31 de agosto de 2015

Crianças indígenas agem como guerreiros e conflito por terras suspende aulas

As aulas foram suspensas para índios e filhos de fazendeiros

Foto: Álvaro Rezende


Celso Bejarano, do Correio do Estado

Ao menos 450 alunos, entre crianças e adolescentes índios estão sem aulas desde o início dos conflitos envolvendo indígenas e fazendeiros na região de Antônio João, cidade sul-mato-grossense, na fronteira com o Paraguai. Com a escola fechada dentro da aldeia e sem ônibus para transportá-los até a cidade, restaram aos estudantes guarani-caiuás, com até cinco anos de idade, juntarem-se aos adultos e equiparem-se com flechas, feitos guerreiros.
Índios e fazendeiros travam há 11 dias um duelo pelo domínio de fazendas que teriam sido declaradas território indígena, em 2005, pelo ex-presidente Lula, mas a medida fora contestada judicialmente pelos ruralistas. No sábado (29) à tarde, um índio foi morto baleado na cabeça.
A reportagem do Correio do Estado notou que no dia mais delicado do confronto, no sábado, crianças corriam e espalhavam-se pela mata com os adultos, assim que viram camionetes indo para as fazendas que haviam sido invadidas dias atrás.
Um garotinho pequeno, segurava uma flecha, provavelmente feita por ele mesmo, com gravetos. Outro maior, com aparência de dez anos de idade, vestido com uniforme escolar, também agitava-se com uma flecha.
Ainda no sábado, os ruralistas que ocupavam ao menos 40 camionetes, entraram dentro de duas fazendas invadidas, a Barra e a Fronteira. Quando perceberam os fazendeiros, os índios recuaram. Policiais foram para o local depois que um índio já havia morrido com tiro no rosto. Para a polícia, ainda não se sabe de onde partiu o tiro que matou o guarani.
Além da morte do índio Simeão Vilhalva, outro índio de 27 anos foi levado para o hospital com ferimento na cabeça. Uma mulher e uma criança de um ano de idade foram feridas com balas de borracha.
Sem aulas, sem comida
Somente na aldeia Campestre, 7,5 quilômetros da área urbana de Antônio João, cidade distante 160 km de Itaporã, cursam o ensino infantil, fundamental e educação indígena, ao menos 370 índios na Escola Municipal M’bo Eroy Tupã I Arandu Renoi, fechada desde o dia 21, data do início das ocupações das fazendas. Os índios guarani ocuparam sete áreas que seriam deles, mas duas delas já foram retomadas pelos fazendeiros.
A reportagem tentou entrar na aldeia Campestre, onde fica a escola, mas não foi autorizada pelos líderes da comunidade. Sem aulas, as famílias das crianças índias estariam com dificuldades de alimentar os filhos, pois eles dependem da merenda escolar. A comunidade recebe o Bolsa Família, programa do governo federal que paga a elas parcela mensal de até R$ 175.
Além dos cerca de 370 alunos da M’bo Eroy, outros 80 alunos que cursam o ensino médio e o Educação de Jovens e Adultos, o EJA, precisam transporte escolar até as escolas de Antônio João. Ocorre que os veículos não têm circulado durante os conflitos.
Alunos índios estudam nas escolas estaduais Pantaleão Coelho Xavier, Aral Moreira e ainda na escola municipal Maicka Sanabria Pinheiro.
A diretora da escola Aral Moreira, Selzanet Ramirez, onde ao menos dez índios estudam à noite, disse que além do risco de os alunos reprovarem por faltas, há uma perda maior a eles. “Reprovar pela falta é mais difícil, mas eles vão ficar com defasagem no aprendizado”, disse a diretora.
 

Anistia Internacional repudia assassinato de líder indígena no Mato Grosso do Sul e pede urgência na investigação

Guarani Kaiowá, 2009. | ©Amnesty International


Anistia Internaciona Brasil

A Anistia Internacional manifesta sua preocupação com o agravamento da violência contra o povo Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul. No dia 29 de agosto de 2015, um ataque às terras Ñanderú Marangatú no município de Antonio João, deixou mulheres e crianças feridas e o indígena Simião Vilhalva morto.
Ñanderú Marangatú é uma terra indígena tradicional Guarani e Kaiowá demarcada e homologada desde 2005. Entretanto, a suspensão dos efeitos da homologação, seguido por uma ordem de despejo, retirou os indígenas de suas terras. Cerca de 10 anos após a decisão, os indígenas decidiram retomar suas terras ocupadas por fazendeiros locais há uma semana.
De acordo com dados do CIMI – Conselho Indigenista Missionário, o Mato Grosso do Sul é o estado que vem liderando o ranking de violências contra as populações indígenas nos últimos anos. Em junho de 2015, homens armados atacaram uma comunidade Guarani Kaiowá, deixando duas crianças desaparecidas. Além do ataque no sábado (29), há denúncias da presença de fazendeiros e pistoleiros em áreas da Ñanderú Marangatú neste domingo (30).
A Anistia Internacional se soma a organizações no Mato Grosso do Sul e aos demais povos indígenas que se encontram mobilizados, não só no Estado, para apelar às autoridades que tomem iniciativas pela suspensão imediata da violência contra os Guarani-Kaiowá e pela investigação célere e independente do caso.
Saiba mais
AÇÃO URGENTE: Comunidade indígena em risco de despejo forçado
Futura Declaração Americana sobre os direitos indígenas pode retroceder os avanços da última década

Apib emite Nota sobre assassinato do líder Simião Vilhalva e exige de Dilma rigor na apuração dos fatos e punição dos autores do crime

"Antes dos fatos, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados pediu ao governo providências no sentido da atuação da polícia na prevenção de uma catástrofe. A movimentação da Força Nacional somente aconteceu após o anúncio do ataque dos ruralistas."


Foto _ Marcos Ermínio em Campo Grande News

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, manifesta, em primeiro lugar, a sua solidariedade aos familiares e aos povos kaiowá e guarani, diante o assassinato do líder Simião Vilhalva, acontecido no dia 29 de agosto último, na Terra Indígena Ñande Rú Marangatú, em Antonio João, Estado de Mato Grosso do Sul, por ação direita de fazendeiros da região, numa verdadeira operação de guerra, liderada pela presidente do Sindicato Rural de Antônio João, Roseli Maria Ruiz. Neste território sagrado já tombaram Marçal de Souza Tupã’i, em 25 de novembro de 1983, Dorvalino Rocha, em 24 de dezembro de 2005, ano em que o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu os efeitos do decreto de homologação desta terra indígena.
Nesta ação dos ruralistas, planejada com a participação de parlamentares federais na sede do sindicado rural de Antonio João, mulheres e crianças saíram feridas. Uma criança de um ano de idade foi atingida nas costas e na nuca por bala de borracha, munição própria das forças de segurança pública.
Como se não bastasse, os fazendeiros perpetraram no domingo, 30 de agosto, novo ataque a uma das áreas retomadas na Terra Indígena Ñanderu Marangatu. Os ruralistas ocuparam a sede da Fazenda Piquiri.
A APIB repudia estas ações paramilitares que sob olhar omisso e conivente do poder público vitimam mais uma liderança indígena.  E não foi por falta de aviso. Antes dos fatos, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados pediu ao governo providências no sentido da atuação da polícia na prevenção de uma catástrofe. A movimentação da Força Nacional somente aconteceu após o anúncio do ataque dos ruralistas.
O Ministério da Justiça, principal responsável da paralisação das demarcações, mais uma vez omitiu-se das suas responsabilidades de zelar pelos direitos indígenas antes inclusive da Fundação Nacional do Índio – Funai, pois a ele é subordinada.
Para corrigir os seus erros – sua omissão e paralisia – cabe ao governo, neste momento crítico, em que ainda segmentos sociais da direita pleiteiam o seu fim, demonstrar de que lado está, e que é guardião do Estado de Direito e da democracia, garantindo em primeiro lugar o respeito ao direito originário dos povos indígenas às suas terras e a punição exemplar dos mandantes e executores do assassinato de lideranças indígenas. Do contrário, será de responsabilidade do governo o atual quadro e a continuação das violências praticadas pelos ruralistas contra os povos indígenas.
A APIB exige, assim, do governo Dilma rigor na apuração dos fatos e a punição dos autores intelectuais e materiais do assassinato do líder Simião Vilhalva, e que não permita mais o império da impunidade, a inversão de direitos, e ainda que órgãos do poder público estadual e local alinhados aos interesses dos ruralistas tomem conta da investigação, uma vez que, como é sabido, são subserventes a este segmento do poder econômico em Mato Grosso do Sul.
A APIB chama, por fim, a todos os povos e organizações indígenas do Brasil, e seus aliados, a se unirem e permanecer em estado de luta na defesa das terras e territórios indígenas, custe o que custar, para assegurar os direitos fundamentais, principalmente o direito originário à terra, reconhecidos pela Constituição Federal e os tratados internacionais assinados pelo Brasil
Brasília – DF, 31 de agosto de 2015.

ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB
MOBILIZAÇÃO NACIONAL INDÍGENA

OAB/MS critica demora do Governo Federal na resolução de conflitos de terra em MS

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O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Mato Grosso do Sul (OAB/MS), Júlio Cesar Souza Rodrigues, classifica como irresponsável o descaso do Governo Federal na resolução de conflitos no Estado. Neste final de semana, houve evidências de violência no conflito entre indígenas e proprietários rurais, no município de Antônio João.

“Há anos temos cobrado medidas emergenciais e a demora tem trazido insegurança jurídica para todos. Vivemos diante de uma guerra e entendemos a legitimidade da causa, tanto de indígenas quanto de proprietários rurais. O Governo Federal não pode mais fechar os olhos para esse caos”, diz o presidente. Júlio Cesar lembra que em junho de 2013, entregou ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, uma carta de manifestação solicitando maior agilidade na solução dos conflitos agrários no Estado. “Até agora aguardamos resultados para resolvermos tantos impasses”.

O presidente aponta a participação ativa das comissões da Ordem na busca de soluções pacíficas. “Tanto a Comissão Permanente de Assuntos Indígenas (COPAI) quanto a Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio atuam na defesa dos direitos legítimos”. Em relação ao episódio de Antônio João, a OAB/MS criou um Grupo de Observadores que irá atuar in loco para acompanhar o conflito, com objetivo de assegurar condições mínimas de negociação, cobrando das autoridades presentes a pacificação no embate. Ler original AQUI.


Polícia Federal faz reconstituição da morte e encontra sangue de índio


Fotos: Marcos Ermínio
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Campo Grande News 
Priscilla Peres e Antônio Marques, enviado especial a Antônio João
A Polícia Federal chegou ao local de conflito e fez, nesta tarde,  perícia e reconstituição da morte do indígena Kaiowá Guarani Semião Fernandes Vilhalva, 24, na fazenda Fronteira em Antônio João - distante 279 km de Campo Grande. Pelo local, há muitas marcas de sangue.

O delegado da PF, Bruno Maciel, conta que junto de sua equipe foi até o local hoje para fazer a perícia e a reconstituição do crime. Os índios contaram como foi o momento da morte de Semião, que levou um tiro no rosto quando estava próximo ao córrego Estrelinha, que divide a sede da fazenda e as casas dos funcionários, agora ocupada pelos índios.

Maciel ainda disse que nesta semana quer mostrar resultados da investigação feita por eles no local. Ontem a Polícia Civil também esteve na fazenda para fazer perícia. Os irmãos de Semião contaram aos policiais sobre como aconteceu o homicídio.

Mariano Vilhalba, disse que eles estavam na casa dos funcionários durante o conflito, quando disseram ao Semião que seu filho havia corrido para longe do imóvel à margem do córrego estrelinha. "Mas quando ele chegou lá, foi atingido por um tiro no rosto, que saiu na nuca. Eu sai correndo na hora, para evitar que ele caísse no rio", conta o irmão, que acredita que o tiro tenha vindo do outro lado do córrego, onde fica a sede da fazenda.

Segundo os índios, assim que viram que Semião foi atingido, pegaram seu corpo e o levaram até onde estavam os policiais, do outro lado do córrego, próxima da casa da sede. Hoje, a cena foi refeita e pelo local há muitas marcas de sangue nas pedras à margem do rio. O que, praticamente, descarta o que o deputado Luis Henrique Mandeta (DEM) disse ontem, que teria visto um corpo já em estado de rigidez cadavérica, com possibilidade de óbito há mais de oito horas.

A perícia fotografou todo o caminho com sangue e as imagens vão integrar o inquérito de investigação desenvolvido pela Polícia Federal. Equipes da PRF (Polícia Rodoviária Federal), Força Nacional e Exército estão no local.

A reportagem apurou que a versão contada pelo deputado pode cair por terra, considerando que ele nem chegou próximo ao corpo e imagens de vídeo realizada pelos próprios índios no momento da morte do Simeão mostra o corpo ainda mole e com muito sangue no rosto. Imagens que serão entregues à Polícia Federal.

Militares do Exército chegam a área de conflito e estudam local para base

Cerca de 20 homens da Força Nacional e Exército. (Foto: Marcos Ermínio)
Equipe do Exército já está na cidade e vai montar base em fazenda.
 (Foto: Marcos Ermínio)
Viviane Oliveira e Antonio Marques, enviado especial a Antônio João, em Campo Grande News 
Equipe do Exército do 10º Regimento de Cavalaria Mecanizada de Bela Vista já está na região de Antônio João, distante 279 quilômetros de Campo Grande. O capitão acompanhado de três soldados foi até uma das propriedades rurais ocupadas conversar com o comandante da Força Nacional para saber onde será montada a base dos militares.
Até o momento, tudo indica que as barracas serão montadas na Fazenda Fronteira. O número de militares que foram enviados para o local ainda não foi divulgado.
O Governo Federal determinou o envio de tropas do Exército Brasileiro para as fazendas na região, depois que os fazendeiros conseguiram reaver duas das seis propriedades retomadas pelos indígenas. Durante o confronto, o indígena Kaiowá Guarani Semião Fernandes Vilhalva, 24 anos, foi encontrado morto com tiro na cabeça.
Por enquanto, quatro caminhonetes da Força Nacional e uma do Exército estão na região. Nesta manhã, equipes do DOF (Departamento de Operações de Fronteira) e Força Nacional escoltam os produtores rurais nas sedes das fazendas Barra e Fronteira. Uma equipe do Exército já está na região.
Segundo o DOF, na Fazenda Barra estão 13 pessoas escoltadas por uma equipe deles. Na Fazenda Fronteira, são quatro produtores rurais que estão sob a guarda de policiais da Força Nacional. Os índios estão espalhados na região, próximo das estradas. As sedes das Fazendas Piquiri, Cedro, primavera e Brasil continuam ocupadas pelos indígenas. Ontem*, por volta das 8h40, duas viaturas do DOF levaram mantimentos até as propriedades.

*Materia postada em 30.08.205. Ler original AQUI.

Comoção e choro no velório de índio morto ao buscar filho de 4 anos

Comoção entre os índios ao chegar o caixão do patrício Simeão (Foto: Marcos Ermínio, enviado especial a Antônio João)

Campo Grande News
Depois de três horas de viagem até Antonio João, a equipe do Campo Grande News chegou a cidade no início da manhã deste domingo (30), sob um clima de tranquilidade, depois dos conflitos ocorridos nas fazendas Barra e Fronteira, ocupadas pelos índios Guarani Kaiowá desde a semana passada, que culminou na morte do indígena Semião Fernandes Vilhalva, de 24 anos. O momento da abertura do caixão em que estava o corpo dele foi a cena mais comovente de ontem.
Semião era casado com Janaína, de pouco mais de 20 anos de idade, e deixou uma criança de 4 anos, filho que ele teria tentado defender, mas antes de encontrá-la na invernada, foi atingido por um tiro no rosto, que saiu na nuca, caindo às margens do córrego estrelinha, próximo da sede da Fazenda Fronteira.
O corpo de Semião chegou a sede da Fazenda Cedro, a cerca de 9 quilômetros da cidade, por volta das 14 horas da tarde desse domingo. Em seguida, cerca de 50 indígenas seguiram caminhando sob sol forte e temperatura acima dos 33ºC, por cerca de 40 minutos até chegarem a sede da Fazenda Fronteira, local em que o índio foi morto.
Inicialmente, os índios queriam velar o corpo na sede da fazenda, porém o local está sob proteção da Força Nacional e do Exército. No momento, houve tensão entre os indígenas e os policiais, até que aceitaram a proposta do capitão da Força Nacional, que recomendou que eles velassem o corpo na casa do outro lado do córrego, local em que estavam os familiares da vítima.
A chegada do caixão no local foi uma cena muito triste e que emocionou a todos, principalmente ao retirarem a tampa e revelar o rosto do rapaz de 24 anos, mais um na estatística de mortes na luta pela terra, segundo nesta área em litígio há mais de 10 anos. As três pessoas da equipe do Campo Grande News, foram os únicos não índios a presenciar a comoção dos familiares e amigos naquele momento.
Marcada pela simplicidade dos indígenas, o caixão foi colocado em uma varanda da casa sobre um banco de madeira, ao lado de um galpão onde fica guardado o sal e o calcário da fazenda. Por alguns minutos a esposa do índio morto chorou desesperada ao vê-lo no caixão. O filho não estava próximo no momento. A cena é a mesma, sendo índio ou branco, a despedida de um “guerreiro”, como diz os índios, é algo que choca, pela brutalidade.
O corpo de Semião foi velado durante toda a noite deste domingo, quando aconteceu uma reza durante a cerimônia de despedida e o enterro deve acontecer no mesmo local em que ele foi morto na tarde desta segunda-feira.
Durante o período da tarde deste domingo em que o Campo Grande News permaneceu entre os índios não observou qualquer situação de hostilidade por parte dos indígenas, mas sim a preocupação de um povo na tentativa de se defender para evitar mais mortes e sedentos por divulgar a versão deles dos fatos, como disse a índia Leni, avó e ao mesmo tempo mãe da pequenina Analieni, ferida com duas balas de borracha, uma nas costas e outra na nuca, “nós queríamos o diálogo e não o confronto”, ao lembrar do conflito ocorrido no sábado. Ler Original e veja Galeria de Fotos de Marcos Ermínio AQUI.

Corpo de Guarani e Kaiowá assassinado é entregue à comunidade e quem disparou tiros de borracha num bebê de colo?

Foto _ Marcos Ermínio


Lideranças Guarani e Kaiowá relataram no início da noite deste domingo, 30, que o caixão com o corpo de Semião Vilhalva, indígena assassinado ontem durante ataque de fazendeiros contra o tekoha – lugar onde se é – Ñanderu Marangatu, foi entregue à comunidade por um motorista terceirizado da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).
As autoridades policiais não informaram aos Guarani e Kaiowá ou à Fundação Nacional do Índio (Funai) se o corpo de Semião passou por perícia de legistas federais ou ao menos por exames cadavéricos. O Ministério Público Federal (MPF) do Mato Grosso do Sul não foi chamado para acompanhar o procedimento ou informado de sua realização.  
Conforme agentes do Departamento de Operações de Fronteira (DOF), o indígena teria sido morto após levar um tiro na cabeça – os indígenas afirmam que o tiro acertou o rosto, saindo pela nuca. Os Guarani e Kaiowá, por questões envolvendo aspectos espirituais do povo, desejam enterrar Simão em uma das áreas retomadas de Ñanderu Marangatu, a Fazenda Fronteira.
No entanto, foram impedidos pela polícia. Os soldados fazem um cordão de isolamento entre a sede da Fronteira e os Guarani e Kaiowá. A fazenda é da presidente do Sindicato Rural de Antônio João, Roseli Maria Ruiz, que liderou o ataque dos fazendeiros. Depois da ação violenta deste sábado, a sede da fazenda ficou tomada pelos ruralistas. Os parentes de Semião afirmam que o tiro que o matou, às margens do córrego Estrelinha, partiu da sede da fazenda.  
Bala de borracha
Além do assassinato de Semião, os indígenas questionam de onde partiram os tiros de bala de borracha que acertaram as costas e a nuca de um bebê de um ano, que na hora do ataque dos fazendeiros estava no colo da avó (foto acima). A arma é usada por polícias de todo o país. Os tiros partiram da polícia ou dos fazendeiros? Se os disparos foram efetuados pela polícia, o que teria motivado agentes do Estado a atacar junto com os fazendeiros? Caso as balas tenham partido de armas empunhadas por fazendeiros, como eles as conseguiram? Essas são algumas perguntas que as autoridades públicas deverão responder aos Guarani e Kaiowá.


Conselho Terena emite Nota de Luto pelo povo Guarani-Kaiowá, denuncia agrobanditismo, parlamentares e conclama guerreiros para autodemarcação de Ñande Rú Marangatúe (MS)

"Se o governo federal não punir os executantes e mandantes desse homicídio, nós TERENA, vamos dar uma resposta a altura para os ruralistas e iniciar imediatamente a autodemarcação de TODO NOSSO TERRITÓRIO!!!"

Foto _ Conselho do Povo Terena

Conselho do Povo Terena em Resistência do Povo Terena
Hánaiti Ho'únevo Têrenoe
Grande Assembleia do Povo Terena

Mais uma vez as lideranças Terena vem a público denunciar o agrobanditismo que impera em Mato Grosso do Sul com a conveniência das autoridades públicas estadual e federal.

Nós lideranças Terena estamos de luto juntamente com o povo Kaiowá e Guarani. A Terra Indígena Ñande Rú Marangatú é território sagrado que há muito tempo vem sendo palco de matança de lideranças indígenas – MARÇAL DE SOUZA TUPÃ'I em 25 de novembro de 1983; DORVALINO ROCHA em 24 de dezembro de 2005 e SIMIÃO VILHALVA em 29 de agosto de 2015.

Ñande Rú Marangatú é território tradicional demarcado e homologado e o povo Kaiowá não está na posse de sua terra por conta de sistemáticos recursos interpostos nas instâncias judiciais pelos ruralistas que estão acostumados com a impunidade. Em 2005 o Supremo Tribunal Federal liminarmente suspendeu os efeitos do decreto de homologação, e há 10 anos esta decisão liminar “paira”, sendo que o ministro Gilmar Mendes propositadamente não coloca o processo para julgamento.

Nós lideranças Terena reafirmamos que não iremos recuar e continuaremos lutando até o último hectare de território tradicional que nos pertece. Este Estado bandido nega aos povos indígenas o nosso bem maior – nossa TERRA MÃE – e tenta vender ao mundo a falsa realidade de que estamos bem, promovendo jogos indígenas enquanto nossas crianças passam fome e nossos líderes são mortos.

Repudiamos e denunciamos os parlamentares senador Waldemir Moka (PMDB), deputado Federal Luiz Henrique Mandetta (DEM) e deputada federal Teresa Cristina (PSB), que ao invés de patarem-se pelo princípio da imparcialdade e legalidade, planejaram e executaram o ataque a comunidade indígena resultando na morte de uma liderança e várias mulheres e crianças feridas.
 
Exigimos do Ministério da Justiça, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal rigor na apuração dos fatos e total empenho para que a investigação não fique a cargo do “poder político local” submetido aos ruralistas.

Repudiamos essa “burguesia colonizada” de Mato Grosso do Sul que juntamente com os ruralistas noticiam de forma comemorativa a morte de nossa liderança. Que se esquecem que antes de ganharmos o rótulo de “índios” e “não índios” somos seres humanos filho de Itukó'oviti.

Por fim, reafirmamos que Ñande Rú Marangatú é questão de honra para os povos indígenas de Mato Grosso do Sul e por isso não iremos recuar!

Conclamamos todos os guerreiros Terenas a se juntarem aos Guarani e Kaiowá para concluir a autodemarcação desse Tekohá!

E decidimos: Se o governo federal não punir os executantes e mandantes desse homicídio, nós TERENA, vamos dar uma resposta a altura para os ruralistas e iniciar imediatamente a autodemarcação de TODO NOSSO TERRITÓRIO!!!

Povo Terena,
Povo que se levanta!
Terra Indígena Buriti
Terra Indígena Cachoeirinha
Terra Indígena Taunay-Ipegue
Terra Indígena Nioaque
Terra Indígena Lalima
Terra Indígena Pilad Rebuá

30 de agosto de 2015

VÍDEO: Com criança baleada e fome, índios estão acuados em Antônio João

Evelin Araujo e Jéssica Benitez, de Antônio João
Midiamax

São cerca de 300 os índios que estão na Fazenda Fronteira neste domingo (30), em Antônio João, a 402 quilômetros de Campo Grande. Por lá, a cena é de desolação após a troca de tiros com os fazendeiros: índios acuados, sem acesso a comida e dezenas de crianças com fome. Uma delas, de um ano de idade, foi ferida com um tiro de borracha na cabeça. Um homem, na sobrancelha. Outra índia mostra as marcas pelo corpo das agressões sofridas. Aos poucos, eles chegam e se abrem para contar suas histórias e pedir por um socorro: comida.
Imagem printada. Ver  vídeo AQUI.


"Entre as pessoas que “assistiam” a troca de tiros estava o deputado federal Luiz Henrique Mandetta, vice-prefeito de Antônio João, Antônio César Flores e um vereador da cidade, não identificado pelos índios."

Mostrados como agressivos, eles estão com medo de procurar a cidade para comprar ou obter alimento com parentes e amigos. As motos, meios de locomoção, foram queimadas pelos proprietários rurais. Ao todo, oito delas foram estragadas no confronto deste sábado.
Uma delas recebeu um tiro no tanque de combustível, para explodir perto de quem estivesse por perto. Kunhã Poty, que preferiu se identificar apenas por apelido à reportagem, conta que no início da tarde chegaram dez caminhonetes na região, atirando.
Entre as pessoas que “assistiam” a troca de tiros estava o deputado federal Luiz Henrique Mandetta, vice-prefeito de Antônio João, Antônio César Flores e um vereador da cidade, não identificado pelos índios.
A morte
Semião, que seria o apelido de Valnildo Fernandes Vilhalva, de 24 anos, segundo o irmão do índio, foi morto durante o confronto. Com medo, ele preferiu não se identificar, mas disse que Semião estava no rio quando foi atingido.
“Eles (fazendeiros) não acreditaram que tinham matado um de nós. Fomos atravessar o rio a nado para levar o corpo para eles verem. Ainda quente, sangrando, ao contrário do que eles dizem, que já estava frio e morto. Agora nossa luta é provar que ele morreu aqui, ontem, durante os tiros dos fazendeiros”, relatou.
Pelo Facebook, Mandetta afirmou: “Ouviu-se um tiro numa mata a 800 metros e dez minutos depois os índios trouxeram um corpo que diziam ter sido alvejado. Me coloquei como médico e fui até o local. O cadáver de um homem já em rigidez cadavérica foi jogado na estrada”. A reportagem tentou contato com o deputado, que não atendeu as ligações.
O corpo passa por perícia para atestar a causa da morte. Um boletim de ocorrência foi registrado no sábado, seis horas após a morte, afirmando que o cadáver do índio tinah perfurações de bala.
DOF, Força Nacional e Funai
O DOF (Departamento de Operações de Fronteira) e a Força Nacional permanecem no local, apesar de não haver mais conflito. Eles se recusam a falar com a imprensa, mas a informação oficial é de que eles estariam protegendo os índios.
Porém, na cidade, é dito que os índios estariam violentos e ameaçando os fazendeiros, fato não constatado pela reportagem no local. “Como vocês podem ver, nós estamos preservando os bois e a fazenda. Não vamos destruir nada. Nós respeitamos a terra”, afirmou uma das índias. Ainda segundo os índios, os celulares foram retirados deles pelos fazendeiros.
A Funai, segundo os índios, também não compareceu ao local. Eles fazem apelo para que a população leve alimentos à sede da Funai, para que eles sejam repassados às crianças.
A dona da fazenda
A Fazenda Fronteira é de propriedade da presidente do Sindicato Rural de Antônio João, Roseli Maria Ruiz. A equipe de reportagem tentou contato com Roseli, e foi informada que ela não está neste momento na sede do sindicato, onde outros fazendeiros estão reunidos.
A área reivindicada pelos indígenas, de 9.300 hectares, é chamada de terra indígena Nhanderu Marangatu, e chegou a ser homologada em junho de 2005, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas, à época, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Nelson Jobim, anulou o ato, a pedido dos fazendeiros. Ler original com Galeria de Fotos de Cleber Gellio AQUI.

Nota Pública: Ruralistas comandam Estado Paramilitar no Mato Grosso do Sul

Secretariado Nacional do Conselho Indigenista Missionário


Há alguns anos, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) passou a denunciar a atuação de forças paramilitares, comandadas por grupos ruralistas, em ataques contra povos indígenas no Brasil e, particularmente, no Mato Grosso do Sul. A impunidade e a complacência das autoridades brasileiras com estes grupos possibilitaram que os mesmos radicalizassem em suas estratégias, alheias ao Estado Democrático de Direito.

O ataque perpetrado por fazendeiros contra o povo Guarani e Kaiowá, que culminou no assassinato de Simão Vilhalva, na manhã deste sábado, 29, no município de Antônio João, demonstra que o ruralismo organizou e comanda um verdadeiro Estado Paramilitar no Mato Grosso do Sul. Fica evidente que o objetivo do Estado Paramilitar ruralista é o de eliminar os povos originários e seus aliados e continuar invadindo e explorando os territórios destes povos.

O Cimi não acredita em investigação isenta por parte dos órgãos públicos locais. A região toda é controlada pelos interesses do Estado Paramilitar Ruralista. Consideramos que é de fundamental importância que o corpo de Simão Vilhalva seja periciado fora do estado do Mato Grosso do Sul e que a investigação seja conduzida por delegados federais, sediados em Brasília, e pelo Ministério Público Federal (MPF).

Por fim, é forçoso reconhecer que a morte de Vilhalva tem relação com a decisão do governo Dilma Rousseff de paralisar os procedimentos de demarcação das terras indígenas, com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender os efeitos da homologação da Terra Indígena Ñanderu Marangatu, há quase 10 anos, submetendo estas famílias indígenas a uma crise humanitária já aponta por organismos internacionais como uma das mais graves do mundo.

Não bastasse tal situação de vulnerabilidade, os Guarani e Kaiowá sofrem ações e discursos criminosos de incitação ao ódio e à violência proferidos por parlamentares ruralistas com o exclusivo objetivo de colocar a sociedade sul-mato-grossense contra os povos indígenas e, na esfera Federal, avançar na aprovação à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, na Câmara dos Deputados.

O Cimi manifesta solidariedade à família de Simão e reafirma o compromisso profético de continuar denunciando as forças da morte que atentam contra a Vida dos Guarani e Kaiowá, e dos demais povos originários do Brasil.

Brasília, DF, 30 de agosto de 2015
Conselho Indigenista Missionário - Cimi


Ruralista comemora ataque contra o Tekoha Ñande Marangatú (MS)

"Pra negociar parece pouquinho índio, mas tem índio guardado nesse mato aí...Hoje tenho orgulho de ser produtor rural. É isso ai moçada, o produtor rural tem que ser unido mesmo porque não adianta esperar lá por cima não!" Voz de ruralista após ataque, ontem, que resultou no assassinato de mais uma liderança indígena na Terra Indígena Ñande Marangatú

Imagens printadas (01)
 

Por Tereza Amaral

O Sublime e o Grotesco

Sob a mão omissa do Estado que insiste em permanecer afastado do genocídio em curso no Mato Grosso do Sul, depois do ataque de ontem - e amparados pelo som sublime do Maracá - os Guarani-Kaiowá aguardavam um "acordo" enquanto a voz grotesca de um fazendeiro, não identificada, comemora o uso da força desproporcional da milícia. Confira no vídeo AQUI.


Fazendeiro fala em tiros e Foto mostra arco e flecha (02)

 
Leia, na íntegra, matéria postada no site do Cimi por Rogério Batalha Rocha, advogado sob manchete de página, a seguir:

Ñande Ru Marangatú: novas violações de direitos

Omissão do Estado brasileiro e milícias de fazendeiros produzem mais mortes.

Como foi falado por lideranças indígenas do estado de Mato Grosso do Sul, durante a cúpula dos povos/Rio+20 realizada na cidade do Rio de Janeiro no dia 21 de junho de 2012, “o Estado brasileiro não mede esforços para mostrar ao mundo um Brasil que não existe”.

Não bastasse os já assegurados direitos indígenas em nossa Constituição Federal de 1988 (artigo 231), para o mundo, o Brasil é signatário da Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Autóctones, de 13 de setembro de 2007, que reconheceu importantes direitos em Assembleia da ONU. Fundamentalmente, o Artigo 26 do pacto internacional assegura o reconhecimento e demarcação dos territórios tradicionais indígenas de todo o mundo.

Fez isso perante todos, perante o mundo, alegando não querer deixar equívocos sobre o caminho que o Estado brasileiro pretende seguir na sua relação com seus povos e comunidades indígenas do Brasil.

Porém, a realidade dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul[1], em especial dos povos Kaiowá-Guarani e Terena, já amplamente divulgada em nível nacional e internacional, é tida hoje como uma das piores realidades do mundo no que tange ao desrespeito pelos Estados Nacionais dos direitos humanos fundamentais dos povos indígenas.

Nesse sentido, torna-se vergonhosa e cínica a omissão irresponsável e, diga-se, “criminosa”,dos órgãos do Estado brasileiro, principalmente do Poder Executivo Federal e Judiciário Federal, no sentido de negar incessantemente os direitos fundamentais dos povos, consignados na legislação brasileira e internacional, em não resolverem de uma vez por todas uma demanda histórica que custou a vida de incontáveis indígenas.

Neste cenário de violência, foi registrada na tarde de hoje o assassinato de mais uma liderança indígena na Terra Indígena Ñande Rú Marangatú, no município de Antonio João. Conforme foi noticiado às 16h32min pelo Jornal “Correio do Estado”, de Campo Grande, “Autoridades confirmam morte de indígena em área de conflito no Estado” (disponível em www.correiodoestado.com.br/cidades/autoridades-confirmam-morte-de-indigena-em-area-de-conflito-no/256339/).

Desde o dia 23 de agosto desse ano, os Kaiowá-Guarani vem ocupando várias fazendas incidentes na Terra Indígena Ñande Ru Marangatú. Este período coincide com 10 anos da expulsão dos indígenas dessa terra, após a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal e Tribunal Regional Federal da 3. Região, cujos processos encontram-se até hoje ainda pendentes de julgamentos definitivos.

A demarcação de Ñande Rú Marangatu. Um breve histórico da realidade.

Foto Cimi (03)
A Terra Indígena Ñande Ru Marangatú, localizada no município de Antonio João, vem sendo reivindicada para fins de demarcação há décadas pelo povo Kaiowá-Guarani de Mato Grosso do Sul.

A ocupação da terra indígena pelos Kaiowá remonta tempos imemoriais, sendo que entre o fim da década de 1940 e meados da década de 1950 as famílias começaram a ser drasticamente expulsas de seu território por fazendeiros colonizadores, com a total conivência e apoio do Estado brasileiro. Tais fatos são atestados por laudos antropológicos realizados por perícias determinadas pelo Poder Judiciário.

O procedimento administrativo de identificação e delimitação da Terra Indígena Ñande Ru Marangatu[2] foi iniciado em 09 de abril de 1999, nos termos do previsto no Decreto nº. 1.775/1996 tendo sido concluído no ano 2001, reconhecendo como terra tradicionalmente ocupada pelos Kaiowá a extensão de 9.317 hectares.

Desde janeiro de 1999, cerca de 1.054 indígenas vinham ocupando apenas 26 hectares de sua terra tradicional no local onde se localiza a aldeia “Campestre”, espaço que foi destinado aos índios pelo Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra).

Em 2001, foi movida pelos fazendeiros incidentes na terra indígena Ação Declaratória visando obter do judiciário o pronunciamento de que a terra “não é de ocupação tradicional indígena”. Referida ação ainda encontra-se em tramitação, aguardando-se uma decisão final que deve ser feita pela Justiça Federal.

Em 30 de outubro de 2002 o então Ministro da Justiça, Paulo de Tarso Ramos Ribeiro, declarou a área Ñande Ru Marangatu como sendo de posse permanente do povo Kaiowá-Guarani sendo que neste mesmo ano, segundo informações da FUNASA coletadas no Sistema de Informação do Programa de Vigilância Nutricional, na Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, 22,06% das crianças entre 0 (zero) e 05 (cinco) anos apresentaram um grave quadro de desnutrição (< P3) e 17, 65% apresentaram um quadro de risco nutricional (P3 – P10, peso abaixo do ideal).

Em 2003, o índice de desnutrição já considerada grave na Terra Indígena Ñande Ru Marangatu subiu para 27, 54% e o de risco nutricional subiu para 26, 09%. Em 2004, tanto o índice de desnutrição grave como o de risco nutricional na Terra Indígena Ñande Ru Marangatu foi de 18, 01%.

Em agosto de 2004, foi contratado pela FUNAI a empresa responsável em realizar a demarcação física dos limites da terra (concluída em janeiro de 2005) e em outubro deste mesmo ano os Kaiowá ocuparam cerca de 500 hectares de parte de sua terra tradicional no local onde incidem as fazendas “Fronteira”, “Itá Brasília”, “Piqueri Santa Cleusa” e “Morro Alto”.

Em 04 de novembro de 2004, foi determinado pela Justiça Federal de Ponta Porã, a partir de Ação de Reintegração de Posse movida por fazendeiros, a retirada compulsória dos indígenas Kaiowá de parte da Terra Indígena Ñande Rú Mrangatú.

Foram interpostos recursos pelo Ministério Público Federal e Funai no TRF3, em São Paulo[3], tendo sido determinado em 02 de março de 2005 a suspensão do cumprimento da liminar expedida pela Justiça Federal de Ponta Porã

Em 28 de março de 2005, após o período de 05 anos, 11 meses e 19 dias do Processo Administrativo de Demarcação da Terra Indígena, o então Presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, expediu Decreto de Homologação da demarcação administrativa da Terra Indígena Ñande Ru Marangatu.

Subsequentemente à homologação, a então Presidenta do TRF3.ª, suspendeu o cumprimento de decisão liminar proferida pelo Julgador Federal da Subseção Judiciária de Ponta Porã/MS.

Em julho de 2005 foi impetrado pelos fazendeiros incidentes na terra indígena um Mandado de Segurança[4] n. 25463 contra o Decreto de Homologação assinado pelo então  Presidente Lula.

Em 21 de julho de 2005 foi decidido pelo então Ministro do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, pela suspensão dos efeitos da homologação da terra indígena.

Em 02 de dezembro de 2005, a Presidente do Tribunal Regional da 3.ª Região (TRF 3.) reconsiderou, em parte, a sua decisão de suspensão de liminar, proferida no mesmo processo n.º 2005.03.00.006650-0, para determinar que os Kaiowá sejam retirados de parte de sua terra tradicional onde incide a fazenda “Morro Alto”, para que voltem a ficar 26 hectares ocupados desde janeiro de 1999 na antiga “Aldeia Campestre”. O MPF e a FUNAI pediram no Supremo Tribunal Federal a suspensão do despejo, porém o pedido foi negado.

No dia 15 de dezembro de 2005, sob forte aparato bélico, a Polícia Federal despejou os Kaiowá de sua terra tradicional recém ocupada, conforme a determinação do Poder Judiciário Federal. A partir daí, os Kaiowá passam a viver acampados nas margens da rodovia MS-384 que liga os municípios de Antonio João e Bela Vista.

No dia 24 de dezembro de 2005, quando os índios ainda estavam acampados à beira da estrada, seu acampamento sofreu um ataque e o Kaiowá-Guarani Dorvalino Rocha foi assassinado com um tiro à queima-roupa por seguranças contratados por fazendeiros da região, próximo à fazenda Fronteira, de propriedade de Pio Queiroz Silva.

Em 2006, duas crianças Kaiowá-Guarani – Celiandra Peralta, de um ano e um mês, e Osvaldo Barbosa, de 15 dias, morreram por causas relacionadas às péssimas condições de vida às margens da rodovia MS-384.

Os Kaiowá-Guarani de Ñande Ru Marangatu passaram seis meses acampados à beira da MS 384.  Após reintegração de posse em dezembro de 2005 foi promovido o asfaltamento da estrada pelo Governo do estado de MS e o grupo  de 500 pessoas foram removidas para uma pequena parte de sua terra de cerca de 100 hectares a partir de uma acordo judicial intermediado pelo MPF.

No dia 25 de julho de 2007, o indígena Hilário Fernandes, liderança religiosa da aldeia “Campestre”, foi atropelado por volta das 19 horas às margens da rodovia MS 384. Em protesto, cerca de 400 pessoas mantiveram a estrada fechada desde o meio-dia do dia 26/07. O motorista do carro que atropelou Hilário não prestou socorro. Houve testemunhas do acidente.

Desde esse período, muitas reuniões com autoridades do Governo Federal e do Supremo Tribunal Federal foram feitas visando uma solução definitiva para a demarcação da área. Muitas promessas foram feitas por ambos os setores mas até hoje nada foi feito.

Resistência e autodemarcação.

A Terra Indígena Ñande Rú Marangatú trata-se de uma das áreas mais conflitivas do estado de Mato Grosso do Sul. Vale lembrar que na noite de 25 de novembro de 1983, na aldeia “Campestre”, Marçal de Souza Tupã’i foi covardemente assassinado. Tratava-se de uma das lideranças indígenas mais importantes e conhecidas no Brasil por sua luta pela demarcação da Terra Indígena Ñande Ru Marangatu tendo se encontrado com o papa João Paulo II, clamando pela sua interferência no apoio para a demarcação da terra.

O Supremo Tribunal Federal há 10 anos não toma uma decisão definitiva no Mandado de Segurança impetrado pelos fazendeiros e que suspendeu o Decreto de Homologação assinado em 2005 por Lula. Com isso, o procedimento administrativo de demarcação não poderá ser concluído com a consequente retirada dos fazendeiros da área e os indígenas vem amargurando a demora com altos índices de violações de direitos constantemente noticiados e denunciados.

É diante dessa vergonhosa e mentirosa política indigenista do Estado brasileiro que os povos indígenas de Mato Grosso do Sul tomam suas decisões de retomarem suas terras e promoverem a autodemarcação de seu território.

As organizações indígenas já manifestaram inúmeras vezes que não poderão mais aguardar a “boa vontade” do Estado brasileiro em cumprir com a legislação nacional e internacional pois sabem que isso nunca acontecerá sem muita luta e sacrifícios de suas lideranças. A organização do movimento indígena vem sendo cada vez mais fortalecida e as decisões de suas assembleias é de que os povos indígenas não irão abrir mão de seus territórios tradicionais e estarão dispostos em fazer as demarcações por conta própria.

Neste cenário sabemos que o aparato de guerra articulado por setores do agronegócio e amparados por agentes do Estado brasileiro estará de prontidão.  Nesta dura realidade, os que sempre acabam mais sofrendo com o conflito são os povos indígenas.

 O Estado brasileiro é sem dúvida alguma o responsável direto pelas vidas perdidas neste cenário de violações incomensurável. O Governos Lula e Dilma se mostraram contrários à garantia dos direitos indígenas do Brasil e de Mato Grosso do Sul e mentem incessantemente para a sociedade que resolverão os problemas territoriais no estado, garantindo a posse das terras aos povos indígenas. Apoiaram de forma explícita aquilo que há de pior dentre os diversos setores contrários aos direitos indígenas e nada fizeram para garantir a posse das terras pelos Kaiowá-Guarani. A política indigenista implementada pelos governos do PT, diga-se infelizmente, se mostrou pior do que de Governos anteriores como Collor, Itamar e FHC.

Trata-se de uma realidade nefasta nas políticas estatais voltadas para os povos indígenas do Brasil. O Executivo, Legislativo e Judiciário se revelam totalmente imbricados em tentar suprimir os direitos territoriais garantidos pela legislação nacional e internacional.

Deve-se entender que não restou outra alternativa aos Kaiowá-Guarani senão a retomada por conta própria de seus territórios, além da contínua construção de uma maior organização do movimento indígena. A responsabilidade pelas violações cometidas pelo Estado brasileiro e seus agentes, já manchados pelo sangue desses povos, deve ser constatada e as penalidades previstas pelo descumprimento dos tratados os quais o Brasil é signatário devem ser aplicadas, numa somatória de esforços da população de bem para a garantia de direitos a esses povos.

Campo Grande, MS, 29 de agosto de 2015.



[1] Segundo os dados preliminares publicados no ano de 2010, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), das 817.963 pessoas que foram entrevistadas e autodeclaradas indígenas no Brasil, o estado de Mato Grosso do Sul concentra 73.295 indivíduos desta população. Trata-se da segunda maior população indígena do país, atrás somente do estado do Amazonas, com 168.680 habitantes indígenas. Segundo informações da FUNAI, esta população está dividida em 08 povos. Em Mato Grosso do Sul, destes povos, o povo Kaiowá e Guarani é o mais numeroso, com aproximadamente 50 mil pessoas, segundo os dados disponíveis pela FUNAI (2010).
[2] Processo administrativo n. 08620.001861/2000-28.
[3] Suspensão de Liminar autuado sob o n.º 2005.03.00.006650-0.
[4] MS n. 25463 – STF.

Foto indígenas (02) _  Álvaro Rezende / Correio do Estado

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