Por Renata Santana, CIMI
Guerreiros, mulheres e crianças do povo Munduruku ocuparam durante esta sexta-feira, 28, a Coordenação Regional da Funai no Tapajós, localizada em Itaituba, sudoeste do Pará. Acossados pelo projeto de construção de um complexo hidrelétrico, com previsão de sete usinas nas partes média e alta do Tapajós, sendo uma delas no rio Jamanxim, os Munduruku reivindicam a publicação do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Sawré Muybu Dajê Kapap Eypi.
A Funai propôs aos Munduruku uma reunião no próximo dia 8 de dezembro, em Brasília (DF), com a ida de uma comissão de indígenas. No entanto, as lideranças do movimento afirmaram que se sentem enganadas toda vez que retornam para suas aldeias e a demarcação segue parada, “como se fosse um monte de papel sem significado na mesa do presidente (da Funai)”, disse cacique Juarez Munduruku, da aldeia Sawré Muybu. Os indígenas seguirão com a autodemarcação, iniciada há algumas semanas – leia abaixo a 1ª Carta da Autodemarcação.
O relatório circunstanciado está concluído e resta ao presidente da Funai, Flávio Chiarelli, a simples tarefa de assiná-lo e publicá-lo. Nem tão simples assim diante das intenções que movem as ações anti-indígenas do governo federal nessa região do Pará, na opinião do cacique Juarez: “O que dificulta é esse empreendimento de usinas. A presidente anterior (da Funai, Maria Augusta Assirati) disse que esse era o problema, por isso não fizeram em abril (a publicação) como prometeram”.
Para o cacique, o governo, porém, se nega a explicar oficialmente as razões que o leva a “desrespeitar os direitos dos índios na Constituição” e não concluir a demarcação, que se arrasta há 13 anos. A ocupação, portanto, torna-se mais uma ação dos Munduruku no sentido de garantir direitos conquistados pelo conjunto dos povos indígenas do Brasil; direitos desrespeitados duas vezes: para os indígenas, não restam dúvidas de que a demarcação paralisada é a primeira consequência das barragens, ainda nas maquetes do projeto hidrelétrico no Tapajós, mas anunciada pelo secretário-geral da Presidência da República Gilberto Carvalho, em entrevista para a BBC Brasil, como um complexo que o governo não “abrirá mão de construir”.
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A demarcação do território da Sawré Muybu fatalmente mudará as mais de dez mil páginas do EIA-Rima (estudo e relatório de impactos ambientais) da UHE São Luiz, uma das sete do complexo. O trabalho foi coordenado pela Eletrobras, no âmbito governamental do Ministério de Minas e Energia. O estudo é profundamente questionado pelo Ministério Público Federal (MPF) desde sua execução, envolvendo tropas da Força Nacional, aos aspectos metodológicos e de abrangência, posto que os estudos não contemplaram a Bacia do Tapajós. A consulta prévia, exigência da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), também não aconteceu.
“Se demarcar fica mais difícil para o governo fazer usinas, dizemos que não abrimos mão da demarcação. Por isso estamos autodemarcando, para mostrar que estamos decididos. Então também somos contra essas usinas porque se elas forem erguidas vão inundar as terras Munduruku, incluindo a Sawré Muybu”, conclui cacique Juarez.
Leilão da terra tradicional
Não bastasse o complexo de usinas, os Munduruku convivem com a ameaça do governo federal entregar para madeireiras a concessão de áreas da Floresta Nacional (Flona) do Crepori. O processo de licitação dos recursos florestais, de acordo com o MPF do Pará, que pediu à Justiça Federal a suspensão da concessão, escondeu a existência de populações tradicionais e indígenas vivendo no interior da área e utilizando a floresta. Para os procuradores do MPF, há flagrantes irregularidades no plano de manejo elaborado pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio), gestor da Flona. O vencedor do leilão foi a empresa Brasad'Oc Timber Comércio de Madeiras Ltda.
“Quando o edital de licitação da Flona do Crepori foi divulgado pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB) em maio de 2013, o MPF identificou a irregularidade no plano de manejo, que mencionava a existência de pelo menos 213 pessoas morando e utilizando os recursos da área mas desconsiderava a presença de possível população tradicional e dos limites entre a Flona e a Terra Indígena Sawre Muybu, dos Munduruku, em fase de demarcação”, se posicionou em nota o MPF.
Sobre a consulta prévia, os Munduruku definiram como querem o procedimento. Todavia, até o momento, o governo não se manifestou. Assista ao vídeo aqui.
Leia a 1ª Carta da Autodemarcação Munduruku:
I CARTA DA AUTODEMARCAÇÃO DO TERRITÓRIO DAJE KAPAP EYPI
Aldeia Sawré Muybu – Itaituba/PA, 17 de novembro de 2014
Nossos antigos nos contavam que o tamanduá é tranquilo e quieto, fica no cantinho dele não mexe com ninguém, mas quando se sente ameaçado mata com um abraço e suas unhas.
Nós somos assim. Quietos, tranquilos, igual o tamanduá. É o governo que está tirando nosso sossego, é o governo que está mexendo com nossa mãe terra – nossa esposa.
Hoje, 17 de novembro, faz três meses que reunimos com a FUNAI e representantes do governo em Brasília-DF exigindo a publicação do relatório da demarcação da Terra IPI` WUYXI`IBUYXIM`IKUKAM; DAJE KAPAP EYPI – I`ECUG`AP KARODAYBI. Em setembro de 2013 o relatório delimitando nosso território foi concluído, mas não foi publicado e escutamos como resposta da então Presidente da FUNAI, Maria Augusta, dizendo que a nossa terra é uma área de empreendimentos hidrelétricos, e que por causa do interesse de outros órgãos do governo o relatório não foi publicado. Após duas semanas da reunião de Brasília recebemos notícias de que o Ministério Público Federal entrou com ação obrigando a FUNAI a publicar o relatório, o que a mesma não fez, e semana passada ficamos sabendo que o desembargador do TRF-1 caçou a referida liminar. Mas isso não foi novidade para nós Munduruku. Nunca abaixaremos a cabeça e abriremos a nossa mão, a luta continua! Somos verdadeiros donos da Terra, já existimos antes da chegada dos portugueses invasores.
Hoje também fez um mês que iniciamos a autodemarcação da nossa Terra IPI`WUYXI`IBUYXIM`IKUKAM DAJE KAPAP EYPI, por não confiar nas palavras enganosas do governo e de seus órgãos.
Garantir o nosso território sempre vivo é o que nos dá força e coragem. Sem a terra não sabemos sobreviver. Ela é a nossa mãe, que respeitamos. Sabemos que contra nós vem o governo com seus grandes projetos para matar o nosso Rio, floresta, vida.
Esse território atende às populações do Médio e Alto Tapajós.
Esperamos pelo governo há décadas para demarcar nossa Terra e ele nunca o fez. Por causa disso que a nossa terra está morrendo, nossa floresta está chorando, pelas árvores que encontramos deixados por madeireiros nos ramais para serem vendidos de forma ilegal nas serrarias e isso o IBAMA não atua em sua fiscalização. Só em um ramal foi derrubado o equivalente a 30 caminhões com toras de madeiras, árvores centenárias como Ipê, áreas imensas de açaizais são derrubadas para tirar palmitos. Nosso coração está triste.
Nesses 30 dias da autodemarcação já caminhamos cerca de 7 km e fizemos 2 km e meio de picadas. Encontramos 11 madeireiros, 3 caminhões, 4 motos, 1 trator e inúmeras toras de madeiras de lei as margens dos ramais em nossas terras, e na manhã do dia 15 fomos surpreendidos em nosso acampamento por um grupo de 4 madeireiros, grileiros liderado pelo Vilmar que se diz dono de 6 lotes de terra dentro do nosso território, disse ainda que não irá permitir perder suas terras para nós e na segunda próxima estaria levando o caso para a justiça.
Agora decretamos que não vamos esperar mais pelo governo. Agora decidimos fazer a autodemarcação, nós queremos que o governo respeite o nosso trabalho, respeite nossos antepassados, respeite nossa cultura, respeite nossa vida. Só paramos quando concluir o nosso trabalho.
SAWE, SAWE, SAWE.
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