7 de outubro de 2015

Carta Aberta sobre a Criminalização de Advogados Indigenistas

Solidariedade aos advogados Rogério Batalha Rocha e Luiz Henrique Eloy Amado 
Foto Acima Luiz Henrique Eloy Amado _ Sustentação oral no Superior Tribunal de Justiça - STJ, em habeas corpus que teve como pacientes 6 lideranças Guarani-Kaiowá de Kurusu Amba - Coronel Sapucaia  
advogado Rogério Batalha Rocha (camisa branca) sendo agredido por segurança da ALMS _  Imagem printada


A Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP) vem a público manifestar seu veemente repúdio ao presidente da Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul, Junior Mochi (PMDB), por ter ordenado a prisão do advogado Rogério Batalha Rocha, e à deputada Mara Caseiro (PTdoB) por ter solicitada a prisão. A ressaltar que esta deputada é autora da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada para investigar o Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Dentre os nomes apresentados pela deputada para serem investigados estão os dos advogados indigenistas Rogério Batalha Rocha e Luzi Henrique Eloy Amado. Fato este que explica, por si só, a intolerância em relação àqueles que defendem os direitos dos povos originários do Estado do Mato Grosso do Sul e do Brasil. Intolerância esta manifestada através desse ato covarde e atentatório às prerrogativas do advogado que culminou em agressões físicas causando-lhe várias lesões pelo corpo.

Rogério Batalha faz parte do Coletivo Terra Vermelha e foi assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) por cerca de 10 anos. Atualmente é doutorando em Educação pela Universidade de São Paulo/USP, campus Butantã, cujo tema pesquisado versa sobre a função social das escolas indígenas dos Guarani Kaiowá no MS. Ele se fazia presente na “casa do povo” acompanhando cerca de 200 pessoas que protestavam contra a instauração da CPI contra o CIMI, ao mesmo tempo em que pediam a CPI do genocídio.

Da mesma forma, a RENAP coloca-se solidária ao advogado Luiz Henrique Eloy Amado, doutorando em Antropologia Social pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que foi representado junto à Ordem dos Advogados do Brasil/OAB, Secção-MS, por cumprir o seu mister de defesa do ordenamento jurídico e de seus assessorados. Luiz Henrique é do povo Terena, portanto, na contramão dos interesses dos ruralistas e do agronegócio, se tornou um dos poucos advogados indígenas, e que nos últimos anos tem se dedicado a fazer a defesa de seu povo, bem como dos Guarani, Kaiowá, Kadiwéu e Kinikinau, atuando nas instâncias do Poder Judiciário como legítimo conhecedor da causa.

Por conta de sua atuação, tem sofrido assédios judiciais reiterados com pedidos de cassação de seu registro na OAB-MS (dois pedidos em um ano), feitos pela Federação de Agricultura e Pecuária do MS (Famasul) e pela Associação dos Criadores do Mato Grosso do Sul (Acrissul), sob o argumento de atentar contra o Código de Ética da advocacia, como se fosse crime defender os direitos de seu Povo. Diante das tentativas fracassadas de cassação de sua OAB, as organizações ruralistas trocaram três vezes de escritório de advocacia.
A perseguição começou logo após Luiz Henrique ter impetrado mandado de segurança contra a realização do “leilão da resistência”, organizado pela Famasul e Acrissul com o objetivo de arrecadar recursos para contratar milícias armadas. Como se não bastasse, Luiz Henrique enfrentou uma ação judicial impetrada pelos ruralistas para suspender sua banca de mestrado, pois a mesma aconteceria numa aldeia Terena. Mas para a decepção dos autores, a Justiça Federal entendeu que o fato não constituía crime e que a universidade é dotada de autonomia científica. Diante de mais uma tentativa infrutífera de criminalização, Luiz Henrique foi representando pela segunda vez pela Comissão do Agronegócio da OAB-MS com o objetivo de intimidá-lo e fazê-lo recuar.

Esses ataques reiterados aos Advogados populares fazem parte da estratégia de criminalização dos movimentos sociais e dos defensores dos direitos humanos e para desviar a atenção sobre o genocídio contra os povos indígenas, pois é fato notório e amplamente denunciado pelos defensores da causa indígena e dos direitos humanos, que há mais de uma década centenas de indígenas foram assassinados no Mato Grosso do Sul através de ataques paramilitares patrocinados e realizados por milícias armadas, comandadas pelo setor ligado ao agronegócio.

A profissão de advogado foi constitucionalizada na Carta Magna de 1988, reconhecendo o legislador a sua indispensabilidade à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão. No mesmo sentido, as prerrogativas dos advogados estão previstas pela lei no 8.906/94 que garante a esse profissional o direito de exercer sua profissão com independência e autonomia, sem temor de qualquer autoridade que possa tentar constrangê-lo ou diminuir o seu papel enquanto defensor das liberdades.

Inobstante, o art. 31 do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil-OAB preconiza que o advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia. Portanto, não há melhor forma de se tornar merecedor desta profissão e lhe conferir prestígio do que defender os direitos reconhecidos e garantidos pela Constituição Federal, como o direito a terra e ao território dos povos originários (art. 231, CF). Para isso, deve manter independência em qualquer circunstância. Nenhum receio de desagradar a quem quer que seja nem de incorrer em impopularidade deve deter o advogado no exercício de sua profissão. Sendo assim, as condutas de Luiz Henrique e Rogério Batalha realizam as finalidades da OAB, quais sejam: defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis (Art. 44, I, da Lei 8.906/1994).

Destarte, o papel social e institucional do advogado é imprescindível nos regimes democráticos. Ele assegura, na esfera jurídica, a todos os cidadãos a observância de seus direitos constitucionais e legais. A tentativa de calar Rogério através do uso da violência é uma afronta à democracia e atinge a luta de todos os defensores de direitos humanos. No mesmo sentido, é inaceitável a instrumentalização da OAB-MS para tolher as atividades profissionais de Luiz Henrique.
Repudiamos qualquer ato de violação aos defensores dos direitos humanos e manifestamos nossa solidariedade aos advogados das causas populares Rogério Batalha Rocha e Eloy Henrique Eloy Amado. A advocacia popular não pode definhar nas sombras do autoritarismo, pelo contrário, vamos continuar enfrentando-o. Somos centenas de defensores e defensoras de direitos humanos em todo o Brasil que continuam a lutar por uma sociedade mais justa e igualitária.

P/ Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares
Rodrigo de Medeiros Silva
OAB-CE 16.193
Membro da Comissão Nacional de Acesso à Justiça do CFOAB

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