Crédito da foto: Juliana Rosa/Xingu Vivo
Xingu Vivo Para Sempre em Cimi
Nesta sexta-feira, 13, cerca de 80 indígenas munduruku desembarcaram no canteiro de obras da hidrelétrica de São Manoel (MT) depois de sete dias de viagem pelo rio Teles Pire, para exigir o cumprimento de acordos fechados – e não cumpridos – com as empresas responsáveis pela construção das usinas São Manoel e Teles Pires, no Mato Grosso, firmados em julho passado. Os construtores das usinas foram responsáveis pela destruição dos dois principais locais sagrados da nação munduruku (Dekuka´a, o Morro dos Macacos, e Karobixexe, as Sete Quedas do Teles Pires e morada da Mãe dos Peixes), além da profanação de mais de dez urnas funerárias.
Ao chegarem na área da hidrelétrica, os indígenas foram recebidos por um contingente da Força Nacional de Segurança, que chegou a disparar bombas de efeito moral contra o grupo munduruku, composto por homens, mulheres e crianças. A ação foi autorizada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) em atendimento a solicitação do Ministério de Minas e Energia (MME). Um interdito proibitório – ordem judicial que antecipadamente criminalizou três lideranças indígenas e impôs multa diária de R$ 5 mil caso ocorresse alguma ação no canteiro de obras de São Manuel (de responsabilidade da EDP Brasil, Furnas Centrais Elétricas e China Three Gorges Corporation) – havia sido expedida pelo juiz Marcel Queiróz Linhares, da Segunda Vara Federal de Sinop, no último dia 11. De acordo com a imprensa local, o embarque da tropa em Brasília foi acompanhado pelo secretário nacional de Segurança Pública, general Carlos Alberto Santos Cruz, e pelo diretor da Força Nacional, coronel Joviano Conceição Lima, ontem, em Brasília (DF).
A principal reivindicação dos munduruku é um pedido formal de desculpas das construtoras das duas hidrelétricas pelos danos causados aos locais sagrados a às urnas funerárias. A demanda havia sido apresentada às usinas e ao governo federal em julho, quando ocorreu uma primeira ação na usina São Manoel. Na ocasião, foi acordada uma audiência pública para os dias 28 e 29 de setembro na aldeia Missão Cururu, no rio Cururu, em Jacareacanga, com presença prevista do Ministério Público Federal (MPF), presidência da Funai e representantes das empresas. Apenas o MPF compareceu. As empresas enviaram notificação dizendo que não se responsabilizariam pelos danos, o que motivou a nova mobilização indígena. “Estamos voltando porque é uma determinação dos espíritos. Nós temos que agradá-los com nossos rituais, mas enquanto a empresa não assumir sua responsabilidade e não pedir desculpas, nem nós e nem eles não vamos sossegar. Então nós vamos para lá com a proteção dos nossos ancestrais”, explica um dos pajés do grupo.
Negociações
Além da Força nacional de Segurança, os munduruku foram recebidos por um oficial de Justiça que, com intermediação de um delegado da Polícia Federal, apresentou a ordem judicial que os impediu de entrar no canteiro de obras. Representando o governo, a diretora do Departamento de Participação e Diálogos Sociais da Presidência, Maria Thereza Ferreira Teixeira, afirmou que intermediaria o diálogo com a empresa e com o Governo, junto com um servidor da FUNAI de Colider.
Os Munduruku explicam que vieram visitar seus espíritos ancestrais, realizar seu ritual e cobrar das empresas o cumprimento dos acordos firmados na última ocupação de UHE de São Manoel. O grupo também se dispões a negociar com os diretores das empresas e presidentes da FUNAI, IBAMA, IPHAN . Os mediadores confirmaram a presença do diretor da Diretoria de Promoção de Desenvolvimento Sustentável da FUNAI para uma reunião no dia seguinte, em Alta Floresta, mas os Munduruku sustentaram que querem falar com as autoridades que têm poder de decisão, as instâncias máximas de cada entidade, para que assumam as responsabilidades pelo que fizeram com seus locais e entes sagrados.
Ainda na noite de sexta, ficou acordado que os munduruku seriam levados para uma segunda visita às urnas funerárias no Museu de Alta Floresta, após realização do ritual noturno em Dekoka’a, onde passaram a noite dormindo sobre o cascalho ao redor de fogueiras, na direção da antiga morada da mãe das caças.
No sábado, representantes da FUNAI de Brasília chegam a Alta Floresta e comunicaram a impossibilidade de reunião com a presidência dos órgãos federais nesta data, sugerindo uma nova agenda com a presidência da FUNAI em novembro. Neste domingo, 15, os munduruku decidiram visitar as urnas funerárias e discutir posteriormente novas definições.
Leia abaixo a última declaração do grupo munduruku
O povo munduruku voltou!
Nós mulheres e homens do povo munduruku voltamos com nossos pajés para perto de nossa Dekuka’a e Karubixexe. Viemos fazer nosso ritual. Estivemos em julho aqui para conversar com os pariwat que destruíram nosso lugar sagrado. O lugar aonde nossos antepassados vivem.
Primeiro queremos os dapixiat (mentirosos) longe de nós. Não apareçam aqui, as mentiras que vocês contaram em julho escureceram nossos olhos mas nossos pajés estão conosco e agora não vão deixar que o cauxi da boca de vocês adoeça nosso povo. Queremos falar com gente séria.
Vocês pariwat não entendem o que escrevemos, ouvem agente, mas não sabem escutar. Nós realizamos a audiência sobre os nossos locais sagrados nem a FUNAI e nem os representantes das empresas compareceram, são dapxiat! (mentirosos!)
Estamos aqui pra defender nosso direito, lutar contra as ameaças ao nosso território denunciar as hidrelétricas no rio, somos como o Poy que derrotou a anta, o povo munduruku é como o jabuti vamos derrotar os nossos inimigos maiores que nós.
O ataque das hidrelétricas contra nossos locais sagrados não vai ficar assim. Não vamos sossegar até que o IBAMA cancele a licença da hidrelétrica, até que as duas empresas peçam desculpas aos nossos antepassados e ao nosso povo e cumpram o combinado para a segunda visita às nossas urnas.
Quando chegamos, fomos recebidos com bomba, uma barreira da força nacional e um papel do juiz que nos impedia de entrar no nosso próprio território, que foi roubado pela usina. Estamos esperando justiça até hoje pela destruição de Dekoka’a e a justiça funciona para proteger a usina hidrelétrica e trata nós como criminosos. Nesse papel também estava o nome de lideranças, dizendo que teríamos que pagar uma multa de R$ 5 mil por dia se ficarmos aqui.
Queremos deixar claro que não somos criminosos. Nunca matamos, nunca destruímos e nem invadimos o território de vocês. Que estamos no nosso local sagrado e que temos o direito de ficar aqui até que a gente seja atendido. Entregaram um papel escrito à caneta dizendo que vão trazer o diretor da DPDS da FUNAI. Não foi isso que pedimos e mais uma vez querem enganar a gente com um pedaço de papel que não vale nada. Para responder para MPF e para falar com os pariwat, os advogados trabalham e escrevem ofícios. Mas o povo Munduruku é tratado com esse desrespeito.
Não vamos aceitar mais uma das suas manobras.
A reunião só vai acontecer com os representantes do Governo, empresa e as lideranças indígenas que exigimos. Queremos o presidente do IBAMA, presidente da FUNAI, presidente do IPHAN e diretor-presidente da Empresa de Energia São Manoel e diretor-presidente da Companhia Hidrelétrica Teles Pires para dialogar com a gente.
Se Miguel Setas e Antonio Mexia estão em outro país, que enviem os representantes maiores da EDP no Brasil ou enviem nossas lideranças para lá, falar com eles no país de onde vem essa empresa que está nos matando.
Nossa floresta e nosso rio não é dinheiro, é a vida!
O Idixidi é o rio do povo Wuyjuyu, nós deixamos os wuyḡuybuḡun ficar no rio, só os ribeirinhos e os pescadores sabem respeitar o rio.
Não escolhemos essa guerra, mas vamos vencer!
Movimento Iperegayu
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