Liderança Tupinambá participou, juntamente com seu primo, o Cacique Ramon, do Encontro Nacional de Formação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que reúne agentes pastorais de todo o Brasil com o objetivo de discutir o bem viver e o decolonialismo. O evento ocorre em Brasília entre os dias 18 a 21 de outubro.
Foto _ CPT Nacional |
Por Elvis Marques - Comunicação da Secretaria Nacional da CPT
Rosivaldo Ferreira da Silva, o Cacique Babau [à esquerda], da Terra Indígena (TI) Tupinambá da Serra do Padeiro, e Cacique Ramon, da TI Tupinambá de Olivença, situadas no sul da Bahia, contribuíram com o Encontro de Formação a partir das experiências de bem viver da etnia. Os Tupinambá, cerca de 8 mil, estão organizados em duas Terras Indígenas, a Tupinambá de Olivença, formada por 22 aldeias, e a Serra do Padeiro, que é uma única aldeia. Todas essas aldeias constituem um único território, com cerca de 47.343 mil hectares. Uma região onde ainda é possível encontrar um dos biomas brasileiros mais degradados, a Mata Atlântica, que ali está conservada.
“Nós somos os primeiros povos a se fazer presente contra a invasão, desde a época da chegada dos portugueses no Brasil. Mas até hoje sofremos muitas invasões em nossos territórios ancestrais, mas nunca saímos e resistimos em nossos territórios”, contextualizou Ramon. Para ele, viver em uma das “poucas áreas de Mata Atlântica existentes desperta muitos interesses, mas resistimos e não vamos sair de lá”, reafirma.
E os interesses, consequentemente os conflitos, partem do governo e do latifúndio. “O governo nos atacou de todas as formas. Chegamos a ter mais de mil policiais na Serra do Padeiro”, lembra Babau. Em outro episódio, conforme a liderança, no ano de 2008, “cerca de 180 policiais, sem mandado e nem nada, nos atacaram. Atacaram as crianças que estavam indo para a escola e as que estavam estudando”, denuncia. Com isso, inúmeros indígenas saíram e/ou foram expulsos da TI. Se nas aldeias da Bahia são 8 mil indígenas, Cacique Babau ressalta que existem aproximadamente 20 mil Tupinambás espalhados pelo Brasil, seja nos territórios ou na cidade. “Já visitei alguns em Rondônia, também em São Paulo”, conta.
Babau também abordou a conjuntura política, momento em que citou os três últimos chefes do Executivo nacional: Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (PMDB). “Muitos dos problemas que estão aí não foram criados agora por esse governo [Temer]. Um dos maiores problemas no Brasil, o tal do Matopiba, que o nome já começa dizendo que mata [risos], é hoje o maior problema para os ribeirinhos, pescadores, indígenas e outros povos. O projeto não foi criado apenas para delimitar um território para o agronegócio plantar. Eles, do agronegócio, observaram a luta dos povos tradicionais, pois viram que estavam perdendo território, e foram lutar por um, o território do Matopiba. E é uma área que não é só do Brasil. Os donos são de vários países”, afirma a liderança.
Para Babau, o atual governo criou uma cisão perigosa no Brasil, “pois dividiu a população entre dois partidos. As pessoas não param de brigar, dizendo que um é melhor e o outro o pior. Precisamos é nos unir e lutar por aquilo que estamos perdendo”, analisa. Cacique Babau também é cético em relação às pessoas que depositam esperança em governos e em religiões, contudo aponta caminhos que passam pelo bem viver. “Nenhum governo vai salvar ninguém. Nenhuma religião vai salvar ninguém. O que vai salvar é um ajudar o outro. Compartilhar com o outro. Porque é tão difícil eu pegar um alimento e ajudar uma pessoa que está precisando? Sendo que é tão fácil pegar o que temos e dar para uma igreja e chamar quem está precisando de vagabundo”, questiona.
Sobre o bem viver, Babau frisa que é necessário “ter um ponto de partida e um de chegada. Não é apenas plantar uma roça e partilhar com o vizinho. O nosso bem viver se torna cada vez mais sólido porque nossos encantados nos disseram: ‘olha, as pessoas estão caçando e matando os animais, matando a natureza. Então vocês precisam proteger a natureza e deixar ela viver, deixar de caçar e pescar’. Passamos a cultivar, não para concentrar, mas para nos alimentarmos. Estamos nos adaptando a essa nova realidade”. Foto_ CPT Nacional
Espiritualidade, política, bem viver, auto-organização, juventude, chegada dos portugueses no Brasil, e conflitos no campo são alguns dos assuntos abordados pelo Cacique Babau. Confira a entrevista:
Cacique Babau, o Encontro Nacional de Formação da CPT deste ano debate o Bem Viver e Decolonialismo. Para os indígenas Tupinambá, o que significa bem viver?
O bem viver só existe quando não só você está feliz, mas tudo à sua volta está feliz. Eu falo sobre os animais, os pássaros, as pessoas que estão em volta da gente têm que estar felizes. Todo pequeno produtor no entorno da Aldeia [Tupinambá], pessoas ligadas ao Movimento Sem Terra, nós damos assistência. Ou seja, a felicidade tem que ser coletiva. Então, se você está feliz aqui, mas seu vizinho está revoltado, que felicidade é essa?
O Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados 2016, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), mostra que, em comparação com os números de 2015, houve um aumento significativo das violências e violações de direitos. Você, sendo uma liderança que tem se articulado com diversas etnias brasileiras, como analisa esses fatores?
A violência contra povos indígenas sempre existiu, mas agora parece ter ganhado mais visibilidade. E também este governo pegou todos os cargos de órgãos indígenas, como na Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e da Fundação Nacional do Índio (Funai), e deu para branco ligado a algum partido. Então isso contribuiu para o aumentou da violência, que é visível no país. E outra questão que está muito visível é a destruição da Funai de vez, com o objetivo de transformá-la em outra coisa que não seja protetora do direito indígena. São fatores que levam a isso que estamos vendo agora. Todos que lutam pela terra estão sendo vítimas no país inteiro, o que aconteceu na Bahia não é fato isolado [9 quilombolas assassinados até o momento, conforme dados parciais da CPT].
Há cerca de um ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), de forma unânime, decidiu por não estender as condicionantes da TI Raposa Serra do Sol (RR), com destaque ao Marco Temporal, para a TI Tupinambá de Olivença. O que significa essa decisão para a sua etnia?
O Marco Temporal para a Terra Tupinambá não se pode aplicar porque a nossa história começa desde 1500. Até agora, nós nunca saímos do nosso território, chegamos a entregar documentos que remetem a 1900. Antropólogos também fizeram um trabalho muito bom baseado nos cemitérios, onde o bisavô, avô, os tios, todos estão enterrados lá há anos. Então, como é que vai aplicar o Marco Temporal na Terra Indígena? No nosso caso, vivemos em uma terra tradicional que Cabral [Pedro Álvares Cabral] invadiu. Eu acho que a questão do Marco Temporal não prevalecerá, pois tem que revogar a Constituição, e não vão fazer isso.
Eu acredito que o Congresso é que pode impor barreiras sobre novas aquisições de terras para os povos, começar a parar de demarcar territórios e começar a criar as reservas, ao invés de demarcar as Terras Indígenas, que foi uma coisa que aconteceu lá no passado. Nessa questão das reservas, você fica deslocado de seu local originário, então você não consegue discutir a ampliação do território. Acredito que eles [parlamentares] vão trabalhar profundamente para que coisas assim possam voltar, pois agora esse Congresso começou a revogar leis, inclusive a lei da escravidão.
Em setembro, na TI Tupinambá de Olivença, ocorreu o VI Encontro da Juventude Indígena Tupinambá. Li que um dos objetivos foi retomar, de forma organizada e articulada, a participação da juventude na luta pelo território. Qual o papel dos jovens Tupinambás nesse processo?
Nossos jovens sempre fazem a frente. É quem retoma mesmo, quem vai para agricultura. Então isso aí é uma questão resolvida lá para nós. Criamos um seminário dos jovens lá só para ensinar os povos a dar liberdade aos jovens. Também temos encontros das mulheres e nós temos vários encontros desse nível.
Nenhum comentário:
Postar um comentário