“Agenda contra o Brasil”
Em artigo de opinião, o sócio fundador do ISA Márcio Santilli
critica a "Agenda Brasil", série de propostas apresentadas por senadores
nesta semana e abraçadas pelo governo que, sob o pretexto de debelar a
crise política e econômica, pretendem mexer na legislação das Terras
Indígenas e do licenciamento ambiental, entre outros pontos, ameaçando
os direitos de populações vulneráveis
Márcio Santilli |
Acredite se quiser: no bojo da crise política em que o país se
afunda, o Senado lança algumas tábuas de salvação à presidente Dilma
Rousseff e à pátria, com 28 providências garimpadas entre proposições
legislativas em tramitação ou na intenção dos seus membros. Entre as
toras trançadas para configurar a balsa, as terras indígenas emergem
como se fossem um elemento substancial para superar a crise. Outras
propostas completam a arquitetura: esticar as contribuições
previdenciárias e fragilizar o licenciamento ambiental das grandes
obras.
Anunciada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a
pauleira foi batizada de “Agenda Brasil” e interpretada como sendo um
lance para isolar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que
está em guerra declarada contra a presidente. Esta, por sua vez, logo
afirmou que “a agenda é muito bem-vinda e há concordância plena do
governo com a maioria dos pontos levantados”, sem dizer quais. Reunidos
em Brasília, o vice-presidente Michel Temer e os ex-presidentes Lula e
Sarney elogiaram a iniciativa de Renan, mas a classificaram como “pauta
para combater a crise” a ser complementada com sugestões da Câmara.
O presidente do Senado, Renan Calheiros, o ex-presidente José Sarney,os senadores Jáder Barbalho (PMDB-PA) e Romero Jucá (PMDB-RR), o ex-secretáriogeral da Presidência Luiz Dulci, os ministros Henrique Alves (Turismo) e Eduardo Braga(Minas e Energia), o ex-presidente Lula, o vice-presidente Michel Temer e o senadorEunício Oliveira (PMDB-CE) tomam café, nesta semana, para discutir a Agenda Brasil| Romério Cunha-Vice-presidência |
Na visão da elite política, a tal “crise” não tem a ver com a
depressão da indústria, com a depreciação das commodities agrícolas e
minerais, com o superfaturamento das obras públicas e com a gincana de
corrupção que colocou em cana ou sob investigação os maiores
empreiteiros do país, grandes figurões que agora se digladiam. A pauta
anticrise pretende abrir o litoral, as áreas litorâneas e indígenas,
para esgarçá-las sob mesmo modelo produtivo agromineral que se exaure
nessa crise.
Ao agrupar propostas referentes à infraestrutura, a “pauta” inclui
“revisão dos marcos jurídicos que regulam as áreas indígenas, como forma
de compatibilizá-las com as atividades produtivas”. Não se trata de
apoiar os índios nas atividades nas roças, construção de casas, escolas e
postos de saúde, extração sustentável de produtos da floresta, ou para
ampliar a produção de excedentes de farinha de mandioca ou de mel. O que
se sugere é a violação do direito de usufruto exclusivo reconhecido aos
índios pela Constituição sobre todas as riquezas “do solo, dos rios e
dos lagos” existentes nas suas terras, com a atribuição de direitos a
terceiros sobre essas terras e os seus recursos naturais.
Também impressiona que essa agenda incorpore a demanda das
empreiteiras por flexibilizar e acelerar o licenciamento ambiental
(“fast-track”) das obras de infraestrutura, o que significa fixar um
prazo máximo para os estudos sobre impactos sociais e ambientais dessas
obras, aumentando ainda mais o seu já impagável custo socioambiental,
que fica para a sociedade e as futuras gerações.
Aposentados e outros grupos vulneráveis também foram elencados entre
os alvos pretendidos dessa “pauta” que, assim, ganhou aplausos do
governo (?) e perdeu o qualificativo de “bomba” que o assustava muito
mais. É claro que esta conta não paga a conta da crise e só oferece mais
sangue para os que a criaram e agora rebolam para dela se safarem. Eles
falam da crise entre eles: é uma “Agenda contra o Brasil”.
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