É a quinta retomada.
Há sete anos os Guarani-Kaiowá estão tentando adentrar no seu tekoha. A luta para viver no seu território sagrado recomeçou em janeiro de 2007.
Kurussu Ambá fica perto do município de Coronel Sapucaia, a 420 km de Campo Grande. Essa cidade já foi considerada a mais violenta do Brasil. Relembrar o histórico dessa luta é tentar elucidar a que ponto o Poder Público, nas suas várias esferas, continua omisso e injusto quando se trata da problemática que envolve os povos indígenas de Mato Grosso do Sul.
Como já mencionado, no dia 05 de janeiro de 2007, cerca de 150 indígenas (36 famílias) Guarani-Kaiowá resolveram ocupar um pequeno território da sua terra tradicional, nomeada por eles “Kurussú Ambá”. Essa terra já estava sendo reivindicada há anos, desde a época que foram expulsos pelos fazendeiros com o apoio do próprio Estado brasileiro.
Assim, três dias após a retomada, os fazendeiros fortemente armados — eram cerca de 50 pessoas, 12 camionetes, um caminhão e um ônibus — se deslocaram até o acampamento dos Guarani-Kaiowá com o intuito de expulsá-los. Diversos indígenas foram agredidos. A ação dos fazendeiros resultou no assassinato da rezadora (Nhandesi) Xurite Lopes, de 70 anos. Não teve jeito, os indígenas tiveram que abandonar o seu tekoha.
Voltaram então a acampar nas margens da MS-289, que liga os municípios de Amambai a Coronel Sapucaia. Nos meses que ficaram na beira da estrada ocorreu outra morte, porém, a vítima foi uma criança, Aliandra Pereira Ximenes, um bebê de um mês e meio de vida que faleceu devido à desnutrição infantil.
Em maio desse mesmo ano, os Guarani-Kaiowá fazem a segunda retomada e novamente são expulsos pelos fazendeiros e também pela Polícia Militar. Ortiz Lopes é a liderança principal que participa dessa tentativa.
Mesmo fora do seu território, os Guarani-Kaiowá de Kurussu Ambá se juntam aos aliados da luta dos povos indígenas e a todo custo vão até Brasília denunciar a violência que estão vivendo, exigir a punição dos fazendeiros que mataram Xurite. A liderança Ortiz Lopes sofre várias ameaças de morte nesse período. No dia 08 de julho de 2007, Ortiz é assassinado na frente da sua esposa e dos seus filhos.
Em 15 de novembro de 2007 acontece a terceira retomada, sob a coordenação do professor Guarani-Kaiowá, Elizeu Lopes, o mesmo que esteve na 27ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU em outubro de 2014. Nesse dia os fazendeiros mais uma vez intimidaram os indígenas. Um dos fazendeiros levou um caminhão para transportá-los até a beira da estrada e, quando os Guarani-Kaiowá desceram, foram surpreendidos com vários disparos de arma de fogo, sendo que quatro indígenas foram atingidos: Angélica Bairros, Asturio Benites, Noé Lopes e Gilmar Batista.
Sem ter para onde ir, permanecem nas margens da maldita rodovia. Mais uma criança morre, dessa vez um menino de 05 anos, o pequeno Tierbet Bairros, também por causa de desnutrição infantil, no dia 20 de maio de 2008.
A taxa de mortes só tende aumentar na comunidade Guarani-Kaiowá que luta pela sua permanência em Kurussu Ambá. No dia 29 de maio de 2009, foi assassinado Osvaldo Lopes. Ele tinha 24 anos e foi morto com um tiro na cabeça e outro na virilha. No dia 17 de julho de 2009, outra criança, Neline Pereira Benites, recém-nascida, com um mês de vida.
No dia 22 de novembro de 2009, os Guarani-Kaiowá voltam para o front, é a quarta retomada. Ocupam um pedaço de terra nos limites da reserva legal da fazenda “Maria Auxiliadora”. Apesar dos fazendeiros ajuizarem uma ação de reintegração de posse, que foi deferida pela juíza de Ponta Porã, todavia, a FUNAI, representando os indígenas, saiu vitoriosa no agravo de instrumento nº 2010.03.00.010497-0, ingressado no TRF 3ª Região, que determinou a posse deste pedaço de terra aos indígenas.
Desde então, assegurados por essa decisão, os Guarani-Kaiowá continuam ocupando esse pequeno pedaço de terra,.Durante esse período, no ano de 2010, outra criança morre, Taquirará Batista, de 02 anos. Ela estava doente e foi lhe negada o atendimento médico da FUNASA.
É importante lembrar que em 2007 foi assinado um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) entre o Ministério Público Federal e a FUNAI, com o intuito de acelerar o processo de demarcação de terras indígenas no Mato Grosso do Sul. Ficou estabelecido que fossem realizadas as identificações de 36 terras indígenas reivindicadas pelo povo Guarani-Kaiowá, que se encontram distribuídas em 06 bacias hidrográficas no sul do estado.
Porém, até hoje só foi publicado apenas um relatório de investigação, da terra indígena IguatemiPeguá I, devido a pressão popular do levante de 2013, que proliferou nas redes sociais a campanha “Somos Todos Guarani-Kaiowá”, impulsionada pela carta da comunidade de Pyelito Kue.
O GT (Grupo Técnico) que visa identificar a terra indígena de Kurussu Ambá está paralisado desde 2008. Ou seja, cansados de esperar, no dia 22 de setembro de 2014, os Guarani-Kaiowá resolvem avançar e fazem a sua quinta retomada, ocupando uma pequena parte de seu território tradicional. Sem ter comida, e uma vez que a FUNAI não entrega as cestas básicas, os indígenas resolvem ocupar essa área para plantar.
Só que o terror vivido por eles não cessa. Os arrendatários da fazenda ocupada continuam ameaçando, agindo com violência, como se naquela região não existisse lei. E novamente os pistoleiros cercam os indígenas e, no dia 03 de outubro, os barracos foram destruídos. Já no dia 12 sofrem novo ataque. Os jagunços queimam 3 barracos e também atiram em direção ao acampamento.
Aqueles que reclamam ser proprietários da fazenda ajuizaram uma ação de reintegração de posse no dia 25 de setembro. No dia 06 de outubro foi proferida decisão favorável aos fazendeiros, os Guarani-Kaiowá tem 20 dias para desocupar o território voluntariamente e retornarem aos 4 hectares que ocupavam às margens da pequena área de reserva legal.
O Cimi (Conselho Indigenista Missionário), juntamente com outras entidades, como MST, CDDH/MS (Centro de Defesa dos Direitos Humanos Marçal de Souza Tupã-i), Comissão de Direitos Humanos da OAB/MS e Coletivo Terra Vermelha, está promovendo uma campanha em solidariedade a Kurussu Ambá, que visa arrecadar alimentos e água, já que os Guarani-Kaiowá estão tendo que enfrentar não somente a violência dos jagunços, mas também a violência da fome.
Sem ter o que comer, escolhem o dia que poderão se alimentar de água com farinha. Muitas vezes a água consumida está cheia de agrotóxicos, pois o riacho que corta o acampamento está completamente poluído.
Depois de tantas mortes, o que resta aos Guarani-Kaiowá de Kurussu Ambá é lutar. Assim como a comunidade de Pyelito Kue, a de Kurussu Ambá também precisa do apoio de todos. O levante de 2013 precisa ser vivenciado em 2014, porque, afinal de contas, apesar da sociedade civil ter abraçado a causa dos Guarani-Kaiowá, há dois anos as demarcações das terras indígenas não foram levadas a sério pelo Governo Federal.
Com o crescimento da bancada ruralista nas últimas eleições e o Poder Judiciário cada vez mais conservador retrocedendo nas suas decisões, querendo usar o “marco temporal” para todas as causas que envolvem demarcações de terras indígenas e ignorando o fato de que muitos indígenas não estavam nos seus territórios em 1988 porque haviam sido expulsos pelo próprio Estado brasileiro, a conjuntura política atual parece apavorante. Agora, mais do que nunca, devemos unir forças. Os povos indígenas estão aí para provar que só através da resistência que existe a possibilidade do fortalecimento da luta. Avante!