9 de dezembro de 2016

MPF/AM: União é responsabilizada por ação de militares em terra indígena na Operação Ágata 4

Agentes da Marinha atuaram de forma ofensiva e em desrespeito aos modos de vida e peculiaridades do povo indígena Waimiri Atroari durante operação militar
Foto Arquivo eTexto Legenda reproduzidos de  D24am _  "Os Waimiri-Atroari são um povo que se autodenomina kinja (gente) e vive na região que se situa na fronteira entre os Estados do Amazonas e Roraima"
MPF/AM
A Justiça Federal no Amazonas reconheceu a responsabilidade da União por ação de agentes da Marinha do Brasil que desrespeitaram o modo de vida e as peculiaridades do povo Waimiri Atroari durante a realização da Operação Ágata 4, em maio de 2012. Em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM), a União foi condenada pela Justiça a promover treinamento aos militares das Forças Armadas no Amazonas, a fim de que as peculiaridades socioculturais dos povos indígenas, em especial os Waimiri Atroari, sejam respeitadas em novas incursões nas terras indígenas.

O programa de treinamento deve contar com a participação de antropólogos indicados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e a União deve produzir cartilhas, também sob supervisão dos antropólogos, que tratem das peculiaridades dos indígenas Waimiri Atroari e seus modos de vida. O material deve ser produzido em quantidade equivalente ao número de servidores das Forças Armadas.

De acordo com a sentença judicial, a União não pode realizar novas incursões na ocupação tradicional dos Waimiri Atroari, independentemente da área demarcada, sem a adoção de medidas diferenciadas quanto às peculiaridades socioculturais daquele povo, mediante o apoio de profissional da antropologia e prévio treinamento da equipe.

Postura ofensiva – Em maio de 2012, durante a realização da Operação Ágata 4, uma equipe de lideranças indígenas e funcionários do Programa Waimiri Atroari se dirigiu à comunidade Xixuaú para dialogar com militares do 9º Distrito Naval da Marinha, tendo sido abordada e questionada pelos militares, na ocasião, os limites da terra indígena Waimiri Atroari e o uso de boias e placas sinalizadoras pelos indígenas no posto de fiscalização da região conhecida como Mahoa.

Dias depois, militares do 9º Distrito Naval se aproximaram da terra indígena Waimiri Atroari com forte armamento e adotaram postura ofensiva em relação aos indígenas que estavam no local, exigindo retirada de boias e placas sinalizadoras que sinalizaram o rio Jauaperi, liberando o uso do rio para todos, sem a observância das suas peculiaridades socioculturais ou preocupação com o modo de vida, ameaçando os indígenas de prisão e posteriormente cortando as correntes que seguravam as boias e placas, causando danos morais coletivos aos Waimiri Atroari.

Para o MPF, mesmo que os militares tenham permanecido em posição de descanso, como foi alegado pela União, para os índios, a presença de pessoas armadas e o uso de embarcações de guerra foram entendidos como demonstração de poder dos militares, fato evidente nos depoimentos das testemunhas.

Conflitos e mortes
 – A história do povo Waimiri Atroari é marcada por conflitos envolvendo indígenas, militares e seringalistas desde a segunda metade do século XIX, que resultaram na destruição de aldeias e mortes de indígenas, em razão da 'política de pacificação' adotada e do grande interesse econômico nas riquezas naturais da terra que habitam. Outro episódio que marcou sua história foi a construção da BR-174 – que liga Manaus a Boa Vista (RR), iniciada em 1967 e inaugurada em 1977. O assunto foi tratado no 1º Relatório da Comissão Estadual da Verdade do Amazonas e vem sendo acompanhado pelo MPF por meio de inquérito civil público em andamento.

O povo foi ainda vítima da grande inundação em seu território decorrente da construção da usina hidrelétrica de Balbina, a qual alagou imensa área na floresta amazônica e afetou pelo menos um terço da população Waimiri. Em meados da década de 1980, este povo havia chegado a pouco mais de 300 indígenas. Atualmente, a etnia conta com mais de 1,6 mil indígenas.

O MPF aponta que a postura dos militares durante a Operação Ágata 4 mostrou-se abusiva em relação ao povo indígena em questão, tendo se baseado numa visão etnocêntrica do problema. Ao abrir mão, num contexto em que não havia qualquer perigo concreto à atuação militar, de um procedimento dialógico e atento à cultura do povo Waimiri Atroari, valendo-se de métodos utilizados em face dos não-indígenas, a União fez ressurgir antigos traumas naquele povo, causando-lhes danos.

A ação civil pública segue tramitando na 1ª Vara Federal no Amazonas, sob o nº 0001769-90.2014.4.01.3200.

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