Angelisson Tenharim, que continua sitiado na aldeia Marmelos, concedeu entrevista ao Amazônia Real. (Foto: Arquivo Pessoal) |
ENTREVISTA ANGELISSON TENHARIM
No final de dezembro do ano passado, Angelisson Tenharim, 22 anos, se preparava para viajar para São Paulo. Ele estava ansioso para iniciar a faculdade de fisioterapia na Universidade de São Carlos. “Eu ia ganhar uma bolsa e estava pronto para viajar”, diz. A ajuda de custo seria bancada pela família, cuja parte da renda viria dos pedágios cobrados pelos índios tenharim na BR-230 (Transamazônica), no sul do Amazonas.
O pedágio ilegal é contestado pela população não-indígena das cidades de Humaitá, Manicoré e Apuí, foi suspenso a pedido da Presidente da República Dilma Rousseff após os graves conflitos ocorridos com a morte do cacique Ivan Tenharim e a revolta da população pelas mortes de três homens dentro da terra indígena Tenharim Marmelos. Cinco índios estão presos em uma cadeia de Porto Velho acusados pela Polícia Federal de supostos crimes de sequestro, homicídio e ocultação de cadáveres. Eles negam.
Passados quase dois meses desde que tiveram de se refugiar em um quartel do Exército, em Humaitá, e dias depois de precisarem ser escoltados por policiais até as aldeias, os indígenas tenharim, cerca de 960 pessoas, e jiahui, um total de 98 índios, continuam sitiados, sem poder sair de suas aldeias. Como parte da segurança determina pela Justiça Federal aos índios, a região do sul do Amazonas está ocupada por uma força-tarefa com 500 militares. Ninguém saiu ou entra dentro da reserva sem passar pelas barreiras ao longo da Transamazônica. Para evitar algum distúrbio, os motoristas que trafegam na rodovia estão sendo escoltados por militares.
Angelisson Tenharim é o primeiro indígena da etnia a conceder uma entrevista à imprensa após as prisões dos cinco índios no dia 30 de janeiro. Ele afirma que, por enquanto, desistiu de viajar para São Paulo. Vai tentar agora fazer uma faculdade, quando puder sair sem correr risco de ser hostilizado, no Amazonas ou em Rondônia.
Dentro das aldeias, os índios estão isolados e sem comunicação por telefone. O telefone público da aldeia Marmelos, a maior da reserva onde moram cerca de 400 pessoas, continua desativado. A suspeita é que ele esteja bloqueado. Em determinadas horas do dia, eles conseguem ter acesso via internet por meio de uma linha instalada em uma escola do ensino fundamental dentro da aldeia Marmelos. E admitem o receio de também o acesso à internet ficar misteriosamente bloqueado.
Na semana passada, a reportagem teve uma conversa com Angelisson Tenharim, via rede social. O único tema não mencionado na conversa foi a respeito da prisão dos indígenas, assunto sobre o qual os tenharim já afirmaram que preferem não falar Os corpos foram encontrados na região da aldeia Taboca, a 137 quilômetros de distância de Humaitá. Leia a entrevista exclusiva de Angelisson Tenharim ao Amazônia Real:
Amazônia Real – Bom dia, Angelisson. Como vão as coisas na aldeia?
Angelisson Tenharim – Bom dia, as coisas estão mais tranquilas. Estamos confiantes, como sempre.
Amazônia Real – Estamos com dificuldade de falar com vocês. Vocês continuam sem orelhão?
Angelisson – Sim, estamos sem telefone e a internet está ruim.
Amazônia Real – Vocês já solicitaram conserto do orelhão?
Angelisson – Acho que estava grampeado e agora cortaram. Já fizemos denúncia sobre isso, mas até agora nada.
Amazônia Real – E a sua vida pessoal, como está?
Angelisson – Era para eu estar fazendo faculdade em São Paulo. Mas devido ao problema não deu para eu ir lá fazer minha matrícula. Eu ia viajar dia 28 de dezembro. Ia fazer Fisioterapia.
Amazônia Real – Como você iria se sustentar?
Angelisson – A minha família ia me ajudar e eu ia ganhar uma bolsa.
Amazônia Real – Sua família lhe ajudaria com os recursos do pedágio?
Angelisson – Uma parte sim. Ia ajudar me manter na cidade. Assim como me manteve quando fiz ensino fundamental e médio.
Amazônia Real – E agora, você não pode sair?
Angelisson – No momento não, mas vou ter que prestar outro vestibular. Ainda não sei onde. Se em Tefé ou Coari, no Amazonas, ou em Porto Velho.
Amazônia Real – Vocês continuam recebendo alimentação? Estão tendo atendimento médico?
Angelisson – Até o presente momento, comida está tendo. Tinha atendimento médico, mas está parado. O médico que o general Villas-Boas disse que ia ficar atendendo foi embora. Até agora não voltou. Tem criança com gripe e diarreia.
Amazônia Real – Vocês comunicaram essa situação a Funai (Fundação Nacional do Índio)?
Angelisson – Sim, mas isso é mais competência da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena). São eles que mexem com saúde. E o Exército também. Vamos cobrar a responsabilidade deles.
Amazônia Real – Alguém da Funai ou de outro órgão já falou para vocês quando poderão sair da aldeia?
Angelisson – Não, ninguém. Mas eu creio que isso ainda vai demorar para isso acontecer. Até a poeira baixar. Bom, algumas pessoas saem, as lideranças saem para tratar de nossos interesses. Outras pessoas não saem por precaução. Deus me livre de algo mal acontecer. Para falar a verdade, a gente não confia em ir a Humaitá. Lá se tornou estranho para nós.
Amazônia Real – Vocês estão com medo?
Angelisson – Tenharim não tem medo de nada, mas não queremos que o pior venha a acontecer. Estamos nos precavendo.
Amazônia Real – Você e outro indígena, jiahui, saíram da aldeia, há alguns dias. Foram a Cuiabá (MT) e Porto Velho (RO). Como foi essa saída da aldeia?
Angelisson – Quando chegamos a Humaitá fomos avisados por uma ligação anônima que sabia que a gente estava lá. Nos avisaram que iam pegar a gente ao longo do percurso da travessia da cidade. Então desviamos caminho e fomos direto para Porto Velho. A nossa viagem era sigilosa e poucas pessoas sabiam.
Amazônia Real – E como foi a volta para a aldeia?
Angelisson – Na volta saímos de madrugada de Porto Velho e cruzamos a balsa cedo.
Amazônia Real – O que vocês dois fizeram durante a viagem?
Angelisson – Fomos fazer reuniões para tratar de vários assuntos. Empreendimentos, novas formas de compensação legal. Tivemos reuniões com a reitoria da Universidade Federal de Rondônia (Unir). A Unir se colocou a disposição de acolher os estudantes tenharim.
Amazônia Real – Quantos universitários tenharim estão sem poder sair das aldeias?
Angelisson – Essa informação ainda não posso passar porque deve haver alteração ou diminuição de alunos.
Amazônia Real – E as outras pessoas que estão sem poder sair da aldeia como estão? Ansiosas, angustiadas?
Angelisson – Estamos meio sem respostas ainda. Mas estamos ansiosos para voltar à normalidade e voltar a trabalhar.
Amazônia Real – Como você consegue acessar a internet?
Angelisson – No momento estou usando a internet da escola de ensino fundamental. Mas tem que ser rápido. Vou ter que sair agora. Abraços.
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