22 de outubro de 2013

A lesão cerebral dos agrocéfalos




As causas não são, ao certo, sabidas. Ao menos até hoje. Se chifrado por algum boi durante o abate ou resultado de uma compressão da próstata na tentativa de se cavalgar algum Quarto de Milha. Talvez pelo esforço excessivo de pensar um campo da antropologia para justificar o latifúndio. Não se sabe. Mas o fato é que a lesão cerebral dos agrocéfalos (e, claro, agrocéfalas) atingiu o patriarca progenitor da raça, entre uma grilagem e outra de terras no decorrer do processo histórico. O resultado é a incapacidade genética que impede aos herdeiros sentir qualquer coisa de nobre pela natureza ou ao que a ela se refira. 

Esta é uma teoria, ainda em construção, com base nos estudos apontados pelo neurocientista português Antônio Damásio, autor da obra O erro de Descartes – emoção, razão e o cérebro humano, que mostra como as lesões cerebrais alteram as formas de ação do sujeito, mesmo quando o raciocínio se mostra intacto. 

Na prática, os agrocéfalos mantêm sua capacidade de contar a metragem das cercas, de saber o que é regalia, de compreender como corromper-se e como corromper, de como se chega a Miami. Há, no entanto, uma falha neste raciocínio, pois só sabem contar suas riquezas convertidas em sacas de soja, de milho ou algodão e só conseguem contabilizar área em milhões de hectares. Também, nesta falha, aprendem a fazer dívidas, emprestar de bancos e acessar incentivos governamentais, mas não aprendem a pagar estas dívidas.

Outra deficiência – resultante da possível chifrada ou da compressão prostática paterna – é a de não estabelecer relações de amor com nada que se refira à natureza. O que lembra árvore vira madeira; o que lembra água vira irrigação ou hidrovia; o que lembra fauna vira caça; o que é verde lembra soja, cana, milho, algodão. E, estranhamente, o que lembra soja, milho, algodão vira agrobusiness, Bolsa de Chicago, exportação.  

O raciocínio dos agrocéfalos tem um estranho funcionamento e desenvolve incrível capacidade de elaboração de leis, portarias e propostas de emendas constitucionais que resultam em benefício próprio. Para esta finalidade conseguem – por meios incrivelmente criativos de financiamento de campanhas – eleger-se para cargos legislativos em todas as esferas, da Câmara de Vereadores ao Senado Federal. Com esta “criatividade” conseguiram abocanhar mais de 214 das 513 cadeiras disponíveis no Brasil para os deputados federais e ???? no Senado. Em outros tempos poderíamos pensar ser um golpe de Estado, mas para os agrocéfalos é uma “expressão da democracia”.

Na truncada relação não estabelecida com a natureza ou com tudo que lembre a mesma – resultado da lesão – os afetados também desenvolvem um ódio incontido para com as pessoas e povos que lembram natureza: quilombolas, indígenas, comunidades tradicionais, ambientalistas, indigenistas. Por isso, querem a todo custo acabar com os direitos destes povos, sejam territoriais ou de serem eles mesmos. Negam, por exemplo, em diferentes lugares do país, que existam indígenas, sobretudo quando estão próximos a supostas “propriedades”. Quando não, dizem que são indígenas paraguaios, bolivianos. Os que existem, na catarse agrocéfala, necessitam de “políticas públicas urbanas”, não de terra, território, meio ambiente.

Beneficiados por diferentes governos, dos ditatoriais aos supostamente democráticos – que cederam terras ocupadas antes por indígenas ou posseiros à sanha exploradora dos agrocéfalos de outrora – os acometidos pela agrocefalia, hoje, assemelham-se àquele desenho animado de dois ratinhos que cotidianamente agiam no intuito de realizar o megalomaníaco sonho de dominar o mundo.

Os agrocéfalos que estão no Senado, na Câmara dos Deputados, nos governos estaduais, dirigindo suas confederações ou bancadas, poderiam ser representados nestes dois personagens, conhecidos no Brasil como a dupla Pink e Cérebro. Como eles, poderíamos sugerir que, em cada abertura de seção parlamentar ou de pronunciamentos, os agrocéfalos que ocupam cargos nestas casas poderiam dizer: nós vamos dominar o mundo.
Claro, não nos esqueçamos que os personagens animados, apesar de todos os esforços, sempre se atrapalhavam e, nem de longe, resvalavam em seu intento. Isso também esperamos que ocorra com aqueles acometidos pela agrocefalia hereditária.

Não obstante, como nos aponta o mesmo Damásio: do ponto de vista da ciência, somos um cérebro individual, mas que se molda socialmente. Assim, na perspectiva de estabelecer a correção à hereditariedade da referida anomalia cerebral e seus efeitos, cabe aos diferentes setores sociais funções específicas nesta verdadeira junta médica: aos movimentos sociais cabe a boa e velha luta, militância. Governos só querem destes movimentos a subserviência, cooptação: deve-se insistir na consciência de que poder só se for popular.

Aos povos e comunidades tradicionais cabe sua existência e resistência a cada novo projeto saído das cabeças agrocéfalas, a continuidade incômoda dos Outros 500, longe de qualquer projetinho “verde” ou “carguinho assalariado”; ao governo federal cabe a vergonha e mudança de atitude, não mais alimentando com R$ 107,5 bilhões a sanha que mantém e é mantida pela agrocefalia e seus portadores. Também cabe ao mesmo governo parar de pensar e agir como se também fosse acometido da anomalia: atacando indígenas com a Polícia Federal e Força Nacional sob pseudo-argumentos. Deverá também banir de suas concepções ideias agrocefalinas como as já pronunciadas pelos ministros da Justiça, Casa Cvil, Minas e Energia, Advocacia-Geral da União (AGU).

Se os agrocéfalos não se moldam nem se deixam moldar, preponderantemente agindo a partir de seu umbigo-mundo, caberá aos que não são portadores da mesma anomalia construir a real democracia, sem DEMônios, sem PoPulismos, semPrivilégios Só Deles, sem Pomposas eMendas Desviadas dos Brasileiros, sem Pseudo Sócio Democracia e emBustes, semPossibilidades de eSconder históricos Crimes.

 Certamente esta real democracia não será resultado de uma união democrática agrocefalista e muito menos uma construídaem uma República dos Ruralistas. Cruz, credo, Deus nos livre.

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