19 de abril de 2017

Dia do Índio: A democracia que queremos


Foto: Mídia NINJA


Liderança indígena nacional,
coordenadora executiva da Articulação
dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
e especialista em gestão ambiental.
Nossa Constituição, quando foi promulgada em 1988, recebeu o apelido de Constituição Cidadã, tal era a quantidade de leis criadas para garantir os direitos fundamentais dos brasileiros.
Era a Constituição que vinha para remover o entulho autoritário e antidemocrático da antiga carta, criada sob a égide da Ditadura Militar. Naquele final dos anos 80, a liberdade e a democracia voltavam a fazer parte dos sonhos da nossa sociedade.
Um largo passo foi dado também na garantia de direitos dos povos indígenas, contrapondo o período da ditadura, quando muitos povos tiveram sua população reduzida. Segundo a Comissão Nacional da Verdade, foram mais de 8 mil indígenas mortos ou que sofreram por tentativa de assimilação.
A Constituição Federal de 88 seria o ponto de mudança, estabelecendo o respeito à terra e também às nossas culturas.
Com o artigo 231, ficou reconhecido “aos povos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Terras tradicionalmente ocupadas, a própria Constituição as define, são as terras habitadas pelos povos indígenas em caráter permanente; utilizadas para suas atividades produtivas; imprescindíveis a preservação dos recursos ambientais necessários ao bem dos povos indígenas; e necessárias à sua reprodução física e cultural; tudo segundo seus usos, costumes e tradições.
Essas garantias fundamentais eram uma esperança aos nossos povos, vitimados por mais de 500 anos de exploração, expropriação e genocídio. Não nos enganemos, entretanto. Nada disso caiu do céu.
Essa Constituição, que foi fruto do processo democrático com que sonhava nossa sociedade depois de mais de 20 anos de ditadura, não nasceu sem que precisássemos lutar por ela. O movimento indígena atuou intensamente pelos avanços ali incorporados.
A mobilização indígena iniciou-se, de maneira mais organizada, na década de 70, diante da necessidade da proteção de terras ameaçadas pelas políticas expansionistas da ditadura militar. Na década de 80, eleito o primeiro deputado indígena, lutamos por representações políticas e pela participação do movimento na constituinte. Nos anos seguintes, continuamos pressionando o Congresso Nacional, organizando protestos e criando frentes autônomas de reivindicações. Era preciso que as leis, que garantiam nossos modos de vida, também saíssem do papel.
E o que vemos hoje?
A Constituição está ameaçada. Seus princípios estão sendo pisoteados. E nossa sociedade não pode mais se orgulhar do seu sonho democrático.
Tudo o que construímos está sendo varrido hoje por uma onda de crescimento dos grupos ultraconservadores, de acirramento das desigualdades, da violência contra as mulheres, população LGBTT e população negra, da precarização do trabalho, entre tantos outros atrasos.
Nós, os povos indígenas, estamos sentindo na carne o retrocessos nas políticas e legislações indigenistas, como a paralisação das demarcações indígenas; o enfraquecimento das instituições e políticas públicas indigenistas; as iniciativas legislativas anti-indígenas que tramitam no Congresso; a tese do “Marco Temporal”, pela qual só devem ser consideradas Terras Indígenas as áreas que estavam de posse de comunidades indígenas na data de promulgação da Constituição (5/10/1988); os empreendimentos que impactam negativamente os territórios indígenas; a precarização da saúde e educação indígenas diferenciadas; a negação do acesso à Justiça; e a criminalização das lideranças indígenas.
Para apenas citar dois casos emblemáticos, relembremos a construção da usina de Belo Monte, que trouxe a destruição do modo de vida tradicional e do meio ambiente no Rio Xingu; e os conflitos e os constantes massacres dos Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, motivados pela ganância dos latifundiários por ainda mais terras.
Tudo isso são grandes retrocessos não apenas para os povos indígenas, mas também para as garantias dos direitos humanos no Brasil.
Os ataques aos nossos povos estão sendo orquestrados pela bancada ruralista no Congresso Nacional, por setores do judiciário, por diferentes setores do Estado e pela gestão do ilegítimo governo Temer, com apoio do poder econômico que lhes dão sustentação.
Somente unidos e mobilizados conseguiremos barrar os retrocessos em curso. Queremos que nossa Constituição seja respeitada e, para isso, iremos fazer nossa voz ser ouvida.
Estamos, neste momento, preparando o Acampamento Terra Livre (ATL), a maior mobilização de povos indígenas do país.
Iremos reunir mais de mil e quinhentas lideranças indígenas de todo o país entre 24 a 28 de abril em Brasília. Essa será nossa resposta à grande ofensiva contra nosso direitos, articulada nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Nosso objetivo é reunir uma grande assembleia de lideranças dos povos e organizações indígenas de todas as regiões do Brasil para discutir e definir posições sobre a violação dos direitos constitucionais e originários dos povos indígenas e das políticas anti-indígenas do Estado brasileiro.
Neste ano, o lema do encontro é “Unificar as lutas em defesa do Brasil Indígena. Pela garantia dos direitos originários dos nossos povos”.
Lutaremos novamente pela democracia que já conquistamos com a Constituição Cidadã de 1988.

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