Por Renato Santana, Assessoria de Comunicação - Cimi
“Os pais colocam as crianças dentro de caixas d’água e dormimos
pelos cantos das casas feitas de pau a pique. Toda noite tem sido assim,
depois que os ataques começaram”. A situação é contada por R, indígena
Pataxó da aldeia Cahy, Terra Indígena Mexatibá, no extremo sul baiano.
Desde o último dia 11, a comunidade composta por 72 famílias vem sendo,
dia após dia, incendiada, atacada e os indígenas ameaçados, além de
ofendidos racialmente. Nem mesmo a escola indígena foi poupada dos
ataques.
Na primeira agressão, homens armados invadiram a aldeia e atearam
fogo na maloca de artesanatos e objetos de uso tradicional e religioso.
O atentado ocorreu na madrugada do dia 11. Na ocasião, dispararam com
pistolas contra as casas de pau a pique, que ladeiam uma retilínea rua
de terra. Nos dias seguintes, de forma ininterrupta, até a noite desta
segunda-feira, 17, homens em motos passaram a percorrer o trajeto da rua
atirando contra as moradias.
“Estamos assim, sitiados. A noite virou um terror: ninguém sai de
casa, as crianças são colocadas nas caixas d’água e quem não se sente
protegido some no mato. A gente dorme cada dia num canto, onde cada um
pensa que os tiros não chegam”, conta J. Pataxó.
Conforme os indígenas,
as ações são em represália à identificação territorial - ocorrida no
final de julho. “A Funai, depois de tanto tempo, não aprendeu que não
adianta só publicar, e com muito custo, que a terra é nossa. Nessas
bandas aqui papel não significa nada. Precisa proteger, trazer a Polícia
Federal, tirar os invasores. Porque aqui temos paus e flechas. Dá
contra arma de fogo?”, questiona a
indígena.
Pela manhã, quando saem das casas, recolhem as “cascas” dos
projéteis disparados pelos pistoleiros, noite afora. As cascas, as
marcas de tiro, a apreensão: está tudo lá para quem quiser conferir, diz
J. ao pedir que as autoridades confiram de perto os relatos.
Depois de duas decisões da Justiça Federal pela reintegração de
posse das aldeias Cahy e Gurita, a Funai publicou o Relatório
Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena
Mexatibá, anteriormente chamada de Cahy-Pequi, situada no distrito de
Cumuruxatiba, município de Prado (BA).
O que fora motivo de alegria aos
Pataxó, ansiosos pela publicação da identificação desde 2013, passou a
ser motivo de ódio aos que reivindicam o território tradicional como
propriedade. Porém, boa parte dessas ocupações, conforme os indígenas,
são irregulares, ou seja, consideradas de má-fé não serão indenizadas.
“Aqui tem lixão, assentamentos do Incra com lotes comprados por
terceiros, fazendas, retirada ilegal de areia e madeira, resorts,
hotéis. Boa parte sem título de posse, quando muito com contrato de
compra e venda. Avisamos que essa gente que não deve ter direito de
indenização ia reagir”, conta D. Pataxó.
Ameaças e denúncias
Os Pataxó afirmam que ofensas e ameaças são feitas por dois
indivíduos, um homem e uma mulher, que se dizem donos de parte das
terras onde a aldeia Cahy está instalada. Ambos costumam passar na
aldeia para desferir injúrias, ameaças e destilar ódio. A mulher,
chamada Catarina Azevedo Pompeu, reivindica a área onde aconteceu o
incêndio da maloca de artesanatos, como aponta a Funai. Catarina é dona
de um estabelecimento hoteleiro que invade a terra indígena.
Todavia, os Pataxó não sabem quem são os mandantes dos ataques.
“Não temos inimigos. Parte da aldeia Cahy, inclusive, está numa área
inutilizada. Não tem pasto, plantação. Nada. A gente pensa que querem
erguer alguma coisa aqui, pois está ao lado da rodovia. Agora são muitas
ocupações não-indígenas no território tradicional. Então não dá para
saber quem são os pistoleiros ou quem os está mandando atacar a aldeia”,
explica D. Pataxó. Os indígenas pedem proteção e investigação por parte
da Polícia Federal, pois os crimes ocorrem dentro da terra indígena e a
Polícia Civil não demonstra empenho em fazer o inquérito apontar os
responsáveis – há indícios sobre a participação de policiais nos
ataques.
Um documento foi enviado ao Ministério Público Federal (MPF)
relatando a situação e solicitando às autoridades providências quanto à
proteção da comunidade. A Polícia Civil esteve no local para realizar
perícia técnica. A Funai visitou a aldeia, mas sem a Polícia Federal e
ainda não informou quais medidas serão tomadas para garantir a proteção
da aldeia. “Enquanto isso, seguimos aqui no terror, mas não vamos sair.
Passamos por isso várias vezes. Já fomos atacados, assassinados,
espancados, xingados. Branco não entende que queremos o que é nosso.
Bisavôs e os mais lá atrás nasceram e se criaram tudo aqui. Viver na
cidade para as crianças é ruim, olha como é que o branco é. E o índio é
besta de querer isso para o próprio filho?”, declara J.
Escola atacada
Na aldeia Cahy está a escola indígena. Única construção de
alvenaria, sofreu um ataque há poucos dias. Na estrutura, são atendidas
270 crianças, sendo 80 delas da própria aldeia. As aulas estão
comprometidas pela insegurança e pelo medo. “Estamos ilhados aqui. A
escola, daqui a pouco, vai servir apenas para se proteger dos tiros. As
autoridades demoram para agir. Ficamos anos esperando pela publicação da
identificação e agora parece que serão mais alguns anos para que
possamos viver em paz, com nossa terra identificada”, lamenta R. Pataxó.
De acordo com o presidente da
Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí), o antropólogo e
indigenista José Augusto Sampaio, em nota publicada na última semana e
com base em denúncia dos indígenas atestada também pelos servidores
locais da Funai, “na própria semana de publicação do relatório de
identificação, pistoleiros e supostos policiais atacaram a própria
escola indígena da comunidade, numa ação que teria sido demandada e
comandada pelo servidor do Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio) Geraldo Pereira, chefe do Parque Nacional do
Descobrimento, que também incide sobre a terra indígena”. A pressão do
ICMBio sobre os indígenas não é novidade, sendo alvo de mediações
realizadas em Brasília e ações na Justiça.
Por trás de todos esses ataques,
indígenas, servidores da Funai, antropólogos e os missionários
indigenistas do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organização que
trabalha junto aos Pataxó, são categóricos: tratam-se de interesses
tanto de poderosos fazendeiros quanto de especuladores que enxergam nos
28 mil hectares reconhecidos pelo Estado como do povo Pataxó um espaço
para a exploração turística, entre outros negócios privados. Com a
identificação do território, a tática agora se concentra na intimidação
pela violência e ameaças.Ler original AQUI.
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