19 de julho de 2016

Organizações indígenas entram com ação na PGR contra novas declarações racistas do deputado Luiz Carlos Heinze



 
 
Organizações indígenas do Nordeste ofereceram duas representações criminais contra o deputado federal Luiz Carlos Heinze (PP/RS) ao procurador-Geral da República, Rodrigo Janot. Em maio, o parlamentar saudou a Associação de Pequenos Agricultores de Ilhéus, Una e Buerarema (Aspaiub), da Bahia, em discurso gravado no Salão Verde do Congresso Nacional, contendo declarações discriminatórias e contrárias às determinações constitucionais - caso das demarcações de terras indígenas: Heinze, na foto, afirma no pronunciamento trabalhar para “desmontar a farsa da questão indígena” realizando “gestões" junto ao Ministério da Justiça incluindo mudanças na direção da Fundação Nacional do Índio (Funai).   

Nas representações assinadas por caciques, Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) e a Federação das Nações Indígenas Pataxó e Tupinambá do extremo Sul da Bahia (Finpat), protocoladas na última semana, as lideranças indígenas afirmam que o discurso de Heinze quebra o decoro parlamentar e acirra os ânimos numa região onde o conflito por terras passa por tensão permanente - caso da Terra Indígena Tupinambá de Olivença e das terras Pataxó ainda com processos de demarcação inconclusos pelo governo federal, apontada como causa maior da violência contra os indígenas.

Na saudação ao encontro da Aspaiub, Heinze afirma que “estamos trabalhando para desmanchar muitos destes decretos e portarias”. O parlamentar se refere às publicações do governo Dilma Rousseff envolvendo demarcações de terras indígenas e desapropriações de terras para a reforma agrária neste ano. As organizações indígenas argumentam nas representações ao PGR que Heinze "deixa claro que orienta a sua atuação como representante do Poder Legislativo não para proteger os direitos indígenas - como determinam a Carta Magna e tratados e acordos internacionais que o país é signatário (…)”.

O parlamentar deixa a entender no pronunciamento que o ministro da Justiça Alexandre Moraes coaduna com as ideias expostas por ele aos ruralistas baianos. “A CPI da Funai/Incra está desmascarando esta gente. A PEC 215 vai continuar e com o novo Ministro da Justiça vamos dar uma nova direção para todos estes casos (SIC)”, diz Heinze. Conforme demonstram as organizações indígenas na representação, “a veiculação de tal discurso teve como resultado um sensível aumento dos episódios de discriminação e racismo contra os indígenas, inclusive com a ocorreria de ameaças às lideranças”.

Heinze é enfático ao pontuar no vídeo que a questão indígena “está atrapalhando o país”. Para as organizações indígenas, tal declaração “contraria os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana ou dignidade étnica e da construção de uma sociedade pacífica, plural e livre de preconceito”. Na representação, os indígenas explicam que o discurso do parlamentar incide num contexto “marcado por reiteradas violações aos direitos indígenas, pela criminalização de lideranças e pela prática de ações violentas contra a comunidade indígena". 

Este não é o primeiro episódio envolvendo declarações racistas, preconceituosas, contra a ordem constitucional e de incitação ao ódio e à violência contra os povos indígenas feitas por Heinze. Em 29 de novembro de 2013, o ruralista e o também deputado federal Alceu Moreira (PMDB/RS), hoje presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga demarcações de terras realizadas pela Funai e pelo Incra,
proferiram discursos durante audiência pública no município de Vicente Dutra (RS) com toda sorte de ataques e insultos contra indígenas, quilombolas, negros e homossexuais.  

Meses depois, em dezembro de 2013,
durante abertura do chamado ‘Leilão da Resistência’, no Mato Grosso do Sul, organizado por sindicatos rurais com o intuito de levantar recursos para financiar a segurança privada contra os indígenas, Heinze discursou no mesmo tom atacando a Funai, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e se mostrando contra a determinação constitucional para os povos indígenas do direito à terra. O Leilão foi suspenso pela Justiça Federal de Campo Grande, e liberado na sequência pela mesma comarca, mas com os recursos do leilão dos animais doados depositados na Justiça.  


Bingo! 
         

Inspirados pelo ‘Leilão da Resistência’, os dirigentes da Aspaiub, associação para qual o discurso de Heinze foi dirigido, realizaram em 25 de maio de 2014 um bingo na cidade de Buerarema (BA) cujo objetivo era angariar fundos para mobilizações contra a demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença. Tal como no leilão, o bingo teve como premiação bovinos. Políticos da região participaram ativamente da realização da ação de arrecadação. Menos de um ano antes, em 14 de agosto de 2013, um transporte escolar Tupinambá foi atacado a tiros no município. Na ocasião, uma dezena de jovens indígenas voltavam para a aldeia depois das aulas.

Dois dias depois, com uma forte campanha anti-indígena afirmando que os Tupinambá “desceriam” para tomar a cidade, uma centena de moradores de Buerarema bloquearam a BR-101 e incendiaram dois veículos da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), além de casas de indígenas que vivem no município fora da terra indígena. Ao fato somou-se uma série de boatos espalhados por programas de rádio de que os Tupinambá saqueavam e matavam produtores rurais. A criminalização recaiu, sobretudo, às lideranças indígenas com prisões arbitrárias e revertidas pela própria Justiça Federal.

Em 7 de abril deste ano, Rosivaldo Ferreira da Silva, o cacique Babau Tupinambá, e o irmão, José Aelson Jesus da Silva, o Teity Tupinambá,
foram presos pela Polícia Militar no município de Olivença. Cacique Babau e Teity se dirigiram à aldeia Gravatá para averiguar uma reintegração de posse executada com violência pela PM no dia anterior. O comando da polícia, presente na aldeia para escoltar a saída de caminhões de areia de mineradoras, declarou que ligou ao juiz Lincoln Pinheiro da Costa, autor da decisão do despejo e da escolta, informando sobre a presença de Babau e Teity. Pediram ao juiz uma ordem de prisão. Pelo telefone, Lincoln informou aos policiais que eles podiam prender os indígenas por desrespeitar decisão da Justiça.

Nada se comprovou. Ainda assim, a prisão dos indígenas, soltos em liberdade vigiada dias depois, foi comemorada pela Aspaiub. Ao lado do Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro/Bahia - Nação Mestiça, a associação
assinou uma nota pública em apoio às autoridades públicas pelas prisões. No documento, o povo Tupinambá é chamado de milícia “estruturada para aterrorizar e saquear pequenas propriedades familiares”. Mais uma vez, Cimi e Funai foram atacados e responsabilizados por sustentar o que a nota chama de “farsa indigenista” - palavras usadas por Heinze em seus discursos de ódio denunciados nas representações à PGR.

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