6 de novembro de 2015

Indígenas de todo Brasil dão lição de sabedoria e autonomia ao repudiarem PEC 215



De Norte a Sul do Brasil, são inúmeras as manifestações de repúdio e denúncia dos povos indígenas contra a aprovação do Parecer da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, aprovada por sua Comissão Especial, na Câmara dos Deputados, no último dia 27 de outubro. Basicamente, esta proposta transfere do poder Executivo para o Legislativo a prerrogativa de demarcar terras indígenas, titular territórios quilombolas e criar unidades de conservação ambiental. Devido à compreensão de que, se ela for aprovada, nunca mais serão criadas estas áreas no país, ela é chamada pelos povos indígenas de PEC da Morte, PEC do Genocídio e PEC da Violência.
A partir da realização de protestos, trancamentos de rodovias e divulgação de cartas públicas, desde a aprovação do Parecer, os povos têm se manifestado não só contra a PEC 215, mas contra todos os projetos de lei que retiram seus direitos constitucionais, como os que estão previstos na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Cientes de seus direitos, mas acima de tudo da inteligência que move a misteriosa vida na Terra, eles nos explicam, didaticamente, como a sociedade não indígena caminha a passos largos para a destruição, não somente de seus povos, mas de toda a vida no planeta.
O povo Kisêdjê, do Mato Grosso, por exemplo, divulgou um documento em que, com toda sua característica humildade, dão uma verdadeira lição de respeito e desapego. “Se a PEC 215 for aprovada, a destruição será muito grande, e ela já está começando. As florestas estão acabando, os rios estão secando, em outros lugares a chuva está inundando as cidades. Em São Paulo as pessoas já estão sofrendo sem água. E elas não estão percebendo o que está causando tudo isso. Os brancos estão provocando os espíritos da natureza, estão destruindo todas as florestas e a natureza. E os espíritos não estão gostando disso, e já começaram a se vingar. Nós indígenas sabemos disso há muito tempo, só agora os cientistas de vocês estão descobrindo essa verdade, chamando de mudança climática. Mas as pessoas que estão ganhando dinheiro com essa destruição não querem dar ouvidos a isso. Até hoje, nós, povos originários desta terra, existimos, mesmo sem dinheiro, ou exploração da natureza. Sabemos conviver com a natureza, sabemos respeitá-la, sabemos qual árvore podemos derrubar, sabemos quando e como podemos mexer na natureza. Temos que respeitar, porque é a natureza que dá vida para a gente, ela que dá água e comida. Não estamos preocupados com dinheiro: dinheiro não é peixe nem caça, dinheiro não é agua, não é lugar bom para viver. Se a natureza se vingar, como o ser humano vai viver, onde seus filhos e netos irão beber água, onde vão plantar sua comida? Vocês, ruralistas, empresários, políticos evangélicos, precisam enxergar isso, precisam entender que este olhar grande só no dinheiro está acabando com nossas vidas. De todos do planeta”.
Sim ao boicote, não ao colonialismo
Já a Juventude do Conselho Terena, reunida na III Assembleia Geral, nos dias 30 e 31 de outubro e 1º de novembro, na aldeia Cachoeirinha, no município de Miranda, em Mato Grosso do Sul, exigiram em carta manuscrita o respeito e cumprimento da Constituição Federal, da Convenção 169 da OIT e de toda a legislação que defende os direitos indígenas. Ele também manifestaram total apoio à campanha de boicote ao agronegócio no Mato Grosso do Sul: “não podemos ser coniventes com essa prática recorrente em nosso estado, apoiada pela maioria dos políticos e ruralistas, e que tem nos custado um alto preço: a perda de nossos territórios tradicionais, a vida de nossas crianças e lideranças indígenas”.
Plenamente atentos à história de seus antepassados, os jovens ainda garantem “repudiamos, ainda, a instauração e desenvolvimento da CPI contra o Cimi, pois esta busca criminalizar nossas lideranças e apoiadores de nossa luta, além de reforçar pensamentos colonialistas de que os povos indígenas são incapazes de protagonizar suas próprias vidas, lutas e desejos. Somos povos que há muito tempo, antes mesmo de existirem as organizações pró-índio, nos organizamos e a palavra que resume nossa, ainda, sobrevivência é RESISTÊNCIA”.

Sem demarcação, violência aumenta
Apenas na região do Médio Rio Solimões, treze povos indígenas - Ticuna, Kambeba, Kokama, Miranha, Kanamari, Mura, Apurinã, Kaixana, Madija Kulina, Mayoruna, Katukina, Deni e Arara -,  dos municípios de Tefé, Uarini, Alvarães, Fonte Boa, Maraã, Japurá, Juruá, Jutaí, Carauari e Itamarati, denunciaram em protesto na cidade de Tefé, no dia da aprovação da PEC, a tentativa do governo de desconstruir o direito dos povos indígenas no que diz respeito ao reconhecimento das terras indígenas e repudiaram a aprovação da PEC pela bancada ruralista, assim como o aumento da violência. No documento, os povos afirmam que “é preocupante a omissão e morosidade do Poder Público em quanto à demarcação e fiscalização dos territórios tradicionais dos povos indígenas no Amazonas, ocasionando conflitos fundiários entre estes povos e não indígenas que possuem interesse econômico em seus territórios”.
Em sua manifestação o povo Munduruku afirma: “O governo com seus aliados já mostrou que só pensa na morte, matando os povos tradicionais, anda de mãos dadas com a morte, come junto com a morte. Não queremos quem vive assim perto de nós. A vida de todos os povos tradicionais é a terra porque nós somos ligados à mãe natureza, mãe do rio e dos animais. Assim aprendemos com nossos sábios e mantemos nossa força unida para lutar, sempre informados, alertas, com nossa própria voz e autonomia”.
Os povos indígenas do Vale do Javari, a região com maior concentração de povos isolados do mundo, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), representados pelos povos Marubo, Mayuruna, Matís, Kanamary e Kulina declararam que: “Entendemos nitidamente que, ao atender os interesses econômicos de pequenos grupos empresariais, com a prática de política clássica acometida ao longo do processo histórico do país de colonizar os mais fracos, o projeto provoca a contradição da opinião pública, incitando o ódio e a guerra, nesse tempo de paz em que vivemos neste país continental chamado Brasil”.
De modo geral, os povos têm consenso na avaliação de que a aprovação da PEC foi uma medida extremamente agressiva contra os povos indígenas de todo o Brasil. “A guerra foi declarada contra os povos tradicionais”, afirmam e garantem que não desistirão de seus direitos.
Leia aqui a carta do povo Kisêdjê na íntegra
Leia aqui a carta da Juventude do Conselho Terena na íntegra
Leia aqui a carta dos povos do Médio Rio Solimões na íntegra
Leia aqui a carta do povo Munduruku na íntegra
Leia aqui a carta dos povos do Vale Javari na íntegra

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