29 de novembro de 2013

Portaria ministerial pode paralisar definitivamente a identificação de Terras Indígenas

Márcio Santilli, sócio fundador e assessor do ISA
Confira artigo de Márcio Santilli sobre a proposta de mudanças dos procedimentos de demarcação de Terras Indígena do governo federal. Leia o texto da proposta na íntegra
Nesta semana, o Ministério de Justiça (MJ) fez circular entre os membros da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) uma minuta de portaria ministerial que acrescenta vários procedimentos administrativos ao processo de demarcação das terras indígenas, já regulado pelo decreto 1.775/96, ainda em vigor. A portaria, que deve ser publicada nos próximos dias, multiplica os ritos burocráticos e formaliza a intervenção de quaisquer interesses eventualmente contrariados desde a etapa inicial do processo, a de identificação das áreas de ocupação tradicional (leia a proposta).
Essa fase inicial implica a constituição de grupo de trabalho, coordenado por um antropólogo com formação acadêmica reconhecida e integrado por outros técnicos – cartógrafo, biólogo, indigenista, agrônomo, conforme o caso – que identifica as referências de ocupação tradicional indígena, características ambientais e situação fundiária, além de formular uma proposta de limites a ser submetida às instâncias de decisão política – o MJ e a Presidência da República – para posterior demarcação física, homologação e registro cartorial. Esse grupo, de caráter eminentemente técnico, pode e deve produzir informações sobre interesses não indígenas incidentes na área em estudo, mas não lhe compete – e nem ele dispõe de legitimidade, poder administrativo ou proteção física – para rechaçar ou pactuar com terceiros interessados.
Segundo a minuta, o grupo “técnico” seguiria sendo coordenado por antropólogo, mas constituído agora por outros quatro membros, sendo um deles procurador federal da Advocacia-Geral da União (AGU) e os demais com formação em cartografia, topografia e meio ambiente. A proposta diz, ainda, que os integrantes do grupo devem ser prioritariamente funcionários públicos, podendo ser contratados em caráter privado sob condições. A especificação da formação técnica de cada um dos técnicos e, especialmente, a obrigatoriedade de inserção da AGU dificultarão ainda mais a criação e funcionamento de novos grupos de trabalho, que passarão a depender da duvidosa disponibilidade desses membros.
Ainda segundo a minuta, poderão participar das atividades do grupo representantes da comunidade indígena local, mas também dos municípios, dos estados e de nove ministérios, que deverão ser notificados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) para indicar seus representantes em prazo determinado e cuja participação deve ser formalizada por portaria. Em suma, poderão participar do grupo até 20 integrantes, a maioria com interesses contraditórios em relação ao objeto do trabalho.
O que hoje ocorre é que a Funai encontra dificuldade crescente para recrutar até mesmo antropólogos para coordenar novos grupos de trabalho, pois é exíguo o número de profissionais do seu quadro e não tem sido possível contratar antropólogos vinculados às universidades ou a outros órgãos públicos, por caracterizar dupla remuneração. Não raro se vê antropólogos coordenando grupos de trabalho em caráter voluntário, sem remuneração (com direito apenas ao pagamento de despesas), e que, por isso mesmo, prestam serviço em períodos de férias ou quando têm disponibilidade, não podendo ser submetidos a prazos específicos para a entrega de relatórios e de outros produtos.
Nessas condições, tem sido cada vez mais difícil recrutar coordenadores e outros integrantes para os grupos de trabalho, assim como alocar, em cada caso, os antropólogos mais qualificados ou que tenham experiência, relações e informações acumuladas sobre o povo indígena e a região em questão. A nova portaria não se reporta a nenhuma dessas dificuldades objetivas, mas as multiplica, acrescentando responsabilidades de mediação de interesses contrariados que são estranhas à formação técnica dos profissionais requeridos e implicam em aumento exponencial de riscos pessoais, profissionais e políticos.
Além disso, vários dos procedimentos adicionais propostos na minuta implicariam em custos e despesas adicionais, mas o texto não provê solução para isso. Pelo contrário, explicita que a constituição de novos grupos de trabalho ficará subordinada “às disponibilidades orçamentárias”, que são exíguas e incertas, mas que certamente deveriam ser reforçadas caso pretenda-se melhorar a qualidade dos trabalhos de identificação de Terras Indígenas. Como o ritmo das identificações já tem sido lento, prolongando conflitos, é lícito supor que as dificuldades técnicas, burocráticas, políticas e orçamentárias que seriam acrescidas pela portaria poderão paralisar de vez esse processo.
Responsabilidade política
O ponto é que a responsabilidade de mediação política é do governo e, no caso, principalmente do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e a sua transferência para um grupo técnico, ou para a figura de um antropólogo, é uma completa aberração. Cardozo já tem suas gavetas abarrotadas de processos de demarcação, que aguardam decisão, por vezes, há anos. Tem sido incompetente para equacionar o pagamento de indenizações e para conduzir as negociações junto a proprietários rurais e ao governo do Mato Grosso do Sul, principal foco atual de conflitos envolvendo a demarcação de Terras Indígenas e chegou a ordenar a invasão de aldeias de índios Munduruku, no Pará, pela Força Nacional de Segurança, que matou um índio e feriu outros. A edição da portaria aventada, ao final da sua gestão, seria uma consagração negativa definitiva.
Se quisesse, o ministro poderia mirar-se no exemplo do seu colega, Pepe Vargas, ministro do Desenvolvimento Agrário, que editou uma portaria no início do ano, exigindo providências adicionais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para a instrução dos processos de desapropriação para a reforma agrária, mas teve que revogá-la no mês passado para não terminar o ano com nenhuma desapropriação, recorde histórico insuperável. Cardozo, que já vem nessa rota há três anos, ameaça concluir a era de omissões que protagonizou, deixando, como herança, um tiro no pé do próprio sucessor.


Governo enviará Força Nacional a MS para impedir conflitos por terras

Diante do acirramento da tensão entre índios e fazendeiros em Mato Grosso do Sul, o governo decidiu enviar tropas da Força Nacional para o Estado.
Por BBC Brasil
Uma portaria do Ministério da Justiça publicada nesta sexta-feira autoriza o emprego imediato da força para impedir confrontos no Cone Sul do Estado e na Terra Indígena Buriti, em Sidrolândia (a 70 km de Campo Grande). Seu período de atuação será de 90 dias e pode ser prorrogado.
As tropas, que atuarão com a Polícia Federal e forças estaduais, chegarão a Mato Grosso do Sul no momento em que se encerra um prazo dado por associações de agricultores locais para a solução dos conflitos agrários no Estado.
Elas têm dito que, caso as autoridades não apresentem até este sábado uma proposta para acabar com as disputas de terras, confrontos violentos poderão ocorrer.
A Acrissul (Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul) marcou para 7 de dezembro um leilão que levantará recursos para a defesa dos agricultores em áreas de disputa. A organização diz que já foram arrecadadas cerca de mil cabeças de gado e toneladas de grãos para o evento, batizado de “Leilão da Resistência”.
Segundo o presidente da Acrissul, Francisco Maia, os recursos servirão para que os fazendeiros contratem três tipos de profissionais: advogados, antropólogos incumbidos de contestar os estudos que embasam as demarcações e empresas de segurança.
“Até agora, eles invadiam e nós recuávamos. Se invadirem outras terras, vai ter tiroteio, e aí ninguém sabe a consequência.” O presidente da Acrissul diz que a contratação de seguranças ocorrerá dentro da lei.
Para os índios, não há novidade na postura dos fazendeiros. “Eles já têm agido com violência nos últimos dez, quinze anos”, diz o líder guarani kaiowá Tonico Benites. Ainda assim, ele afirma que a crescente animosidade no Estado é preocupante e que o leião financiará a criação de uma “milícia” contra os índios.

Poder de barganha

Para outros órgãos familiares ao conflito agrário no Estado, no entanto, o principal objetivo do leilão é ampliar o poder de barganha dos fazendeiros nas negociações para resolver o impasse.
Desde junho, após a morte do índio terena Oziel Gabriel numa ação de reintegração de posse na Terra Indígena Buriti, em Sidrolândia, representantes de fazendeiros, indígenas, governo federal, governo estadual, Ministério Público, Poder Judiciário e a Assembleia Legislativa passaram a dialogar em conjunto em busca de uma solução para os problemas agrários em Mato Grosso do Sul.
Combinou-se que as negociações começariam pela Terra Indígena Buriti, onde os índios ocupam trechos de 27 fazendas, segundo a Acrissul.
Em 2010, o Ministério da Justiça delimitou a Terra Indígena e determinou que os índios terena têm direito à posse e ao usufruto exclusivo da área. No entanto, fazendeiros se recusam a sair e têm conseguido travar a conclusão do processo na Justiça.
As negociações para acabar com o impasse empacam num ponto: como indenizar os fazendeiros pelas terras.
A Constituição determina que não índios a serem expulsos de áreas indígenas só podem ser indenizados por benfeitorias, como casas. Acontece que muitos dos fazendeiros detêm os títulos dessas áreas (emitidos pelo Estado há décadas) e querem compensação por toda o terreno a ser desapropriado.
A situação se reproduz em vários pontos do Estado. De acordo com a Acrissul, há hoje 80 fazendas ocupadas por índios em Mato Grosso do Sul. Como praticamente todos os casos foram judicializados, as demarcações avançam a conta-gotas e não têm desfecho à vista.
Inicialmente, definiu-se que o governo estadual indenizaria os fazendeiros de Buriti com a venda de terras estaduais à União. O Estado, porém, alegou não ter terras suficientes.
Agora, segundo nota do Ministério da Justiça à BBC Brasil, o governo federal se comprometeu a repassar recursos da União para compensar os fazendeiros.
Ainda não se acertou como o repasse a ocorrerá. Estuda-se a possibilidade de que o governo reserve parte do Orçamento de 2014 para os pagamentos.
Nesta semana, o governo estadual e fazendeiros apresentaram outra proposta, que prevê, entre outros pontos, que o Estado use recursos comprometidos com sua dívida com a União para pagar as desapropriações. O governo federal ainda não se posicionou sobre a proposta.
Quando o caso de Buriti for resolvido, o governo federal diz que passará a negociar soluções para os demais conflitos agrários no Estado.
Embora a gestão se diga empenhada em avançar no diálogo, as demais partes afirmam que o tema se tornou tão complexo que qualquer solução agora depende de uma participação direta da presidente Dilma Rousseff.
Os índios temem o prolongamento do conflito. O clima é tenso nas “retomadas”, como eles se referem às áreas ocupadas. Há relatos frequentes de intimidações e ataques de seguranças contratados por fazendeiros.
De acordo com os indígenas, desde 2012 ao menos sete pessoas – entre as quais seis índios – morreram em decorrência do conflito de terras na região.
O Cimi (Conselho Indigenista Missionário), ógão ligado à Igreja Católica, calcula que mais de mil índios guarani kaiowá se mataram entre 1988 e 2012, o que, segundo o órgão, sinaliza o desespero e descrença dos indígenas na solução de seus problemas, principalmente da terra.

Guerra do Paraguai

Os problemas agrários em Mato Grosso do Sul tiveram desdobramentos importantes com a Guerra do Paraguai (1864-1870). Após o conflito, enquanto o governo estimulava a migração de agricultores para assegurar seu controle na área próxima à fronteira com o país vizinho, o hoje extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI) foi incumbido de agrupar os indígenas da região em pequenas porções de terra.
A estratégia produziu uma distorção que persiste: embora o Mato Grosso do Sul tenha a segunda maior população indígena do país (73,2 mil pessoas, ou 9% do total de índios no país), as terras demarcadas no Estado correspondem a apenas 0,7% das áreas indígenas no Brasil.
Para o líder guarani kaiowá Tonico Benites, a lentidão para regularizar as terras justifica que novas ocupações ocorram, apesar da ameaça de reação enérgica dos fazendeiros a partir do dia 30.
Segundo Benites, essas ações costumam ser articuladas por índios idosos como um “último recurso" para que eles possam ser enterrados junto de seus antepassados.
“Quando um índio que esperou a vida inteira pela demarcação sente que vai morrer, não tem ameaça de fazendeiro que o impeça de cobrar os filhos, netos e bisnetos a fazer a retomada”.
“É isso que a burocracia e a Justiça do branco se recusam a entender”.
Ler original!http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/11/131129_forca_nacional_sidrolandia_ms_mm.shtml

28 de novembro de 2013

Aty Guasu: Ações criminosas dos fazendeiros do MS

Por Aty Guasu

"ATY GUASU SOCIALIZA AS AÇÕES CRIMINOSAS, GENOCIDA E TERRORISTAS FINANCIADAS PELOS FAZENDEIROS CONTRA OS INDÍGENAS DO MATO GROSSO DO SUL.

EM MENOS DE UM MÊS, OS FAZENDEIROS COMEÇARAM A INCENDIAR TRATOR E ÔNIBUS, ALÉM DISSO RECOMEÇAM A AMEAÇAR E CERCAR VÁRIAS COMUNIDADES INDÍGENAS.

ESTAMOS EM LUTO E LUTA, PEDIMOS JUSTIÇA!

ESSE TRATOR PREPARAVA A LAVOURA PARA COMUNIDADE INDÍGENA, O ÔNIBUS TRA
NSPORTAVA OS ALUNOS INDÍGENAS. OS ATOS EVIDENCIAM O GENOCÍDIO EM CURSO NO MATO GROSSO DO SUL"

Terena: Ônibus escolar indígena é incendiado em Miranda



CIMI

Ruy Sposati, de Campo Grande (MS)

Um ônibus que realizava transporte de alunos Terena foi incendiado, na madrugada desta quinta-feira, 28, em Miranda (MS), região do Pantanal. O ônibus levava diariamente cerca de 30 estudantes do ensino fundamental e médio de toda a terra indígena Cachoeirinha. O veículo estava vazio. Ninguém ficou ferido. Indígenas temem que o ataque esteja relacionado às ameaças de fazendeiros da região.

O veículo estava estacionado na frente da casa do motorista, que presta depoimento à Polícia Civil na manhã de quinta. Segundo informações colhidas por lideranças de Cachoeirinha, o responsável pelo veículo acredita que o ônibus tenha sido intencionalmente incendiado com gasolina durante a madrugada.

"Ele [responsável pelo transporte] ligou pra mim e falou: 'eu não tenho problema com ninguém, não tenho concorrente. Por que alguém faria isso?'. E tem essas ameaças dos fazendeiros do dia 30. Então estamos muito preocupados com essa situação", explica o cacique da Cachoeirinha, Adilson Terena.

No início do mês, o vice-presidente da Acrissul, Jonatan Pereira Barbosa, anunciou publicamente durante uma audiência com senadores que "se no dia 30 de novembro nada for feito para dar segurança e paz à região, haverá derramamento de sangue”. Durante uma invasão de 150 fazendeiros à sede da Fundação Nacional do Índio (Funai), uma participante do protesto gritou a indígenas: "o dia 30 está chegando (...), e rogo uma praga a vocês: morram. Morram todos!"

"Dois anos atrás incendiaram um ônibus nosso com os alunos dentro", relembra o cacique. Em 4 de junho de 2011, um ônibus que transportava cerca de 30 estudantes Terena, a maioria entre 15 e 17 anos, foi atacado com pedras e coquetéis molotov. Seis pessoas, incluindo o motorista, sofreram queimaduras. Quatro foram internadas em estado grave. a estudante Lurdesvoni Pires, de 28 anos, faleceu, vítima de ferimentos causados pelas queimaduras. Na época, lideranças Terena creditaram o ataque a fazendeiros da região, no contexto da disputa pela demarcação das terras indígenas.

"Agora, os alunos estão com medo de ir para a escola. Diante do que já aconteceu, e diante dessas ameaças do dia 30, estamos muito preocupados. Esperamos que dessa vez isso tudo seja realmente investigado", conclui.

CNBB: "O momento é crítico e exige urgente e efetiva ação por parte do governo brasileiro em defesa da vida, da justiça e da paz entre indígenas e agricultores no país".

Banner _ Heitor Karai Awa-Ruvixá Gonçalves

CIMI - CNBB Divulga Nota sobre Povos Indígenas e Agricultores


A seguir, a íntegra da nota:
 Brasília, 27 de novembro de 2013



Bem aventurados os mansos porque possuirão a terra (Mt 5, 5)

O Conselho Episcopal Pastoral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil- CNBB, reunido em Brasília, se une à angústia dos povos indígenas e agricultores diante da inércia do governo federal e dos respectivos governos estaduais em solucionar verdadeira e definitivamente os crescentes conflitos fundiários que envolvem estes nossos irmãos.

Entendemos que a solução para esta situação passa necessariamente pelo reconhecimento do direito histórico e constitucional dos povos indígenas sobre suas terras tradicionais, bem como, pelo reconhecimento dos títulos de terra denominados de boa fé.

Os entes federados, responsáveis pela emissão de títulos de propriedade sobre terras da União, devem assumir a responsabilidade pelo erro político-administrativo que cometeram e indenizar os agricultores que adquiriram de boa fé e pagaram pela terra onde vivem com suas famílias e formaram comunidades. Além disso, o Estado deve indenizar os agricultores pelas benfeitorias construídas sobre as terras e, aquelas famílias que desejarem ser reassentadas, precisam ter esse direito devidamente respeitado, como estabelece o decreto 1775/96, preferencialmente na mesma região.

Não é aceitável a posição assumida pelo governo federal e pelos distintos governos estaduais neste processo. Impedir e protelar a solução desses problemas potencializa a insegurança, as angústias e os riscos de conflitos entre indígenas e agricultores, ambos vítimas de um modelo equivocado de ocupação do território brasileiro.

A Igreja e seus ministros têm compromisso de evangelização e de pastoral com indígenas e agricultores. Neste compromisso, se colocam a serviço da vida plena. (DGAE 106).

O momento é crítico e exige urgente e efetiva ação por parte do governo brasileiro em defesa da vida, da justiça e da paz entre indígenas e agricultores no país.

Que Nossa Senhora, a mãe de todos os povos, olhe por seus filhos nesse momento de dor e preocupações.

Cardeal Raymundo Damasceno Assis
Arcebispo de Aparecida (SP)
Presidente da CNBB

Dom José Belisário da Silva
Arcebispo de São Luís (MA)

Dom Leonardo Ulrich Steiner
Bispo Auxiliar de Brasília (DF)
Secretário Geral da CNBB

27 de novembro de 2013

Pyelito Kue: "esgotou a nossa paciência"


Ruy Sposati, CIMI

Mais de um ano depois da dramática carta da aldeia-acampamento Pyelito Kue, na fronteira do Mato Grosso do sul com o Paraguai, os Guarani Kaiowá lançam novo documento denunciando a sistemática omissão do governo federal na demarcação das terras indígenas do Mato Grosso do Sul.

"Nós queremos que eles [governo brasileiro] cumpram a sua palavra. Eles falam que vão fazer. Nós já ficamos esperando. E eles não estão cumprindo, não estão chegando e não vem para demarcar a nossa terra", afirma o novo documento.

Frente às declarações públicas de fazendeiros sobre financiamento de seguranças privados para reagir às retomadas indígenas, os Kaiowá de Pyelito Kue afirmam que não desistirão da luta pela demarcação de Pyelito, e que não esperarão mais "de braços cruzados", afirma a comunidade na nova carta. "Nós gritamos que esgotou a nossa paciência (...). Imediatamente precisamos ocupar de volta nosso tekoha".

Os indígenas exigem a presença da Força Nacional e da Polícia Federal para garantir sua segurança, mas concluem: "se houver algum pedido de liminar ou reintegração de posse, já vamos deixar bem claro que a guerra será declaratoriamente (sic)".

Nada mudou

Dois anos após a retomada de 1 hectare de seu território tradicional, pouca coisa mudou na vida da comunidade. Continuam sem escola, sem saúde e sem terra para plantar, confinados entre fazendas de gado, debaixo de barracos de lona.

Em 8 de janeiro, a Fundação Nacional do Índio (Funai) aprovou as conclusões dos estudos de identificação e delimitação da Terra Indígena Iguatemipegua I, que abrange os Tekohá - terras tradicionais - Mbarakay e Pyelito Kue, reconhecendo como de ocupação tradicional do povo Guarani Kaiowá uma área de 41,5 mil hectares.

Logo após a publicação do relatório, a comunidade se posicionava: a aprovação deste havia sido uma vitória de sua luta - e, no entanto, ainda viviam sob os mesmos 1 hectare de terra. À luz de quase um ano de publicação do relatório de identificação da área, a resposta governamental manteve os ares de pirofagia política, em detrimento de uma ação efetiva que solucionasse os conflitos e fizesse valer a Constituição Federal.

Primeira carta

Escrita à mão em 8 de outubro de 2012 por um jovem estudante Kaiowá - numa folha pautada e em português, após uma longa conversa entre os membros da comunidade - o documento questionava uma decisão judicial de reintegração de posse que retiraria os indígenas daquele um hectare de terra, retomado há quase um ano pelas famílias de Pyelito.

A carta foi entregue, na manhã do dia 8, a membros do Conselho do Aty Guasu, organização política dos indígenas Guarani e Kaiowá, num trecho da estrada vicinal que leva ao acampamento. Não havia sido possível aos indígenas chegarem à aldeia, em função de um bloqueio dos proprietários e arrendatários da fazenda que incidem sobre o território reivindicado pelos indígenas. À tarde, o Aty Guasu publica em seu perfil do Facebook a carta que sacudiria o Brasil e o mundo e reposicionaria os Guarani Kaiowá e o universo indígena na pauta do dia da imprensa, do governo e da sociedade.

Mobilização

O documento provou o poder de mobilização social dos indígenas e a solidariedade geral da sociedade envolvente. Milhares de pessoas saíram às ruas, no Brasil e no mundo, em defesa da demarcação dos territórios tradicionais dos Kaiowá e Guarani; centenas de cartas foram escritas ao governo. Parlamentares, intelecutais e ativistas, muitos deles pelas primeira vez, travaram contato com a luta dos indígenas do Mato Grosso do Sul.

Apesar do apoio e reconhecimento alcançados pelos Kaiowá, o cotidiano da comunidade permaneceu bastante violento. Menos de um mês depois do lançamento da carta, uma indígena de Pyelito Kue foi estuprada por oito pistoleiros, que a amordaçaram e apontaram uma faca em seu pescoço, enquanto a violentavam. Um sem-número de intimidações e ataques à comunidade foram relatados pelos indígenas às autoridades. Em abril, um fazendeiro cuja propriedade incide sobre Pyelito entrou com um pedido de interdito proibitório da Justiça Federal de Naviraí.

Leilão

Fazendeiros do Mato Grosso do Sul irão leiloar "de galinha a vaca OP [gado de Origem Pura]" para financiar a luta contra indígenas. Organizado por associações de criadores de gado e produtores rurais do estado, os recursos arrecadados no chamado "Leilão da Resistência", anunciado para o dia 7 de dezembro, serão destinados a ações de combate às ocupações de terras por indígenas no estado.

Indígenas e organizações sociais lançaram uma carta aberta à presidenta Dilma Rousseff exigindo uma intervenção federal no Mato Grosso do Sul, acusando proprietários rurais de estarem "organizando força paramilitar para atentar contra a vida de coletividades e contra o Estado de direito no Brasil”.

26 de novembro de 2013

Dia de Marçal, dia de luta Guarani Kaiowá

Egon Heck, CIMI - O grito guerreiro, do fundo da terra, da floresta ou da raiz continuará anunciando um novo amanhecer. Não podem matar nosso sonho. “Somos lutadores resistentes de uma causa invencível, não somos apenas sobreviventes de uma guerra secular, mas portadores de sabedoria para novas sociedades”. Semelhante grito continua a ressoar mundo afora.

Lembrar a memória de um guerreiro que tombou na luta pela terra, pelos direitos de seu povo é sempre um momento de fortalecer a resistência e convocar todas as forças e energias para a conquista definitiva dos direitos, especialmente de seus territórios tradicionais.

Apesar das circunstâncias bastante ameaçadoras, os Kaiowá Guarani não se deixaram intimidar e foram celebrar e honrar a memória de Marçal de Souza, ou Tupã’i (pequeno deus), ontem (25 de novembro)  na terra indígena Nhanderu Marangatu, onde há 30 anos Marçal foi assassinado.

Situação vergonhosa

Em carta que fizeram chegar à presidente Dilma, jovens e adolescentes Kaiowá e Guarani que estiveram em Brasília recentemente lembram, mais uma vez, a gravíssima situação em que se encontram nos acampamentos, retomadas e confinamentos e afirmam: “o nosso grande problema é a falta de terras demarcadas, de modo que possamos recuperar plenamente nossa autonomia e nosso teko porá, as boas práticas ensinadas pelos nossos ancestrais...”.

Já nesta semana foi encaminhada à presidente Dilma uma carta assinada por várias organizações indígenas, dentre as quais a Aty Guasu Kaiowá Guarani, e entidades indigenistas exigindo “uma intervenção federal imediata no Mato Grosso do Sul, de modo a evitar mais uma tragédia anunciada no Brasil”. Concluem afirmando que “O poder público pode e deve evitar esta "tragédia anunciada”, repetição sistemática do genocídio contra os povos indígenas. E isto precisa ser feito agora. O reconhecimento e a demarcação das terras indígenas é a verdadeira solução para a situação que está posta no Mato Grosso do Sul.”

Os fazendeiros, por sua vez, estão a todo vapor, preparando o leilão vergonhoso, que ousam chamar de “da resistência”. Em tom ameaçador, como de quem está acima da lei, propalam a data limite para a solução do problema das terras indígenas, final de novembro, ou seja, daqui a uma semana. Não é preciso ser nenhum futurólogo para prever que o governo não resolverá essa situação até a data estipulada. E o que acontecerá, então? De quem será a responsabilidade das tragédias anunciadas?

Enquanto isso o governador do estado mais violento contra os povos indígenas, André Puccineli, continua sua cruzada e catilinária contra o Cimi, acusando-o de ser “o braço facista da CNBB”, em afirmações eivadas de preconceito e ódio. Há que se perguntar quem é o braço fascista do agronegócio.

Yvy Katu – nenhum palmo atrás

Essa decisão de mais de cinco mil Guarani Nhandeva da Terra Indígena Ivy Katu demonstra a disposição, mesmo em circunstâncias extremamente desiguais, de viver e lutar pelo seu território. As ordens de despejo vão aumentando, o que deixa antever a proporção dos conflitos.

O Ministério Público Federal de Dourados está empenhado em mediar uma conversação com a participação da justiça e das partes envolvidas, buscando um acordo possível para evitar mais ameaças e violência. Enquanto isso aguarda uma posição firme do governo federal, assumindo a responsabilidade do Estado brasileiro que doou os títulos da terra na colônia federal de Iguatemi. Sem essa indenização dificilmente haverá uma saída justa dos direitos indígenas à suas terras tradicionais.

25 de novembro de 2013

Acusados de “guerrilheiros” pela Justiça, indígenas Guarani afirmam que irão resistir contra nova reintegração de posse em Yvy Katu


CIMI, por Ruy Sposati

Há 45 dias acampados em seu próprio território, os Guarani Ñandeva não dão sinal de que irão ceder às pressões de fazendeiros e às reintegrações de posse contra as ocupações de 14 propriedades que incidem sobre a Terra Indígena Yvy Katu. Localizada entre municípios de Japorã e Iguatemi, fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai, a área foi declarada como terra indígena em 2005 pelo governo federal.

Segundo a comunidade, 100% dos 7,5 mil hectares antes ocupados por fazendas está sob o controle dos Guarani. Os fazendeiros utilizavam a terra para criação de gado, que já foi retirado das fazendas pelos proprietários. Estradas e vicinais estão sob o controle dos indígenas. Ao menos duas vezes por semana, famílias e lideranças de todas as áreas retomada se reúnem em assembleias para discutir o dia-a-dia dos acampamentos, compartilhar informações e notícias de jornais locais, e decidir os rumos da luta pela demarcação de Yvy Katu.


Os guerreiros se allinham com suas crianças, arcos, flechas, facões, maracás e lanças; as mulheres com suas taquaras e bebês a tira-colo; as crianças com espadas de brinquedo e galões de água. Uma Nãndesy abençoa a cada um dos indígenas enfileirados, bem como suas armas tradicionais e seus pés. Muitos vestem máscaras, por temer se tornarem alvo de ameaças e ataques individuais dos “seguranças" contratados por fazendeiros.

Em meio a um longo discurso em Guarani durante uma assembleia na última sexta-feira, 22, o trecho em português gritado por uma mulher de 65 anos sintetizou com clareza a posição unânime da comunidade em resistir, sob quaisquer circunstâncias: “Estou aqui com meu povo. Nós somos 5 mil. Aqui tem homens, mulheres, crianças. Nós vamos ficar aqui. Nós não vamos sair. Que venham 20, 40, 200, 1000 tratores. Vocês querem nos matar e nós estamos prontos para morrer. Essa é a minha palavra”.

"A gente é livro vivo" - ouça discurso de liderança em defesa de Yvy Katu

Durante a reunião, os indígenas tomaram conhecimento de que a Justiça Federal de Naviraí concedera, no último dia 18, mais uma reintegração de posse contra a comunidade, em favor da Agropecuária Pedra Branca. Na decisão, a Justiça afirma que a atuação dos indígenas carrega "características de guerrilha e forte oposição ao Estado”. Esta é a segunda reintegração desde o início das novas retomadas, em primeiro de outubro.

A outra decisão judicial veio em favor do proprietário da fazenda Chaparral, Luiz Carlos Tormena, no dia 31 de outubro. Após "tentativa" de execução da ordem de expulsão pela Polícia Federal no dia 6 de novembro - considerada truculenta pelo Conselho do Aty Guasu, grande assembleia Guarani e Kaoiwá do Mato Grosso do Sul -, a Justiça determinou um prazo de dez dias para que os indígenas saíssem voluntariamente das propriedades ocupadas. O prazo venceu na última sexta - e os indígenas não deixaram a Chaparral. Ali, a reintegração é iminente.

“O povo guarani está bastante unido e pronto para resistir a qualquer tipo de ataque ou ameaça”, explica uma das lideranças, que prefere não ser identificada e nem fotografada. "Temos 800 crianças nas escolas que não estão estudando por causa das ameaças. Estamos todos juntos e prontos para morrer”.
  
Os indígenas relatam ataques, disparos e intimidações por parte de fazendeiros da região, contrastando com o apoio que os indígenas tem recebido da comunidade local - a prefeitura e a presidência da Câmara dos Vereadores de Japorã apóiem abertamente a luta dos Ñandeva. Durante a assembleia de sexta, ao menos dez veículos tentaram trespassar o bloqueio de uma das vicinais que atravessa o acampamento, a menos de 50 metros da reunião.

Antes de retomarem o território de Yvy Katu, os indígenas estavam ocupando apenas 10% da área total reivindicada, por força de decisão judicial. "Nós aceitamos esse acordo [da Justiça] com o compromisso de que enquanto estaríamos nos 10%, a demarcação da terra seria concluída. Mas nós entendemos que foi um erro aceitar esse acordo, porque nos enganaram, porque depois disso tudo ficou parado como estava. Então agora nós só vamos aceitar acordo de 100%. 100% da terra é nossa, nós não vamos sair mais”.

“Jogaram na mídia que conseguiram 500 cabeças de gado pra leilão, para adquirir recursos principalmente para segurança. Quando falam isso, querem dizer jagunço, nós entendemos”, comenta a liderança, a respeito do Leilão da Resistência, organizado por associações de criadores de gado e produtores rurais do estado. "Se acontecer uma tragédia, nós responsabilizamos o governo".

Organizações sociais lançaram uma carta aberta à presidenta Dilma Rousseff exigindo uma intervenção federal no Mato Grosso do Sul, acusando proprietários rurais de estarem "organizando força paramilitar para atentar contra a vida de coletividades e contra o Estado de direito no Brasil”.

Histórico

Os Guarani reivindicam a conclusão da demarcação da Terra Indígena Yvy Katu, com 9,4 mil hectares.

Estudos da Fundação Nacional do Índio (Funai) e de uma perícia judicial comprovaram que os Ñandeva ocupavam a área de Yvy Katu no período da colonização da região, de onde foram expulsos em meados de 1928. A maioria dos indígenas foi confinada na reserva de Porto Lindo, localizada no município de Japorã, junto de outras famílias Guarani do sul do estado.

Iniciada há 29 anos, a demarcação da Terra Indígena Yvy Katu, na qual a reserva de Porto Lindo está incorporada, foi interrompida diversas vezes por recursos judiciais. Em 2003, para pressionar o governo e o judiciário, os indígenas realizaram a primeira retomada de seu território tradicional, expulsando não-indígenas de 14 diferentes fazendas na área reivindicada.

Em junho de 2005, o Ministério da Justiça editou a Portaria no. 1289, declarando os 9,4 mil hectares de Yvy Katu como de posse permanente dos indígenas. A demarcação física já foi realizada, faltando apenas a homologação pela Presidência da República, ato final da demarcação. Os indígenas ocupam, atualmente, 10% do total da área demarcada, por força de decisão judicial.

Em março deste ano, a Justiça considerou nulos os títulos de propriedade incidentes sobre a Terra Indígena Yvy Katu, atestando a validade do processo demarcatório da área.