9 de janeiro de 2014

'O fogo não pode ser um instrumento político'

Foto Alceu Castilho, em Humaitá AM
Por Alceu Castilho, jornalista e escritor


Fico pensando no fogo. Na banalização do fogo. O fogo que matou Ana Clara, a menina de 6 anos, no ônibus no Maranhão. O fogo que incendiou a secretaria de saúde indígena em Humaitá (AM), e os carros [na foto] e barcos da Funai no mesmo município. O fogo.


O fogo não pode ser um instrumento político. O Muro de Berlim foi demolido - e não incendiado. Grandes vergonhas da humanidade (a Inquisição, o Holocausto) o utilizaram como instrumento. No Brasil, 2014, a banalização dos incêndios ganha um potencial alastrador. Infernal.

A abertura do meu livro preferido começa com fogo. O fogo que Alejandra ateia em si mesma e na sua casa em Barrancas, em Buenos Aires. Numa busca desesperada de purificação. (Ernesto Sabato, Sobre Heróis e Tumbas)

O fogo está também no Cortiço, de Aluizio Azevedo. O fogo que queima cortiços é também o fogo que destrói favelas nas metrópoles. E que mata gente. Fogo da gentrificação, no mínimo fogo da exclusão.

O fogo que matou a menina Ana Clara e destruiu equipamentos indígenas (e, talvez, o carro dos desaparecidos em Humaitá) representa algumas décadas de retrocesso para o país. Ele é ateado também pela omissão do Estado.


A sociedade brasileira está brincando com ele: com fogo. Não será o único horror, em meio a decapitações, às matanças no campo e na cidade (por armas de fogo), ao trânsito assassino e legitimado por um sistema econômico obtuso.
Mas fico pensando no seu horror específico.

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