17 de agosto de 2016

1 mil fecha Seduc de PE por criação da categoria de professor indígena e contra municipalização da educação


De Recife (PE), Assessoria de Comunicação - Cimi

A Secretaria Estadual de Educação de Pernambuco amanheceu nesta terça-feira, 16, fechada aos servidores públicos pela ocupação de 11 povos indígenas do estado iniciada na manhã de ontem; está completamente paralisada. “A sede da Seduc permanecerá trancada até que a nossa pauta de reivindicações seja respondida em reunião com o secretário (Fred Amanço) e o governador (Paulo Câmara)”, informa Pretinha Truká, liderança da Comissão de Professores e Professoras Indígenas de Pernambuco (Copipe).  O estado concentra uma das cinco maiores populações indígenas do país, com pouco mais de 45 mil indivíduos compondo 12 povos distintos (IBGE, 2010). 

O tradicional Encontrão da Copipe ocorre este ano na ocupação das instalações da Seduc, na capital Recife. No final da noite de ontem, já com todas delegações vindas do Sertão e Agreste na Seduc e com a Assembleia de Abertura do Encontrão, a contabilização de indígenas presentes chegou a 1 mil - a ampla maioria composta por professores e professoras. A decisão pela ocupação, com tempo indeterminado, ocorre pelo o que o cacique Marcos Xukuru do Ororubá chama de “pauta reprimida” e a professora Elisa Pankararu complementa como “tentativa de retrocessos” pelo governo estadual. Motivos que levaram os indígenas a decidirem sair da Seduc apenas com o atendimento integral da pauta apresentada. 


No documento entregue ao governo, os indígenas exigem a criação da categoria de professor e professora indígena para que assim o concurso público para a categoria possa ser feito. “O Legislativo precisa aprovar a criação da categoria, então o governo do estado elaborou um Projeto de Lei para enviar aos deputados estaduais. Ninguém sabe onde está o PL, e um poder empurra a responsabilidade para o outro”, ressalta Marcos Xukuru. Por essa razão os indígenas querem uma reunião com Amanço, Câmara e o presidente da Assembleia Legislativa, Guilherme Uchoa (PDT). 


Pretinha Truká explica que a criação da categoria de professor indígena é uma reivindicação antiga da Copipe. “Estamos há 16 anos trabalhando com mini-contratos. A criação da categoria daria regularização e estabilidade para os profissionais, além de afirmar nossa identidade enquanto povos indígenas”, afirma. A indígena Truká explica que anualmente os professores e professoras vivem assombrados pelas demissões e a falta de pagamentos. Este ano, diz Pretinha, há centenas de professores e professoras que não receberam os salários por falta de recontratação - um decreto não permite que um professor seja contratado mais depois de seis anos, o que prejudica diretamente a qualidade do ensino ofertado nas aldeias. 


Em Pernambuco, mais de 1 mil professores e professoras atuam em escolas indígenas que atendem mais de 10 mil alunos. “Os atrasos dos salários perpassam a questão dos mini-contratos. Todo ano isso acontece”, ressalta. Elisa Pankararu lembra ainda que profissionais indígenas cedidos pelos municípios passam pela mesma situação. A Seduc não só sabe dos problemas, como evita resolvê-los na opinião das lideranças. O presidente do Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena, o cacique Zuka Kambiwá, lembra que em seu povo a Seduc afirma que em uma escola atuam 20 professores quando apenas 11 trabalham; por outro lado, a secretaria tem em seus registros que em outra escola existem apenas 190 alunos quando 400 assistem regularmente a aulas. 


“É muita inoperância. Temos como comprovar nossos dados, levantados mensalmente e com critérios definidos por especialistas, mas eles se negam a ouvir. Então a merenda chega errada, o transporte não é pago… enfim, uma cadeia de problemas surge”, diz Zuka. Quanto ao Conselho Estadual, o cacique denunciar que o governo "tem esvaziado e não conseguimos encaminhar. Os representantes não comparecem. Chegamos em Recife e discutimos apenas com alguns representantes da sociedade, habituais aliados. Chamamos de 'sala das lamentações’ o local dessas reuniões. Temos mais de cinco reuniões que o governo não comparece”. 


A Coordenadoria da Educação Escolar Indígena, pasta da Seduc, tem sido mais habitual nos encontros. Todavia, sem nenhum poder de decisão ou encaminhamento das demandas. “E aí temos outra questão a tratar com o governo: a Coordenadoria e o Conselho Estadual precisam ser fortalecidos. Nós defendemos e reivindicamos ambos, mas para ter poder de influência real na política pública. O que não acontece”, analisa o cacique Marcos Xukuru do Ororubá. Para a liderança, é preciso que o governo estadual garanta o controle social das políticas para o direito ser efetivado.

             


O retrocesso da municipalização 


Em 2012, o Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica, órgão do Ministério da Educação, baixou a Resolução 05, atualizando a Resolução 03 de 1999. Em síntese, a normativa confere a responsabilidade pela oferta da Educação Escolar Indígena aos estados, podendo ser oferecida pelos municípios por regime de colaboração e com a anuência dos povos indígenas. A Resolução se tornou um marco na luta dos povos indígenas pela Educação Escolar Indígena Diferenciada. Depois de ser responsabilidade da Funai, sendo transferida na década de 1990 para os municípios, os indígenas passaram a discutir a educação apenas com uma representação governamental e livre do coronelismo regional que entendia as escolas indígenas apenas como rurais, e não diferenciadas. 


“Acontece que o estado de Pernambuco nunca se organizou e não criou ordenamentos jurídicos próprios. Agora o estado afirma que a demanda da Educação Escolar Indígena é muito grande e quer devolver aos municípios: se é grande demais para o estado, imagina para os municípios que não possuem estrutura técnica e financeira. Os povos indígenas não querem voltar para eles”, afirma Pretinha Truká. “Imagina você negociar direitos de educação diferenciada com grileiros, fazendeiros e coronéis que dominam as prefeituras e nos ameaçam, nos matam e criminalizam por conta da luta pela terra? O estado pode dar conta, mas não dá porque não quer”, questiona Elisa Pankararu. 


A liderança da Copipe explica que os povos indígenas do Brasil defendem um sistema próprio de educação para os povos indígenas. Durante a Conferência Nacional de Educação, em 2009, foi aprovada a construção desse sistema. Porém, o Ministério da Educação não deu sequência às consultas, encontros e audiências. “Só aceitamos sair do estado se for para entrar nesse sistema próprio. Do contrário, não queremos andar para trás, não aceitamos retrocessos e isso é inegociável”, avisa Pretinha Truká.


“Queremos políticas públicas"


Salsicha, sanduíches e sucos industrializados. “Isso é o que nossas crianças recebem como merenda nas escolas quando nas aldeias há centenas de famílias agricultoras. Não pedimos merenda, mas uma política pública para a merenda”, ataca o cacique Neguinho Truká. Para a liderança o governo do estado deveria pensar em políticas públicas, não apenas em atender demandas - o que também não acontece.


“Se o governo decide comprar os alimentos da agricultura familiar, os alunos teriam macaxeira, todo tipo de banana, hortaliças, legumes, frutas, arroz, feijão, carnes de galinha de capoeira e bode. A alimentação seria saudável, tradicional e geraria renda para as famílias. Nós indígenas somos agricultores por natureza. Crescemos aprendendo a plantar e ensinamos isso aos nossos filhos. Pensar nessa cadeia é política pública e incentiva a prática tradicional. Estamos aqui reivindicando isso”, salienta cacique Neguinho. Hoje apenas 20% da merenda escolar é fornecida pelos próprios indígenas ao estado. Percentual baixo e que o movimento indígena pretende levar à totalidade. 


Para o cacique o caso se repete com o transporte escolar. Os povos foram obrigados a renovar a frota de veículos utilizados para tal fim e “a gente cumpriu, mas o governo estadual não deu sua contrapartida de arrumar as estradas e nem os motoristas estão sendo pagos. Fomos chamados a cumprir o nosso dever. E os direitos? O governo segue sem respeitar nosso cronograma diferenciado, que tem um ano letivo diferente nas aldeias, e não olha de forma cuidadosa pra gente”, encerra cacique Neguinho Truká. 

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