28 de dezembro de 2016

‘Quero socializar ao máximo o meu conhecimento’, diz indígena formado em medicina


Por André Cabette Fábio.
Em Nexo.

Em entrevista ao ‘Nexo’, Vazigton Guedes Oliveira diz que ajudará a sanar o problema da alta rotatividade de médicos e irá melhorar o acesso à saúde em sua comunidade
Além de vestidos, camisas e gravatas, a cerimônia de formatura de 2016 em dezembro dos estudantes de medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) teve cocares.
Amaynara Silva Souza e Vazigton Guedes Oliveira, conhecido como Zig, alunos da etnia pataxó, fizeram questão de usar o adereço. Eles estão entre os primeiros beneficiados de um programa que destina vagas especificamente para indígenas no Brasil — antes deles, um outro indígena já havia se formado em julho pelo mesmo programa.
O programa foi criado pela UFMG em 2009, e já no ano seguinte a universidade passou a aceitar alunos para os cursos de enfermagem, medicina, ciências biológicas, ciências sociais, agronomia e odontologia, por meio de um processo seletivo especial.
Membro de uma comunidade pataxó em Cumuruxatiba, no sul da Bahia, Vazigton Guedes faz parte da primeira turma de ingressantes, de 2010, mas se afastou dos estudos por seis meses, o que fez com que se formasse ao mesmo tempo que Amaynara Silva.
Em entrevista ao Nexo, Zig afirma que cursava biologia na Universidade do Estado da Bahia, mas estava insatisfeito e decidiu prestar medicina quando lideranças de sua comunidade o procuraram para falar sobre os benefícios oferecidos pela UFMG.
Agora, planeja se especializar em medicina de família e comunidade antes de voltar para sua aldeia. Ele afirma que, dessa maneira, ajudará a sanar o problema da alta rotatividade de médicos e irá melhorar o acesso à saúde em sua comunidade. Veja abaixo a entrevista completa:
Como foram os seus estudos até você chegar na Universidade?
VAZIGTON GUEDES OLIVEIRA A nossa comunidade tem quase 2.000 pessoas em cinco aldeias, mas as terras onde ela fica ainda estão em processo demarcatório, com o Ministério da Justiça [o processo de demarcação passa por Fundação Nacional do Índio, Ministério da Justiça e Presidência].
Tem uma disputa judicial porque ela fica, em teoria, em um parque [ambiental] de uso integral, o que dificulta muito o crescimento. Teoricamente não pode ter visitação ou construir nada ali dentro.
Nem o Ministério nem o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente] deixavam construir nada, e na minha época não existia escola na comunidade indígena. Minha formação foi toda em uma escola não indígena na vila de Cumuruxatiba. Para chegar lá, tem que pegar a estrada, que fica muito ruim em dias de chuva. Em dias normais eu ia de bicicleta e demorava cerca de 30 minutos.
Mas em 2002 conseguimos liberar a construção de escolas no território e no ano que vem teremos a primeira turma do segundo ano do ensino médio.
Sem esse programa os indígenas não conseguiriam entrar nessa universidade, até pela diferença de qualidade do ensino público e privado.
Como você se interessou pela medicina?
VAZIGTON GUEDES OLIVEIRA Aqui na comunidade tem um problema, porque vêm médicos de São Paulo ou Rio que têm uma rotatividade muito grande. Eles vêm, ficam no máximo um ano e voltam.
Isso é ruim porque aquele que chega tem que conhecer de novo todos os pacientes e suas famílias e ganhar sua confiança. Se tivesse apenas um médico, o acompanhamento seria melhor e mais constante. Provavelmente só isso já melhoraria os indicadores de saúde.
Como tenho muitos amigos que são biólogos no território, imaginei que tinha um vínculo muito grande com essa área, e cheguei a cursar ciências biológicas pela Universidade do Estado da Bahia até o terceiro ano. Mas não gostava muito do curso e tentei outros vestibulares, como arquitetura e urbanismo na PUC do Rio.
Mas nessa época a comunidade ficou sabendo desse programa [da UFMG], que era muito bom porque dava bolsa, transporte e condições para se manter até o final do curso.
O cacique e os professores indígenas, que são as lideranças da comunidade, sugeriram que eu prestasse o vestibular e eu prestei.
Como foi o suporte para cursar a universidade? Houve problemas?
VAZIGTON GUEDES OLIVEIRA Existe uma comissão especial de acompanhamento de estudantes indígenas que inclui diretores e professores e que nos dá suporte. Cada curso tem um tutor responsável.
Eles são os referenciais para quem repassamos as falhas que identificamos. O objetivo é manter os indígenas na universidade.
Sou da primeira turma que entrou, em 2010. Como os dez alunos indígenas estudavam até tarde, nunca conseguíamos nos encontrar para discutir. A comissão pediu e conseguimos uma casa onde moramos todos juntos no primeiro ano. E, como sempre acontece no início de um programa, apareceram problemas.
Um deles foi com a bolsa. O acordo firmado entre UFMG e Secad (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação) previa uma bolsa de R$ 400 com a qual pagávamos transporte etc.
Mas em 2010 começou a ter atrasos, e chegamos a considerar desistir em conjunto bem no início do programa, até a UFMG conseguir resolver.
Todos os alunos indígenas vêm de escolas públicas, e o nosso conhecimento é muito discrepante em comparação com os não indígenas — a maioria vem de escolas particulares boas.
Algumas vezes ficamos para trás em algumas disciplinas, e os tutores nos ajudavam a entrar em contato com professores do colégio técnico. Esse foi um ponto importante de apoio.
É possível que formandos indígenas não voltem para as aldeias?
VAZIGTON GUEDES OLIVEIRA Que os indígenas voltem para as aldeias é um objetivo declarado do programa. Temos que assinar um termo de compromisso quando prestamos o vestibular. Mas não tem fiscalização, e acho que ninguém vai nos dizer que não podemos ficar.
Não sei dizer se algum dos alunos deve ficar na cidade por encontrar alguém, formar família, etc., mas espero que não, que todos eles voltem.
A vida inteira [de um indígena] é na comunidade. Minha família inteira mora aqui, o que me faz voltar, e acho que não tem lógica passar por um programa de valorização voltado para a comunidade indígena e não voltar. Se isso acontecer, vai significar que, no final das contas, o programa não está funcionando.
Mas a princípio acho que todos voltarão se tiver vagas nas comunidades. Outra opção seria trabalhar em alguma outra, mas isso vai da consciência de quem se formar.
Eu não quero voltar agora porque, se eu fizer isso, talvez me acomode. Meu objetivo é estar preparado para socializar o máximo do meu conhecimento. Agora quero fazer residência em medicina de família e comunidade, para depois voltar.
Como funciona o programa de formação para indígenas
Os cursos foram definidos com base nas demandas apresentadas por comunidades indígenas. Além de pataxós, a UFMG já recebeu alunos de etnias como xakriabás, kaxixós, tupiniquins e terenas.
Além de criar duas vagas por ano especialmente para indígenas em cada um dos cursos, o programa também oferece acompanhamento pedagógico suplementar, fornecido por professores de ensino médio do colégio técnico da UFMG, moradia estudantil e acesso a assistência estudantil, que inclui bolsas, alimentação subsidiada e estágios.
Esse não é o único programa do tipo do Brasil. No Paraná, uma lei estadual de 2006 garante vagas suplementares para indígenas em universidades estaduais, o que faz com que instituições como a Universidade Estadual de Londrina e a Universidade Estadual do Norte do Paraná tenham programas do tipo.
Além disso, a Universidade Federal de Santa Catarina, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul e a Universidade Federal de Santa Maria estão entre as que oferecem vagas suplementares.

Cidade mais indígena do Brasil terá bancada de vereadores e prefeito índios

  • Indígenas de diversas etnias protestam em frente ao Palácio do Planalto contra proposta que altera o procedimento de demarcação de terras _ Marcelo Camargo/Agência Brasil


André Carvalho
Do UOL, em São Paulo



A cidade mais indígena do Brasil é também a que mais elegeu políticos de origem indígena nas últimas eleições municipais. São Gabriel da Cachoeira (AM) tem 92% de seu território classificado como terras indígenas, 76,6% de sua população autodeclarada indígena - pertencente a 23 etnias-- e elegeu em outubro último sete vereadores e um prefeito provenientes dos povos nativos da região.
A partir de 1º de janeiro de 2017, o município - que junto ao português conta com três idiomas oficiais: o nheengatu, o tucano e o baníua- será comandado pelo índio tariano Clovis Moreira Saldanha, 44, conhecido na região como Clóvis Curubão. Ele terá, pelo Partido dos Trabalhadores, sua primeira experiência na política e, em seu mandato, também contará com uma bancada indígena: sete dos 13 vereadores eleitos são índios - dois deles são correligionários do PT, três compõem a coligação PSL/PMN/PV/PPS/PP e outros dois são da chapa PR/DEM/PMB. 
Arte/UOL
São Gabriel da Cachoeira (AM) tem sete terras indígenas em seu território

Curubão faz parte de uma classe política formada por cidadãos originários dos povos nativos do Brasil que ainda busca um maior espaço. Nas eleições municipais deste ano, 28 indígenas se candidataram a prefeituras, dos quais cinco conseguiram se eleger. No Legislativo municipal, foram 167 eleitos em um universo de 1.531 postulantes ao cargo. Foi a primeira vez que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) detalhou informações sobre a questão étnica e racial em seu mapeamento.
As cidades que contarão com mandatários indígenas a partir de 2017, além de São Gabriel da Cachoeira (AM), são: Marcação (PB), com a potiguara Lili (PDT); Marechal Thaumaturgo (AC), com o ashaninka Isaac Piyãko (PMDB); Tacaratu (PE), com o pankararu Gerson (PSB); e Lajedo (PE), com o xucuru Rossine (PSD). A sexta cidade seria Jacundá (PA), mas o prefeito eleito Zé Martins (PMDB), ao contrário do que aponta seu registro no TSE, refutou à reportagem  UOL ter ascendência indígena. "Não tenho nada a ver com índio, foi um erro de registro", afirmou.




Os indígenas também conseguiram emplacar vereadores em 107 municípios brasileiros. Dois deles, São Gabriel da Cachoeira (AM) e Marcação (PB), além de contarem com prefeitos indígenas eleitos, também terão expressivas bancadas de povos autóctones a legislar a partir do ano que vem. Entre os partidos com mais representantes eleitos estão o PT (19 vereadores), o PMDB (17) e o PSDB (13). 

Gigante em extensão

São Gabriel da Cachoeira (AM) é a terceira maior cidade em extensão do Brasil (10.974.380 hectares, maior que a soma das áreas de Rio de Janeiro, Alagoas, Sergipe e Distrito Federal juntas) e tem em seu território sete diferentes terras indígenas: Alto Rio Negro, Balaio, Cué Cué/Marabitanas, Médio Rio Negro 1, Médio Rio Negro 2, Rio Téa e Yanomâmi.
Marcelo Justo/Folhapress
Índio da etnia tuiuca participa de aula de levantamento florestal, ministrada pelo Instituto Socioambiental em São Gabriel da Cachoeira (AM)
Clovis Curubão (PT) foi eleito prefeito com 4.649 votos, ou 30,19% dos votos válidos do pleito municipal. O mandato de quatro anos à frente de São Gabriel da Cachoeira (AM) será a primeira experiência em um cargo público do comerciante. Política, no entanto, ele já faz. "Há tempos tenho trabalhado a temática da sustentabilidade dos povos indígenas desta municipalidade, em especial das comunidades mais interioranas, mais afastadas", disse ao UOL o índio tariano.
O petista foi eleito após uma gestão controversa, marcada por acusações de corrupção, de Rene Coimbra (PCdoB), um ex-funcionário da Funai (Fundação Nacional do Índio) que teve 6,9% dos votos válidos na eleição municipal. Curubão afirma que os habitantes do município "pediram mudanças na forma de ouvir anseios e pessoas novas" e que sua eleição foi "um recado explícito da necessidade de mudanças na forma de fazer política neste município mais indígena do Brasil".
Divulgação
Clovis Curubão (PT) foi eleito prefeito de São Gabriel da Cachoeira (AM) com 30,19% dos votos válidos
A distância geográfica das comunidades indígenas da sede do município, para ele, será uma das dificuldades a serem enfrentadas na aplicação das políticas públicas para este segmento da população local. A geração de renda com estímulo de trabalhos relacionados a sustentabilidade é o maior desafio. "Nosso trabalho foi apoiado pela militância dos indígenas que querem novas propostas políticas de trabalho."

Em sua proposta de governo enviada ao TSE, a palavra "indígena" aparece em três oportunidades: na intenção da busca por energias renováveis para os distritos e comunidades indígenas, na valorização da medicina tradicional indígena e na implementação e apoio aos jogos indígenas. 



Pôr em prática o que se faz na aldeia

Rossine Blesmany dos Santos Cordeiro, 47, é da tribo xucuru, natural de Pesqueira (PE), mas fez sua carreira política na também pernambucana Lajedo. Reeleito para o cargo de prefeito, será o único a comandar uma cidade sem terras indígenas.
Divulgação/Prefeitura Municipa de Lajedo
O índio xucuru Rossine (PSD) foi reeleito prefeito de Lajedo (PE)
Sua vivência em aldeias e sua experiência como "gestor indígena", para ele, é importante na "valorização do homem do campo" no município onde é, e continuará a ser, prefeito. "Como gestor, eu coloco em prática o que os índios fazem nas aldeias. Preservar a natureza e conseguir a subsistência da própria terra. Isso a gente vem colocando em prática há quatro anos em Lajedo", afirmou.
"A coisa que eu mais uso na política é valorizar, dar condições ao povo do campo permanecer no campo. Trabalhar e sobreviver no campo. E sempre estar orientando que no campo você pode gerar renda sem prejudicar o meio ambiente", completou.

Caminhos

De acordo com o Censo de 2010 do IBGE, a população indígena no Brasil é de 896.917 pessoas, o que corresponde aproximadamente a 0,47% da população total do país. Em todo o território nacional, existem, segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), 588 terras indígenas.
Proporcionalmente, o número de prefeitos e vereadores indígenas eleitos no último pleito é ainda menor: 0,08% entre os prefeitos e 0,28% entre os vereadores.
Para Ricardo Weipe, o Weipe Tapiba (PT), primeiro indígena eleito vereador em Caucaia (CE) e integrante do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), órgão vinculado à Presidência da República e responsável pela elaboração, acompanhamento e implementação de políticas públicas voltadas aos povos indígenas, "essa representação no Parlamento, no Poder Executivo dos municípios, ainda é muito pouca".
Ele ressalta, porém, que a busca por um maior espaço na política "é um caminho que os povos indígenas têm utilizado para que a gente consiga ocupar espaço de protagonista que a gente tem na construção da história do Brasil".
"A gente tem presenciado nos municípios, nos Estados e também no Congresso Nacional muitas medidas antidireitos indígenas, antipovos indígenas e aí as comunidades têm a estratégia de também participar dos pleitos eleitorais para que a gente consiga ter participação nos Parlamentos dos municípios e também conseguir alcançar o Poder Legislativo e o Congresso Nacional. O caminho é esse", afirmou o índio tapeba. Veja Galeria de Fotos em matéria original aqui.

23 de dezembro de 2016

Nota sobre a publicação de imagens de povo indígena isolado

notadafunai

Brasília, 23 de dezembro de 2016

A Funai vem a público manifestar-se diante da reportagem veiculada pela National Geographic, "Stunning New Photos of Isolated Tribe Yield Surprises", repercutida por diversos meios de comunicação, na qual o fotógrafo Ricardo Stuckert apresenta fotos de povo indígena isolado no estado do Acre.

Primeiramente, a reportagem demonstra desrespeito aos povos indígenas isolados ao expor publicamente indígenas que se mantém em isolamento por decisões próprias. O teor invasivo do sobrevoo e, consequentemente, das fotografias pode ser percebido no semblante de terror dos indígenas e na postura de ataque ao empunhar arcos e flechas contra a aeronave, conforme registrado na própria reportagem. Os efeitos de uma violência simbólica desse nível são social e culturalmente imensuráveis.

A instituição refuta argumentos que defendem que esse tipo de trabalho pode, de alguma maneira, contribuir para a defesa dos povos em questão, uma vez que atende somente aos interesses de venda de notícias sensacionalistas, não segue estratégias de proteção territorial e se omite diante dos direitos dos povos indígenas. Prova disso é o fato de que o trabalho foi realizado à revelia dos trâmites necessários ao controle de acesso a Terras Indígenas, inexistindo autorização de ingresso ou observância do direito de imagem, o que configura violação de direitos fundamentais preconizados na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

A legislação indigenista tem mecanismos de proteção aos povos indígenas isolados e de recente contato, de maneira que a Funai tomará providências para a devida responsabilização dos autores e envolvidos, assim como para o resguardo dos povos indígenas em questão.

22 de dezembro de 2016

Encontro de Pajés: "Nossa resistência e nossa história são mantidas pela espiritualidade"



Crédito da foto: Haroldo Heleno/Cimi Regional Leste

 Cimi Regional Leste - Equipe Sul da Bahia

Era noite de lua cheia quando os maracás começaram a tocar na Terra Indígena Caramuru Catarina Paraguaçu, no sul da Bahia, no último dia 12 de dezembro. A cabana do cacique Nailton Pataxó Hã-hã-hãe estava tomada por 30 representantes Pataxó e Tupinambá de Olivença, além indígenas do próprio povo do cacique. Por lá chegaram ainda os Xakriabá do oeste da Bahia (Coco) e do norte de Minas (São João das Missões). Com eles apareceram ainda os Mongóio-Kamakã de Vitória da Conquista. Após as boas vindas do anfitrião, por volta das 19h30, teve início um grande ritual que perdurou por toda a noite parando apenas às 24 horas.

Foi assim a abertura do Encontro de Pajés que teve como tema: “Nossa Resistência e nossa História são mantidas pela nossa espiritualidade”. A atividade correu até o dia 14, mantendo sempre a tônica das celebrações e da valorização da espiritualidade indígena. Previsto para 70 indígenas e indigenistas, o encontro reuniu 150. Com destaque para a espiritualidade, seus desafios, seus avanços e o que esperavam a partir deste encontro o segundo dia do encontro transcorreu em um ambiente de profunda reflexão e interação com os Encantados.

Ficou claro no depoimento de todas as comunidades a necessidade de se retomar com mais força a espiritualidade tradicional e a valorização das suas culturas, em especial diante do avanço de outras denominações religiosas. Muitas das vezes elas chegam desconhecendo e desconsiderando que as comunidades já têm e praticam suas ritualidades. Em especial os mais velhos foram enfáticos ao afirmar que é preciso barrar tal avanço que agride e desvaloriza costumes e tradições. Resistir a tais invasões deve ser feito com o fortalecimento dos rituais, com a articulação e valorização dentro das comunidades e no relacionamento com outras.

Foram citados vários fatos atuais onde a presença e a força dos “encantados” atuaram em favor da causa indígena, destacando a ocupação ao Congresso Nacional no dia 16 de abril de 2013, quando se percebe que nenhuma força humana conseguiria furar o forte bloqueio que impedia que os indígenas chegassem ao Plenário Ulysses Guimarães, da Câmara Federal. Os parlamentares se organizavam para criação de uma comissão que iria votar a PEC 215. Durante todo um dia de intensos rituais, no final da tarde, guiados por forças superiores, os indígenas ocupam e conseguem suspender a sessão do Câmara. Para Saulo Feitosa, membro do Cimi Nordeste, só existia uma explicação para o acontecimento: “Esta ação foi a força dos encantados, dos Seres de Luzes dos Povos Indígenas”.

Outro fato bastante citado foi o ocorrido no final e 2014, quando o perigo volta a rondar os direitos dos povos indígenas. No fechamento dos trabalhos parlamentares, a bancada ruralista e seus aliados tentam votar a PEC 215. Para um dos aliados dos povos que ali se manifestavam, Egon Heck, missionário do Cimi, ocorreu:  “Algo jamais visto: quanto mais as forças policiais se multiplicavam em número, os rituais cresciam em força, em ânimo, entusiasmo e em respostas que para muitos parecem casualidades, mas que para os povos são providências dos encantados. Como, por exemplo, na primeira noite em que prenderam algumas lideranças indígenas, a chuva foi tão forte que o Congresso, não por acaso, foi invadido por lama e alguns parlamentares ficaram, por horas, ilhados naquele mar de lama”.  

Encantos na luta

Os indígenas debateram ainda como as forças encantadas podem ajudar a enfrentar a conjuntura desfavorável aos povos indígenas. O missionário indigenista Haroldo Heleno, do Cimi Regional Leste, apresentou uma rápida análise destacando os vários instrumentos que visam suprimir os direitos indígenas duramente conquistados, em especial a PEC 215 e o PL 1610. A grande ameaça, no entanto, surge na forma de um decreto do presidente Michel Temer, elaborado na surdina, que modifica os procedimentos de demarcação de terras indígenas.

O decreto afetaria a demarcação de aproximadamente 600 terras indígenas em diferentes estágios do procedimento demarcatório. Entre os vários dispositivos graves previstos pelo decreto está a incorporação do “marco temporal”, uma interpretação restritiva do artigo 231 da Constituição Federal que, na avaliação das entidades e movimentos, serviria somente para “legitimar situações de esbulhos de terras indígenas, posses ilegítimas, irregulares e ilegais e, consequentemente, outras violações de direitos humanos dos povos indígenas”.

Haroldo Heleno recorreu a uma passagem bíblica para motivar a plenária. A História de Davi e Golias, já que muita gente gosta de citar o fato, sempre que temos um grande desafio pela frente, se usa a expressão: “Isto é uma luta de Davi contra Golias”. E se usa para dizer que é uma luta desigual, e alguns para dizer que não tem jeito. Heleno lembrou e fez questão de destacar que quem venceu a luta não foi o gigante, mas sim o pequeno Davi, que nem guerreiro era, e não usou nenhuma arma poderosa, usou apenas uma “boladeira”, mas Davi tinha dois elementos extremamente importantes para derrotar o gigante: a fé em Deus e a clareza de onde tinha que acertar a pedra, na testa do gigante, ou seja, ele tinha claro o seu objetivo.

Cacique Nailton afirmou: “É nestes momentos que precisamos ter uma certeza, devemos dedicar aos nossos rituais 50% de nossos tempos, para nos fortalecermos cada vez mais. Para enfrentar esta dura realidade os outros 50% a gente dedica ao restante: articulação, organização”. Nailton usou esta expressão em vários outros momentos do encontro, sempre no sentido de chamar a atenção para a valorização dos rituais. A noite em volta de uma enorme fogueira, e iluminados pela lua cheia, as conversas da tarde ainda borbulhavam nas mentes de todos, e um forte e intenso ritual nos acalmou com a presença de muitos encantados.  

Mensagem encantada

Uma mensagem aos Pataxó e aos Tupinambá chegou por intermédio de um Encantado: “Algumas coisas não precisavam ser ditas, eles sabiam o que ia acontecer. Outras coisas não iam ser reveladas agora, mas que eram importantes e, portanto, todos deviam estar preparados”.  Numa segunda manifestação, mais geral para todos os povos presentes: “Em alguns momentos teremos que perceber as coisas mesmo sem as ver, temos certezas que algumas existem, mas não a vemos, mas temos que nos preparar para enfrentar grandes desafios”.

Fortalecer os rituais em cada comunidade: esse foi o principal encaminhamento do encontro. O compromisso de todas as comunidades presentes na realização de rituais nas noites de lua cheia. Realizar pequenos encontros de lideranças religiosas nas regiões e mobilização desde agora para a realização do Encontro de Pajé de 2017.


O encontro teve como objetivo fortalecer a espiritualidade entre os povos da Bahia e convidados, além de promover o intercâmbio entre as comunidades e rituais. Para o cacique Nailton Pataxó Hã-hã-hãe o evento superou todas as expectativas, tanto na quantidade de pessoas que se esperava como nos objetivos propostos. “Já firmei o compromisso com as lideranças que aqui estavam que o encontro de 2017 vai ser aqui na cabana de novo, pois este foi apenas um tira gosto, e até lá vou visitar e incentivar outras lideranças que não puderam vir neste para se fazer presente no próximo”. O cacique afirmou que os encantados ficaram satisfeitos.

Grandes obras continuam estimulando desmatamento na Amazônia

Aumento da devastação em zonas e municípios tradicionais de expansão do desflorestamento expõe falha do governo na proteção à floresta
Fonte Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)


Um mapa elaborado pelo ISA com os dados oficiais mais recentes mostra que as grandes obras e municípios campeões do desmatamento seguem como centros irradiadores da devastação da floresta amazônica (veja abaixo). O mapa considera apenas o chamado “arco do desmatamento”, zona tradicional de expansão da fronteira agrícola.
O desflorestamento continua muito alto nas áreas de influência da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém), das usinas de Belo Monte (PA) e do Rio Madeira (RO). Ele também voltou a crescer em Altamira e São Félix do Xingu (PA), em Lábrea (AM) e Porto Velho (RO) – nesta ordem, municípios com as maiores áreas desmatadas, entre 2015 e 2016, e que também estão na lista do Ministério do Meio Ambiente (MMA) daqueles prioritários para o combate ao desmatamento. Foram devastados mais de 120 mil hectares de florestas no período só nesses quatro municípios – uma área quase do tamanho da cidade de São Paulo.
A permanência dessas regiões como zonas de expansão da destruição da floresta é um indicador do insucesso das ações de combate aos crimes ambientais, exatamente quando o desflorestamento volta a disparar.
No final de novembro, foi divulgada a taxa oficial preliminar do desmatamento na Amazônia: entre agosto de 2015 e julho de 2016, foram derrubados quase 8 mil quilômetros quadrados de florestas, um aumento de cerca de 30% em relação aos 6,2 mil quilômetros quadrados registrados entre 2014 e 2015. Trata-se do maior número observado desde 2009 (saiba mais). Com base nesses dados, o ISA produziu o mapa com as regiões mais devastadas.
Ambientalistas e pesquisadores vêm denunciando que a fragilização do Código Florestal, da fiscalização ambiental e de Unidades de Conservação (UCs) estimulou o desmatamento. O período 2015-2016 é o terceiro de alta dos índices do desmatamento desde a mudança da legislação, em 2012. Ontem (20/12), o governo alterou os limites de Ucs na região da BR-163, cedendo às pressões de políticos, produtores rurais e grileiros.
“O sinal que deu o novo Código Florestal foi interpretado de maneira extremamente rápida em campo”, diz Juan Doblas, assessor do ISA responsável pelo mapa. Ele afirma que várias regiões sofrem uma “epidemia de desmatamento”: a impunidade dos desmatadores ilegais termina por estimular mais desmatamento. “As medidas de combate ao desmatamento e restrição das atividades econômicas nos municípios da lista do MMA não estão funcionando. Elas precisam ser reforçadas”, defende.
Doblas chama a atenção principalmente para São Félix do Xingu e cobra operações mais efetivas de repressão aos desmatadores da parte dos governos federal e estadual na região, em especial com apoio de ações de inteligência.
O pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente (Imazon) Paulo Barreto acredita que o aumento do preço do gado também “fortalece a ameaça [à floresta], porque as pessoas ficam mais interessadas em desmatar”, aponta. “Essa ameaça pode aumentar e não ter efeitos se a floresta não está vulnerável, se o governo está vigilante, se não muda as regras. Mas quando a ameaça aumenta e o governo enfraquece a proteção, essa combinação leva a essa situação de aumento”, conclui.
Campeões do desmatamento
Pará, Mato Grosso e Rondônia continuam, nessa ordem, como os campeões da destruição da floresta: entre 2015 e 2016, eles registraram, respectivamente, 3 mil quilômetros quadrados (38% do total), 1,5 mil quilômetros quadrados (19%) e 1,3 mil quilômetros quadrados (18%) de desmatamento. O Amazonas, no entanto, apresentou a maior alta proporcional: entre 2014-2015 e 2015-2016, o desmatamento saltou de 712 quilômetros quadrados para 1099 quilômetros quadrados, um acréscimo de 54%.
André Tomasi, assessor do Instituto de Educação do Brasil (IEB), destaca que o sul do Amazonas tornou-se uma das frentes de desmatamento mais dinâmicas em função do esgotamento de parte dos remanescentes florestais em Rondônia, Acre e norte do Mato Grosso.
“É uma área tradicionalmente de baixa governança do Estado, que possui pouca capilaridade e atuação no campo”, ressalta. Ele lembra que muitos pecuaristas da região estão escoando gado por Rondônia, deixando de recolher impostos no Amazonas e evadindo divisas.
Por: Oswaldo Braga de Souza

MPF pede suspensão de licenças para garimpo em área de proteção ambiental no Pará

Autorizações emitidas pela secretaria de Meio Ambiente de Itaituba e pelo DNPM para Ruy Barbosa de Mendonça são ilegais, diz MPF
Atividade garimpeira na região das áreas citadas pelo MPF na ação (foto: ICMBio)
O Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça a imediata paralisação das atividades de garimpo promovidas por Ruy Barbosa de Mendonça e a suspensão das licenças ambientais e permissões de lavra garimpeira outorgadas à ele pela secretaria de Meio Ambiente de Itaituba, no sudoeste do Pará, e pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) na Área de Proteção Ambiental Federal (APA) Tapajós.
Na ação, o MPF também pede que a Justiça Federal condene o município de Itaituba e o DNPM a cancelar as licenças concedidas a Mendonça. Para o MPF a extração de ouro na APA é ilegal, já que recursos minerais são bens da União e a extração sem a devida autorização do órgão fiscalizador constitui dano ao patrimônio da União.
A área ocupada por Mendonça ilegalmente no interior da APA é de 1 mil hectares. Na formalização dos procedimentos de licenciamento ambiental, essa área foi desmembrada pelo responsável pelo garimpo em área menores, de aproximadamente 50 hectares cada.
Para o MPF, os requerimento de licenciamento ambiental foram apresentados de forma fracionada para evitar que a secretaria de Meio Ambiente de Itaituba identificasse que tratava-se de um mesmo empreendimento e, assim, pudesse dispensar a realização de Estudo de Impacto Ambiental, dispensa que acabou ocorrendo.

"Além disso, desprezou o fato de se tratar de área inserida em unidade de conservação federal que não possui plano de manejo florestal e que, portanto, não pode receber atividades dessa natureza até que sejam definidas áreas de proteção integral e de desenvolvimento sustentável no interior da unidade", critica o MPF.

Caso o garimpeiro insista com extração mineral na APA, o MPF requer a aplicação de multa diária de R$ 50 mil. Mesmo valor que também deverão pagar a secretaria de Meio Ambiente de Itaituba e o DNPM caso também descumpram a decisão.
 Processo nº 0002134-86.2016.4.01.3908 - Vara Federal Única de Itaituba (PA)

Seis anos após ser batizado por índios em MS, Milton Nascimento visitará aldeia

Registro feito em 2010 quando Milton Nascimento foi batizado por índios guarani. (Foto: Vânia Jucá/ Campo Grande News)
Thailla Torres em Campo Grande News

O cantor Milton Nascimento está em Campo Grande para visitar aldeias, 6 anos depois de ser batizado por indígenas em Mato Grosso do Sul. O músico chegou nesta manhã e deve, inclusive, passar o Natal aqui no Estado. Os planos são de ir embora apenas no dia 27. 

Conforme o campo-grandense Danilo Nuha, produtor musical do cantor, Milton já acompanha a situação de 'guerra' em que vivem os índios sul-mato-grossenses e veio a Campo Grande em solidariedade e para oferecer ajuda. 

"Ele veio para tentar contato com os índios guarani. Ele é batizado pela etnia e sabe da situação em meio a guerra com fazendeiros. Ele vai ver como pode estar ajudando e por isso veio como um observador mesmo", explica.

Não há shows previstos. Milton está na casa do produtor e ainda não definiu qual comunidade vai visitar. A maior parte dos guarani vivem na região sul, local de conflitos constantes na luta pela demarcação de terras tradicionais.

Milton foi batizado com um nome indígena no evento "Show Cultura e Direitos Humanos dos Povos Guarani" que aconteceu em 2010, na Praça do Rádio Clube. Cerca de 37 nhanderus (lideranças rezadoras) deram a ele o nome "Ava Nheyeyru Iyi Yvy Renhoi", que em português significa "Semente da Terra". O nome é dado a partir da percepção que os nhanderus têm da pessoa.

No dia, foram mais de 300 indígenas, artistas e convidados. A época também esteve presente o cantor estadosunidense Jason Mraz e a atriz Danielle Suzuki, convidados por Milton para reforçar o apoio aos índios.

A produção do cantor afirma que até o momento, Milton não fez nenhuma visita e o único contato com índios, foi por telefone. "São muitas lideranças e estamos fazendo uma pesquisa para saber como chegar de uma melhor forma nessa conversa", diz.

O cantor passou antes pelo Mato Grosso e ao chegar por aqui publicou em seu perfil no Instagram, uma fotografia, mostrando que já está em Campo Grande. 
A publicação feita em seu perfil no Instagram, mostra que o cantor já está em Campo Grande. (Foto: reprodução Instagram)