pequenas, portanto, as possibilidades de esses projetos estarem prontos a tempo de entrar no leilão.


A frustração da geração hidrelétrica fica ainda mais evidente quando verificada a potência total oferecida por esses empreendimentos. Se as sete usinas fossem contratadas em abril - hipótese difícil de ocorrer -, o leilão somaria apenas 649 megawatts (MW) de geração hidrelétrica.

Isso é praticamente a potência de uma única turbina de Belo Monte, a mega-hidrelétrica em construção no Rio Xingu, no Pará, no coração da Amazônia. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


Lava Jato

Leia no final da matéria do Estado de S. Paulo AQUI!O material jornalístico produzido pelo Estadão é protegido por lei. Para compartilhar este conteúdo, utilize o link:http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,governo-desiste-de-usinas-na-amazonia-imp-,1634755



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