16 de abril de 2013

Congresso Nacional, Terras Indígenas e a PEC 215/2000

Quando a ameaça vem do Legislativo


Por LAEPI*


No dia 28 de março de 2000, o Deputado Federal Almir Morais Sá (PPG/RR), apresentou Proposta de Emenda à Constituição (PEC 215/2000), publicada no Diário da Câmara dos Deputados no dia 19 de abril do mesmo ano, Dia do Índio. Segundo esta proposta, passaria a ser competência exclusiva do Congresso Nacional: "aprovar a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e ratificar as demarcações já homologadas". Ainda segundo esta proposta: "Os critérios e procedimentos de demarcação das Áreas Indígenas deverão ser regulamentados por lei."

É de amplo conhecimento que o processo de regularização das mais de 683 terras indígenas cadastradas no Sistema de Terras Indígenas da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) é realizado a partir de estudos multidisciplinares consistentes e rigorosamente regulamentados (vide Decreto 1775/1996), com vistas a cumprir o Artigo 231 da Constituição Federal (CF), o qual estabelece o reconhecimento das terras indígenas como fundamentais à sobrevivência física e cultural, assim como o bem-estar, dos índios no Brasil.

É no mesmo artigo, em seu parágrafo 5º, que é atribuído ao Congresso Nacional o papel de deliberar sobre a remoção dos grupos indígenas: "em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população" e assegurar seu "retorno imediato logo que cesse o risco".

Torna-se evidente, portanto, a importância das terras tradicionalmente ocupadas para a proteção dos índios enquanto sociedades culturalmente distintas em interação com a sociedade nacional. Esta precedência das terras como fundamentais para assegurar a sobrevivência de um povo não resulta de uma ficção antropológica, mas de um processo técnico, administrativo e jurídico, no qual o objetivo é assegurar a permanência autônoma de um povo segundo seus usos, costumes e tradições, livres das pressões e violências exercidas sobre eles e seus recursos por agentes imbuídos de outra lógica de produção e geração de riquezas e desenvolvimento. Trata-se de um direito coletivo que emerge na CF como um ganho jurídico e político para tornar o país uma sociedade mais livre, justa e solidária com o culturalmente diferente e o socialmente excluído dos direitos e deveres da cidadania.

Entretanto, quando parlamentares propõem alterar as rotinas administrativas do Poder Executivo que asseguram o usufruto exclusivo de terras indígenas aos seus respectivos povos, observa-se uma inversão nos papéis e poderes, onde o Legislativo se converte no próprio risco do qual deveria preservar os índios de sofrer. Para justificar sua proposta de emenda, o Deputado Almir Morais Sá, Presidente da Federação de Agricultura e Pecuária do Estado de Roraima, alega que:

"No caso da demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, verifica-se que implementada a atribuição pela União Federal no caso, por meio do Poder Executivo - sem nenhuma consulta ou consideração aos interesses e situações concretas dos estados-membros, tem criado insuperáveis obstáculos aos entes da Federação. No fim e ao cabo, a demarcação das terras indígenas consubstancia-se em verdadeira intervenção em território estadual, com a diferença fundamental de que, neste caso e ao contrário da intervenção prevista no inciso IV do art. 49, nenhum mecanismo há para controlá-la, ou seja, a falta de critérios estabelecidos em lei torna a demarcação unilateral." (leia a PEC na íntegra em:http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD19ABR2000.pdf#page=69)

Ao caracterizar o processo de regularização de terras indígenas como "verdadeira intervenção (acrescente-se unilateral) em território estadual", o deputado cria o argumento falacioso de que as terras indígenas, do modo como são constituídas, prejudicam os estados pelo alheamento de sua participação no processo. Esta compreensão parte não somente de uma informação incompleta porque o Decreto 1775/96 prevê a participação dos órgãos estaduais nos levantamentos fundiários feitos pelo Grupo Técnico responsável pela identificação e delimitação da terra indígena, como também, da suposição de que a "intervenção federal" se dá contra ou em desfavor dos entes da Federação.

Considerando que ao Congresso Nacional já compete uma série de atribuições relacionadas à exploração de recursos e geração de riquezas em terras indígenas, e também a tramitação de centenas de leis que afetam direta ou indiretamente aos índios, junto aos quais o próprio Congresso deveria promover consultas conforme os termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), temos que a intenção da PEC 215/2000 de submeter ao Congresso a própria aprovação das terras indígenas e ratificar as já homologadas consiste numa manobra deliberada para fazer das próprias terras indígenas o recurso do qual os estados gostariam de se apropriar.

À recém criada Comissão Especial (CE) caberá emitir um parecer sobre a PEC 215/2000. Esta CE, composta de 20 membros e 20 suplentes, mais um titular e um suplente, passa agora a desempenhar um papel fundamental para a transformação do Congresso Nacional em um poder do qual os índios devem temer ou para sua conservação como um poder com o qual os índios podem contar.

Para acompanhar a tramitação da PEC 15/2000, acessar:

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=14562

*LAEPI (Laboratório de Estudos e Pesquisas em Movimentos Indígenas, Políticas Indigenistas e Indigenismo)

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