13 de julho de 2016

PGR: liminar que determinou expulsão da comunidade indígena Apyka'i deve ser suspensa

Para Rodrigo Janot, danos à história, à cultura e à sobrevivência do grupo étnico são irreparáveis
Foto manhã do despejo _ Rafael de Abreu
 
 
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) parecer pelo deferimento da Suspensão de Liminar (SL) 996, proposta pela Fundação Nacional do Índio (Funai). A Funai busca suspender decisão da 1ª Vara Federal de Dourados (MS) que deferiu reintegração de posse da Fazenda Serrana (MS) ao proprietário e determinou a saída dos integrantes da Comunidade Indígena Curral de Arame (Apyca'i). Para Janot, “o deferimento da medida de contracautela é necessário como mantenedor da paz social e, talvez em maior grau, como garantia de sobrevivência da comunidade”.

O procurador-geral argumenta que, durante o período de discussão administrativa e judicial sobre o direito da comunidade, é preciso garantir condições de sobrevivência e um mínimo de dignidade aos indígenas. Para Janot, “a inércia ou demora demasiada do órgão de proteção indígena na busca pelo reconhecimento e efetivação de seus direitos não pode, na visão do Ministério Público, ser motivo para penalização da parte mais vulnerável da relação”.

No pedido, a Funai narra o processo de expulsão da comunidade indígena Apyka'i, derivada dos Guarani, de suas terras de ocupação tradicional no Mato Grosso do Sul, a instituição de reservas indígenas confinatórias, o seu esforço em não se distanciarem da área, com a prestação de serviços nas fazendas estabelecidas na região. A Funai cita ainda a situação atual de marginalização, humilhação e beligerância dos indígenas para sobreviverem e permanecerem próximos das terras, após a morte por atropelamento de alguns deles que migraram para a margem da Rodovia BR 463 e do incêndio que, em agosto de 2013, destruiu o pouco que tinham.

De acordo com a Funai, a comunidade ocupa, hoje, 23 hectares da Fazenda Serrana, sendo que, desses, 21 hectares são área de reserva legal e apenas dois hectares são área explorável, restando ao suposto proprietário da área 83 hectares para a exploração da atividade econômica da fazenda.

Segundo Janot, “a análise há de considerar o peso adequado dos valores em disputa: de um lado, a sobrevivência de um grupo especialmente protegido pela Constituição Federal, afetado diretamente em sua capacidade de subsistir e, de outro lado, o interesse meramente econômico sobre área de terra, em situação que, no extremo, se resolve pela via da indenização pelos prejuízos que se considerar eventualmente causados”. Segundo ele, na disputa entre tais valores, não há como ter-se apenas o aspecto econômico como preponderante, já que este se recupera em pecúnia, enquanto a história, a cultura e a sobrevivência de um grupo étnico, em secular situação de vulnerabilidade, são irreparáveis.


O procurador-geral ainda destaca que, embora seja imprescindível para o reconhecimento definitivo do direito dos indígenas o procedimento demarcatório, em que serão aprofundados os estudos a respeito da história da comunidade, “não se há de negar o potencial persuasivo dos estudos já existentes”. Segundo ele, se ainda não houve o reconhecimento oficial da tradicionalidade da ocupação, há, ao menos, elementos que apontam nessa direção e que recomendam atuação mais cautelosa do Judiciário.

Entenda o caso – De acordo com a Funai, a ação de reintegração de posse foi ajuizada em junho de 2008, após a retomada, pela comunidade indígena, de pequena área da reserva legal da Fazenda Serrana, em Mato Grosso do Sul. O pedido de liminar foi deferido em 26 de fevereiro de 2009, o que levou à interposição de agravos de instrumento pela Funai e pelo Ministério Público Federal. Os dois recursos foram desprovidos.

Em 2009, a terra foi desocupada voluntariamente pelos indígenas e o juízo de primeira instância determinou a realização de perícia antropológica. Em 2013, houve reocupação da área pelos indígenas, o que levou ao requerimento de execução provisória da sentença que determinou a reintegração de posse. Por uma série de razões, a ordem de reintegração acabou não se efetivando. Em 4 de maio de 2016, a 1ª Vara Federal de Dourados (MS) determinou o cumprimento da anterior decisão, com a expedição de mandado de reintegração e a desocupação do imóvel pelos indígenas.
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