24 de novembro de 2014

Deputado divulga Parecer e Substitutivo da PEC 215 “substanciado vigorosamente” na decisão do STF sobre Guyraroká

Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental

O relator da famigerada e inconstitucional PEC 215/2000, deputado Osmar Serraglio, do PMDB, divulgou o substitutivo  à Proposta de Emenda Constitucional, que, se aprovada, torna passíveis de revisão as Terras Indígenas já demarcadas ao longo da nossa História, além de escancarar seus limites para toda a sorte de exploração e, até, de arrendamento. Datado de 17 de novembro, o substitutivo é encaminhado através de parecer de 39 páginas, no qual o distinto se baseia, entre outras excrescências, no voto do “eminente Relator Vencedor” do processo envolvendo a Terra Indígena Guyraroká, negando sua posse aos Guarani Kaiowá.
Que o voto de Gilmar Mendes e a decisão do STF sobre Guyraroká, de 16 de setembro de 2014, seriam fartamente usados pelos ruralistas, foi algo que se tornou óbvio tão logo foram divulgados e, em seguida, por eles comemoradas. Não é surpreendente, pois, que, exatos dois meses e um dia mais tarde, ela servisse como base para que Serraglio construísse suas alegações. Como diz, introduzindo a questão, “A decisão no referido RMS 29087-STF merece ser aqui aprofundada, eis que substancia vigorosamente a proposição que este Relator aqui formata tratando do marco temporal, da ampliação das reservas indígenas, do direito à indenização/desapropriação, da fruição das terras indígenas e do pacto federativo”. E seguem as esperadas algaravias sobre Raposa Serra do Sol, alimentadas por trechos de outros ministros, como Carmen Lúcia e Celso de Mello.
As peças se encaixam de forma tão perfeita, que chegam a dar até a impressão de uma simbiose entre ministro e deputado. Não sugerem apenas uma aparente afinidade ideológica, mas também uma afortunada coincidência temporal, na qual a decisão de um fornece os subsídios para as alegações de outro. Antes de se apoiar na decisão do Supremo, entretanto, o preclaro deputado faz algumas ponderações de sua própria ‘lavra’, das quais cito apenas um pequeno e emocionante trecho, presente na página 9:
Ninguém nega tenham sido os indígenas vítimas históricos das hordas pretensamente civilizatórias ou de colonização e até mesmo de pregadores religiosos. Todavia, sacrificados foram por diversas gerações, como outros povos também o foram, sob o influxo de circunstâncias em relação às quais nada se pode imputar aos nossos coetâneos. Querer que pequeno agricultor perca os recursos que, suada e legitimamente, ele e seus antepassados amealharam, ao longo de anos, a título de reparação de injustiças das quais não participaram, será , perpetrar-se contra ele nova injustiça. A pergunta que não quer se calar é: esses que bradam aos céus contra a opressão indígena estariam dispostos a abrir mão de todos seus pertences em prol da causa indígena ? Que argumento moral tem essas pessoas para exigir que os que titularizam imóveis, centenariamente, na mais absoluta boa-fé, de tudo sejam privados, sem direito a qualquer centavo, se não demonstram o mesmo desprendimento ? Não é possível que quem está a legislar não se subsuma à condição de atingido pela lei que prega, para então aquilatar o alcance das consequências de sua proposição.
Há um princípio jurídico hodiernamente remarcado, que é o da razoabilidade. Pergunta-se, será razoável exigir-se de um cidadão que concorde, como um cordeiro, resignadamente, com que tudo o que tem lhe seja retirado ? Somos uma Pátria laica, mas de maioria cristã. Questionamos: será cristão abordar-se famílias de agricultores e lhes determinar que desalojem suas moradias, adquiridas segundo as regras de direito, sob o manto do princípio da aparência de legalidade, e caminhem para o olho da rua ?
As menções aos “sofridos pequenos agricultores” voltarão à cena preparando o fecho, na página 35, imediatamente seguida por um parágrafo sobre o que seria o outro lado da história, exemplificado pelo autor com Guaíra Terra Roxa, onde “se fomenta conflito entre índios e não-índios a partir de evidente imigração de integrantes da etnia Guarani, provindos do país amigo, a República do Paraguai, para formar grupo de pressão e fato consumado”.  Ainda segundo ele, a Funai cria obstáculos aos comparecimento dos indígenas à mesas de negociação, enquanto esses confirmam “seu interesse, mais do que em novas reservas, em políticas públicas que lhes garantam vida digna”.
Afinal, se foi incompetente e não demarcou as Terras Indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição de 1988, “Há de se entender que (…) a União não se legitima para impor quaisquer ônus aos proprietários e ocupantes de boa-fé. De fato, a efetivação de demarcações após a data prevista no art. 67 do ADCT constitui uma omissão da União, que descumpriu prazo constitucional”. Se assim é, que se entregue a cabeça dos povos indígenas na bandeja para os ruralistas do Congresso, apensando-se à 215 as outras obscenidades correlatas.
Uma leitura atenta do Parecer e do Substitutivo são com certeza matéria indigesta para iniciar uma semana. Trata-se, entretanto, de questão de repugnante importância.
O substitutivo está publicado imediatamente abaixo. O Parecer pode ser lido AQUI. E uma entrevista com Serraglio defendendo seus pontos de vista sobre a “questão indígena” para o canal Notícias Agrícolas pode ser acessada AQUI, para quem ainda tiver estômago.
***
SUBSTITUTIVO A PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 215-A, DE 2000
(Apensadas: PEC 579/2002; PEC 257/2004; PEC 275/2004; PEC 319/2004; PEC 156/2003;

PEC 37/2007; PEC 117/2007; PEC 411/2009; PEC 415/2009 e PEC 161/2007)

Modifica os arts. 61, 231 da Constituição Federal e o art. 67

do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,
a fim de dispor sobre o procedimento de demarcação
de terras ocupadas pelos índios.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional:
Art. 1º O §1º, do art. 61 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte inciso III :
“Art. 61 …………………………………………………………………………
§ 1º São iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
……………………………………………………………………………………
III – delimitem terras indígenas.”(NR)
Art. 2º O art. 231 da Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 231…………………………………………………………………….
§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as que, em 5 de outubro de 1988, atendiam simultaneamente aos seguintes requisitos:
I – por eles habitadas, em caráter permanente;
II – utilizadas para suas atividades produtivas,
III – imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.”(NR)
2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, podendo explorá-las, direta ou indiretamente, na forma da lei, excetuando-se as seguintes situações:
I – ocupações configuradas como de relevante interesse público da União, nos termos estabelecidos por lei complementar;
II – instalação e intervenção de forças militares e policiais, independentemente de consulta às comunidades indígenas;
III – instalação de redes de comunicação, rodovias, ferrovias e hidrovias e edificações destinadas à prestação de serviços públicos, especialmente os de saúde e de educação, vedada a cobrança de tarifas de qualquer natureza;
IV – área afetada por unidades de conservação da natureza;
V – os perímetros urbanos.
VI – ingresso, trânsito e permanência autorizada de não índios, inclusive pesquisadores e religiosos, vedada a cobrança de tarifas de qualquer natureza. (NR)
………………………………………………………………………………………….
§ 6º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, §§3ºe 4º.
§ 7º É vedada a ampliação de terra indígena já demarcada. (NR)
§ 8º A delimitação definitiva das terras indígenas far-se-á por lei, competindo ao Poder Executivo propor em projeto de lei de sua iniciativa privativa os limites e confrontações da área indígena, ou, havendo conflito fundiário, a permuta de áreas, assegurada a participação dos entes federados no procedimento administrativo relativo às encravadas em seus territórios. (NR)
§ 9º As comunidades indígenas em estágio avançado de integração com os não-índios podem se autodeclarar, na forma da lei, aptas a praticar atividades agropecuárias e florestais sustentáveis, celebrar contratos, inclusive os de arrendamento e parceria. (NR)
§ 10 A comunidade indígena, na forma da lei, pode permutar por outra, a área que originariamente lhe cabe, atendido o disposto no inciso III do § 1º.(NR)
§ 11 A União adotará políticas especiais de educação, saúde e previdência social para os índios, harmonizando-as com a cultura, crenças e tradições, e com a organização social das comunidades indígenas. (NR)”
Art. 3º O art. 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido com o seguinte parágrafo único:
“Art. 67 ……………………………………………………
Parágrafo único. O § 6º do art. 231 da Constituição não se aplica às áreas demarcadas após o prazo fixado no caput deste artigo”.(NR)
Art. 4º Os procedimentos de demarcação que estejam em desacordo com as disposições desta Emenda Constitucional serão revistos no prazo de um ano, contado da data da publicação desta Emenda.
Art. 5º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Sessões, em 17 de novembro de 2014.
DEPUTADO OSMAR SERRAGLIO
Relator

Nenhum comentário:

Postar um comentário