15 de outubro de 2014

"Não queremos guerra. Queremos viver em paz em nossas terras"

“É por essas crianças que estamos
lutando. Não queremos guerra.
Demarquem nossa terra, pois nela
queremos viver em paz. Confiamos
na sensibilidade e Justiça dos senhores
ministros do STF" Líder espiritual Getúlio






Clima desértico. Calor infernal no Planalto Central. Brasília ferve. Algumas dezenas de Kaiowá Guarani e Terena caminham até o pátio do Supremo Tribunal Federal (STF). Seus cantos e rituais ecoam entre as paredes de vidro. O forte calor não lhes tira o ardor e a decisão de lutar pelos seus direitos, seja onde for. Em seus corpos pintados, o recado: “queremos nossas terras”. No Jeroki ritual, o gesto de profunda espiritualidade, secular esperança e resistência. Rodeado de crianças, o Nhanderu (líder espiritual) Getúlio dirige-se aos presentes: “é por essas crianças que estamos lutando. Não queremos guerra. Demarquem nossa terra, pois nela queremos viver em paz. Confiamos na sensibilidade e Justiça dos senhores ministros do STF”.
Entre um turno e outro, cadê o compromisso com nossos direitos?
As lideranças da delegação também se mostraram apreensivas e preocupadas com as eleições. Não entendem por que os dois candidatos a presidente do país não mencionaram nenhuma vez os direitos indígenas em seus programas. Marina condicionou seu apoio ao compromisso da demarcação das terras indígenas. Exigem que os candidatos se comprometam em cumprir a Constituição, demarcando as terras.
Se a isso somarmos a eleição de um Congresso dos mais conservadores das últimas décadas, não fica difícil entender as causas de tamanha preocupação dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul e de todo o Brasil.
Documento protocolado nos gabinetes
Uma delegação de três indígenas adultos e três crianças percorreu os gabinetes de todos os ministros do Supremo, protocolando a carta da Aty Guasu, que contém um enfático apelo pelo cumprimento da Constituição em relação à demarcação dos territórios indígenas e pelo fim do estado de violência e guerra em que se encontram as aldeias e os acampamentos indígenas no Mato Grosso do Sul.
Na carta, os resistentes guerreiros deixam claro uma vez mais que “Diante da demora da demarcação de nossas terras, nós, povos Guarani-Kaiowá, já voltamos a retomar nossas terras. Começamos no mês de setembro. Não vamos mais aguardar as promessas do governo. Já fomos enrolados pelo governo. Nós, Guarani-Kaiowá, fomos expulsos das nossas terras em 1970 pelos fazendeiros. Pedimos ao Supremo Tribunal Federal que considere nossas histórias de vida. Nós fomos massacrados pelos fazendeiros há mais de um século. Agora o próprio STF e o governo estão massacrando. Estão nos dizimando, pois não demarcam as nossas terras, nem reconhecem nossos direitos. Diante disso, viemos declarar que nós não vamos sair de nossas terras. Vamos recuperar as nossas terras por direito”.
Os indígenas Guarani-Kaiowá entendem que a garantia das terras aos parentes da Raposa Serra do Sol não se dá às custas da morte, violência e negação das terras dos demais povos indígenas, em especial do Mato Grosso do Sul
Cenário de guerra
O cenário e a realidade de guerra em que vivem os obrigam a levar seu grito mundo afora e aos espaços de decisão sobe suas terras.
Enquanto a delegação estava a caminho de Brasília foi recebendo informações estarrecedoras das violências e mortes a que estão sendo submetidas suas comunidades: em Laranjeira Nhanderu morreu atropelado o jovem de 14 anos, Ismael Mariano de Lima. São dezenas de indígenas que morrem anualmente atropelados. As comunidades de Guaiviry e Pueblito Kuê foram cercadas por pistoleiros, que tentam submetê-los a um regime de cárcere e isolamento. Em Pueblito Kuê faleceu Mikaele Flores, de 3 anos. Causa da morte? Desnutrição, fome e ingestão de água imprópria para o consumo humano.
Kurusu Ambá está à beira de um genocídio anunciado. Está anunciado o despejo da comunidade para o dia 26 deste mês. Comunidade que é constantemente agredida por jagunços que destroem e queimam os barracos e atemorizam a população. “A coisa é tão absurda que querem nos penalizar por termos sido expulsos de nossos territórios. Querem que assumamos a culpa por esses crimes”, desabafa uma das lideranças.

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