Por Renato Santana, Assessoria de Comunicação - Cimi
Os Guarani e Kaiowá
do tekoha – lugar onde se é - Ñanderu Marangatu retomaram desde o último
sábado, 22, quase a totalidade de áreas invadidas e localizadas dentro
dos limites da terra indígena, já homologada pela Presidência da
República, cujos efeitos do decreto estão suspensos pela Justiça desde
setembro de 2005. No total, os indígenas ergueram acampamentos em cinco
propriedades: Primavera, Pedro, Fronteira, Barra e Soberania. Restam
apenas duas fazendas para Ñanderu Marangatu, localizada no município de
Antônio João, Mato Grosso do Sul, ser ocupada na íntegra pelos
indígenas. Os Guarani e Kaiowá, diante de ataque sofrido e denunciado no
início da semana, exigem do governo a presença da Força Nacional na
região.
Conforme os
indígenas, quando a primeira retomada se desenrolou na Fazenda
Primavera, durante a madrugada do sábado, parte da comunidade permaneceu
na única aldeia que abrigava os Guarani e Kaiowá de Ñanderu Marangatu.
Aqueles que não se dirigiram ao acampamento da retomada, sobretudo
mulheres e crianças, viram a chegada dos policiais do Departamento de
Operações de Fronteira (DOF) à aldeia e uma sequência de tiros
disparados para assustá-los, na análise dos próprios indígenas.
“Atiraram contra a
aldeia e parece que não foi para acertar ninguém, porque se quisessem
não daria para errar. Mulheres e crianças, assustadas, correram ou se
protegeram”, diz uma liderança Guarani e Kaiowá. Os entrevistados não
serão identificados por razões de segurança. Depois do ataque, os
indígenas decidiram não recuar; ao contrário, a comunidade decidiu
retomar mais quatro fazendas como uma forma de sinalizar que os Guarani e
Kaiowá não desistirão de suas terras e “se tivermos que morrer aqui,
nós vamos. Estamos cansados de esperar”, ressalta a liderança.
Servidores da
Fundação Nacional do Índio (Funai) estiveram na tarde desta terça-feira,
25, no tekoha Ñanderu. Ouviram as denúncias dos Guarani e Kaiowá. De
acordo com os indígenas, representantes da Aty Guasu, principal
organização política do povo, solicitarão apoio ao Ministério Público
federal (MPF), Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal
e Anistia Internacional. “A terra está homologada, mas o governo
federal não pagou as indenizações para os ocupantes não indígenas.
Outros não queriam sair dizendo que as terras nunca foram dos índios.
Então parou na Justiça”, explica uma das lideranças da Aty Guasu.
O decreto de
homologação de Ñanderu Marangatu teve os efeitos suspensos pelo Supremo
Tribunal Federal (STF), a pedido dos fazendeiros, há dez anos, em
setembro de 2005. A decisão liminar foi do então ministro Nelson Jobim e
dizia que os efeitos do ato presidencial permaneceriam suspensos até a
ação judicial ser julgada. Hoje o processo encontra-se com o ministro
Gilmar Mendes, e segue paralisado. Meses depois da homologação ter sido
suspensa, em dezembro, a comunidade foi retirada à força de Ñanderu
Marangatu. As cenas do despejo rodaram o mundo e até hoje impressionam
pela violência das forças policiais do Estado – assista aqui.
Egon Heck, missionário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e que trabalhou por mais de uma década no Mato Grosso do Sul, lembra que Ñanderu Marangatu foi palco de assassinatos contra lideranças Guarani e Kaiowá, caso de Marçal Tupa’i. Para o missionário, as retomadas são “em
nome de Hamilton Lopes, que faleceu em 2012, de Marçal de Souza Tupa’i,
assassinado em 1983, Dorvalino, assassinado em dezembro de 2005, Dom
Quitito, que morreu em abril de 2000, e de todos os heróis guerreiros e
inocentes crianças que morreram”.
A guerra Guarani e Kaiowá
Os Guarani e Kaiowá de Ñanderu
Marangatu foram expulsos de seu território na década de 1950. Os colonos
chegaram à região, tomaram as terras e obrigavam os indígenas a
trabalhar em situação análoga à escravidão. Hoje em dia a situação não é
muito diferente – assista aqui.
"Esperamos muito já, mais de 17 anos, entre despejos e vida na beira da
estrada. Aqui morreu liderança, como Marçal Tupã. Ministro da Justiça
(José Eduardo Cardozo), Funai, o governo, né, precisa atuar nisso agora.
Sofrimento nosso já anda pelo mundo todo. Governo não vê? Nossa decisão
coletiva então é pela autodemarcação”, analisa outra liderança Guarani e
Kaiowá.
De acordo com carta divulgada na
ocasião da primeira retomada, “Ñanderu Marangatu acordou para valer”.
Uma liderança da retomada explica um pouco mais o desejo do povo: “Vamos
lutar pra harmonia, esperança e alegria. Alimentos bons. Governo tem de
lutar pela vida das pessoas, mas acha que só alguns podem viver. Branco
não sabe governar para todo mundo, mas só para alguns. Precisa aprender
que governo bom é aquele que entende e obedece a nossa Mãe (Terra)”,
ensina o indígena.
“Índio é pai e irmão do branco. O
branco não sabe que quando maltrata índio faz mal pra ele mesmo. Quando
chegaram aqui com a erva mate, mataram nossos avôs, bisavôs. Agora é com
a caneta. É preciso dizer que não estamos invadindo nada, mas voltando
para os nossos tekohas”, conclui. Outra liderança da Aty Guasu se
mostrou preocupada com a aprovação pela Câmara Federal, na primeira
quinzena de agosto, da Lei Antiterror.
“Fazendeiros já dizem que polícia vai
começar a nos enquadrar como terroristas. Preocupante, é um desabafo.
Política do branco no Brasil não permite diálogo: enganam a gente,
enrolam e chamam para reunião e depois outra reunião. Passa o tempo e
aparecem essas leis. Acabou. Branco fala muita mentira, diz que Guarani e
Kaiowá é bandido, ladrão de terra, quadrilha, terrorista. Não foi a
gente que invadiu a casa do outro e expulsou todo mundo”, desabafa.
Para os Guarani e Kaiowá, o povo está
em guerra. “Mas nossa guerra não é suja. Nossa guerra não é por ódio,
por querer roubar ou matar ninguém. É pela terra, pela vida. Pode estar
destruída pelo pé do boi, mas ninguém vê o que vemos ali. Nossa guerra é
com antepassados, com maracá e reza. Nossa gente é pacífica, olha além,
sabe o que precisa fazer. Vamos dar a vida por isso”, disse uma das
lideranças.
O Guarani e Kaiowá finaliza mandando
um recado para o governo federal e fazendeiros: “Somos o dono da terra.
Sem a gente vocês não vivem não. Aqui não tem mais brincadeira. Não
conseguimos mais chorar. Vamos morrer tudo porque a gente é parte da
terra. Branco não percebe nada. Usa a terra pra ganhar dinheiro. Branco
não mata pela terra, mata pelo dinheiro que ela dá. A gente morre pela
terra pela vida que ela nos dá”.
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