4 de junho de 2015

MPF acompanha Comissão de Direitos Humanos da Câmara em visita a aldeias guarani-kaiowá

Indígenas reclamaram das más condições de
saúde e segurança e reforçaram a
necessidade de demarcação das terras

Em todas as aldeias, demarcação, saúde e segurança
 foram os temas mais abordados. Fotos: MPF/MS

  
MPF/MS
 
  
Entre os dias 30 maio e 1º de junho, Mato Grosso do Sul recebeu a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados que veio ao estado conhecer a realidade indígena e os casos de violência contra as comunidades guarani-kaiowá. O Ministério Público Federal (MPF) acompanhou a diligência, que percorreu quatro áreas indígenas do sul do estado.
Nas reuniões, todas as comunidades relataram casos de violência e desrespeito aos direitos humanos. Miséria, falta infraestrutura, precário atendimento em saúde, dificuldades de acesso à educação e ausência de medidas de segurança específicas para as aldeias foram as principais reclamações dos indígenas, que enfatizaram a necessidade da demarcação da terra tradicional.
 
Reunião
Ao todo, foram visitadas quatro comunidades do sul do
estado. Fotos: MPF/MS
 
 
As visitas, além de aumentarem o diálogo do legislativo com os indígenas, possibilitaram à Comissão constatar as condições de vida das comunidades e as violações sofridas pelos índios. Na ocasião, os indígenas receberam a promessa de esforços para a efetiva demarcação territorial e para a implementação de políticas públicas relacionadas à segurança, saúde e educação. 
Participaram dos encontros o deputado federal Paulo Pimenta, presidente da CDHM; a subprocuradora geral da República Deborah Duprat; os procuradores da República Marco Antonio Delfino de Almeida e Emerson Kalif Siqueira; o deputado federal Zeca do PT; e representantes do Conselho Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, da Funai, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e da Polícia Federal.
Para o MPF, a diligência foi um meio de dar voz às comunidade. "As visitas foram mais uma oportunidade, dentre outras tantas, de dar visibilidade ao enorme drama vivido pelas comunidades guarani-kaiowá. Aparentemente, a luta pela recuperação de seus territórios as condenou à privação dos mais fundamentais dos direitos", como destacou Deborah Duprat, subprocuradora geral da República e coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF.
Diligência
Indígenas relataram casos de violência e violações de
 direitos. Fotos: MPF/MS

Abaixo, confira a íntegra de Carta encaminhada pelo Conselho Aty Guasu aos integrantes da diligência. O texto fala da luta dos indígenas por reconhecimento e pela efetivação de direitos constitucionais: 
 
CARTA ATY GUASU
 
Caro Presidente Paulo Pimenta, nós conselheiros da Aty Guasu, Grande Conselho do povo Guarani e Kaiowá, representando os mais de 45.000 indígena de nossa etnia no Mato Grosso do Sul, escrevemos este documento para dizer que depositamos em suas mãos e na Comissão de Direitos Humanos uma grande esperança. Que contamos com os senhores como poucos aliados que temos contra todo o abuso e os crimes que o Estado e o próprio Governo vem cometendo contra nosso povo. Esta mesma Esperança temos guardado ao longo de séculos de descaminhos, de beira de estradas, de direitos negados e de terras roubadas.
Desde a invasão de nossos territórios, em 1500 temos enfrentado um desmonte permanente e continuo de nossos territórios tradicionais. No mato Grosso do Sul, para que o latifúndio pudesse prosperar, nos jogaram em Reservas apertadas, em reformatórios e campos de concentração indígena quando não mataram e destruíram povos e aldeias inteiras. Hoje nossas demandas de terra não chegam a dois por cento do Estado do Mato Grosso do Sul.
Entre nós Guarani e Kaiowá, em nossas lendas antigas, falamos de homens que se transformam em outros homens, mulheres em outras mulheres ou até humanos que se transformam em animais. Estes seres se transformam no outro, mas continuam sendo os mesmos seres, nas mesmas almas. Assim temos visto as autoridades brasileiras: o terno se transforma na farda, a mesma farda da ditadura militar, a farda se transforma no chapéu e no cinto do fazendeiro e assim seres diferentes que são na politica o mesmo ser, esmagam nosso direito. Hoje a caneta de um juiz tem o peso do pau de arara, da arma que nos atira para matar e até mesmo da voz rude do despejo de nossas comunidades pela polícia. Hoje a caneta é igual a espada, é um veneno pra nós.
Sabemos que tudo se parece porque na verdade tudo anda igual ou pelo menos está articulado. Começa pelo Poder Executivo que hoje através da própria presidência paralisou nossas demarcações e tem nos atacado através da AGU e do Ministério da Justiça. Isso fortalece nossos piores inimigos que hoje estão vestidos de parlamentares, mas que continuam sendo latifundiários ou aliados destes. Eles usam da estrutura do Congresso para atacar criminosamente a constituição federal, nossos direitos e os direitos dos povos e grupos que se colocam no caminho da monocultura. Por fim, o Judiciário, com a segunda turma do STF desmontando nossas terras já demarcadas, como Guyraroká, Arroio Korá, Taquara, Sombrerito. Todos estes setores atacam nossos direitos mais sagrados. A terra ancestral que para nós é nossa mãe, nossa benção e o futuro não apenas nosso como de toda a humanidade.
Com isso temos vivido aqui no Mato Grosso do Sul, um cerco permanente de violência. Nós lideranças somos caçados dia e noite e para lutar pelos nossos direitos temos, mesmo que nos mantendo vivos, desistir de nossas vidas. Não podemos ter acesso às cidades, ter tranquilidade, nem pensar em futuro com nossos filhos e família. O numero de Guarani e Kaiowa mortos pelos fazendeiros ou pelo Estado permite comparações com tempos de guerra.
O senhor deve ter acompanhado o que aconteceu a nossos parentes Terena em Miranda, mais ao Norte do Estado. Um fazendeiro que sempre ameaça as lideranças deste povo simplesmente disparou contra indígenas que estavam em seu roçado. Um Terena ainda encontra-se no hospital com bala em seu corpo. Estes crimes são diários e de sabedoria pública, mas quase em todos os casos nada é feito para proibir tais crimes praticados de maneira aberta e intencional.
Não temos segurança em nossas terras localizadas próximas a fronteira com o Paraguai. A Força Nacional nem ao menos tem conseguido garantir contingente que passe por nossas terras para evitar o ataque dos pistoleiros. Estamos abandonados a nosso próprio destino.
Com isso nosso povo chora, sofre, morre, desaparece. Hoje falam em democracia. Escutamos atentos tanta coisa ser falada pelo branco, porém o que vocês chamam de democracia para nós tem gosto semelhante ao da colonização e da ditadura, e o gosto em nossas gargantas continua como o de sangue, nosso sangue.
As comissões da verdade têm demonstrado os crimes que o Estado cometeu e comete com nós, mas ainda assim o Estado e o Governo insistem em nos penalizar com "Marco temporal", "Renitente Esbulho", "controvérsia possessória jurídica", pelos crimes que eles cometeram contra os povos indígenas do Brasil. Podemos não entender essas palavras, mas entendemos e denunciamos seu significado. Significam a morte dos povos indígenas do Brasil. 
É preciso senhor presidente, que o Governo cumpra com sua responsabilidade e com a Constituição Federal de 1988. Primeiramente reforçando a Funai e efetivando o atual presidente interino, a quem atribuímos nossa confiança, ao cargo efetivo da instituição. Precisamos da Funai fortalecida para que continuem a montagem dos GTs para identificação e estudo de nossas Terras. Ao mesmo tempo precisamos que politicamente estes estudos sejam reativados pelo Executivo.
Veja o caso de Apyka'i. Mais uma vez a comunidade se encontra frente ao despejo. Depois de tanto sofrimento, depois de mais de 12 mortes diretas, famílias inteiras já receberam ordem para serem removidas e sabemos que só sairão mortas de Apyka'i. Por causa da falta de estudo não temos defesa na justiça que possa salvar esta nossa comunidade tradicional da beira da estrada e do extermínio. Com o mesmo destino e sofrimento de Apyka'i, existem muitos outros acampamentos e quase todas as Terras Indígena da região de Dourados.
Para evitar este estado permanente de cercamento e genocídio é preciso também publicar os relatórios dos seis "Peguá" (regiões de estudo), para enfim avançarmos e conquistarmos nosso direito ao acesso a Terra de maneira tranquila. Em muitas outras Terras necessitamos da publicação das Portarias declaratórias que depende do Ministro da Justiça e da homologação da Presidência da República.
Se o Governo cumprir a Constituição e demarcar nossos territórios tradicionais, resolverá a situação de massacre que estamos sofrendo, caso contrário só restará ao nosso povo a luta direta através de nossas retomadas e não recuaremos na luta pela nossa vida, mesmo sabendo que isso significa a morte de milhares de nosso povo.
O pior e mais criminoso dos ataques contra nossos direitos vem hoje do Judiciário. A suspensão das portarias e homologações demarcações de terras indígenas já consolidadas. Esta é uma declaração de Guerra do Estado Brasileiro contra os povos indígenas. Este fato nos faz afirmar que nos, povos indígenas estamos vivendo um dos piores períodos de toda a história.
Na história ficarão as marcas das atitudes dos senhores e de seus governos. Lados que parecem certos agora, ao lado dos grandes senhores do agronegócio serão apontados num futuro como o extermínio dos filhos da terra, da floresta e do Brasil. Nossos rezadores nos dizem isso quando ficam doentes por ver seu povo e o que estão fazendo contra nós.
O Senhor e a Comissão de Direitos Humanos escutaram nosso chamado. Seus olhos enxergaram aqui um povo à beira do genocídio físico e cultural. Somos gratos pela vinda dos senhores, pelo apoio e por isso em esperança lhe pedimos que nos apoiem em derrotar a PEC 215, a PL 1216 e muitos outros ataques abertos a nossos direitos e a Constituição. Que nos apoie também em não deixar os juízes do Supremo desmontar nossas terras já conquistadas com o sangue e a histórias de nosso povo e que por fim nos ajude a fazer o Ministério da Justiça e a Presidenta a cumprir com suas responsabilidades e demarcar nossas terras como manda a Constituição de 1988.
Pedimos que assim como nossos lideres antigos fazem, que o senhor conte nossa história, denuncia nossa situação, ajude a fazer o mundo e o país a entender o que estão fazendo contra nossos povos. Pois devemos por respeito a nossos filhos e velhos e por respeito a este planeta dizer que não morreremos quietos e esquecidos, e que se o governo não cumprir o que deve, retomaremos todos os nossos territórios e morreremos batalhando por nosso direito. Isto não é ameaça presidente, é nosso grito de basta e nosso mais forte apelo.
Nós povos indígenas tomamos ainda uma decisão. Nossos lideres que tombearem e morrerem durante as retomadas não ficarão esquecidos em cemitérios na beira das rodovias ou esquecidos nos fundos de fazendas. Levaremos seus corpos e os enterraremos na explanada dos ministérios para que mesmo dentro das estruturas do poder em Brasília possam ver as cruzes que vemos todos os dias e meditar sobre suas ações e as consequências dos crimes que o Estado e Governo cometem todos os dias. Ler original AQUI.
 
Assessoria de Comunicação Social 
Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul
(67) 3312-7265/ 7283
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