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Assessoria de Comunicação do Cimi
No primeiro final de semana posterior à retomada da Terra Indígena (TI) Lechucha,
território tradicional reivindicado pelo povo Guarani e Kaiowá nas
adjacências da TI Taquara, no município de Juti (MS), os indígenas
sofreram intensos ataques a tiros e com veneno e permanecem isolados,
cercados pelos pistoleiros.
Segundo
relato dos indígenas, desde o momento em que a retomada da TI Lechucha
foi descoberta pelos fazendeiros, na última sexta-feira (15), os Guarani
e Kaiowá que se encontram no acampamento da retomada –separada da TI
Taquara apenas por um rio – vinham sofrendo ameaças de homens que
circulavam armados em caminhonetes.
Na
tarde de sábado (16), em torno das três e meia da tarde, pistoleiros
chegaram ao local da retomada atirando contra os indígenas, que se
esconderam na mata. Os ataques duraram várias horas e, segundo os
relatos, tiveram seu momento mais intenso entre as oito e as onze horas
da noite. Pelo menos dois barracos erguidos pelos indígenas foram
queimados.
Também durante a tarde de sábado, um grupo de pistoleiros distribuídos em dez caminhonetes dirigiu-se à tekoha – lugar onde se é – Taquara, onde atacou os
indígenas que estavam lá. Crianças, adultos e idosos buscaram proteção
contra os tiros na mata das proximidades. Valdelice Veron, liderança da
TI Taquara que estava presente no momento do ataque, afirma que agentes
do Departamento de Operações Especiais de Fronteira (DOF),
polícia mantida pelo governo do estado do MS, participaram dos ataques e
bloquearam a via que liga as TIs Taquara e Lechucha, impedindo a
comunicação entre os indígenas.
“No
sábado, enquanto atiravam, eles gritaram que estava tudo bloqueado e a
gente não teria saída”, relata Valdelice, que conta que durante os
ataques um administrador de uma fazenda incidente sobre a tekoha
Taquara afirmou que a Polícia Federal (PF) era “amiga do fazendeiro”. A
PF de Naviraí – município onde fica a comarca mais importante da região
– chegou ao acampamento da retomada apenas no domingo e, segundo os
indígenas, tratou-os com rispidez.
Segundo
Valdelice, os Guarani e Kaiowá solicitam a presença da Força de
Segurança Nacional, pois afirmam não confiarem na Polícia Federal, órgão
legalmente responsável por garantir a segurança dos povos indígenas.
Como justificativa para a desconfiança, os indígenas lembram o
assassinato de Oziel Terena, ocorrido durante uma reintegração de posse
orquestrada pela PF numa área retomada pelo povo Terena em 2013, na Terra Indígena Buriti.
No sábado, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados
foi avisada da situação de violência que os Guarani e Kaiowá estavam
enfrentando na retomada e interveio junto à DOF – a qual, desde então,
não foi mais vista pelos indígenas nas redondezas das TIs Taquara e
Lechucha.
Na
manhã desta segunda-feira (18), os Guarani e Kaiowá da tekoha Taquara
permaneciam escondidos na mata quando um avião sobrevoou a região e
despejou veneno sobre eles. Ainda não há relatos sobre se o veneno foi
despejado também sobre a TI Lechucha, mas os indígenas relatam que o
avião seguiu na direção da retomada.
Apesar
de ter sido percebida e divulgada apenas na sexta-feira (16), segundo
Valdelice Veron, a retomada da TI Lechucha aconteceu na madrugada de 13
de janeiro, data em que o assassinato do cacique Marcos Veron completava
13 anos. Marcos foi uma liderança histórica da TI Taquara e um dos
responsáveis por iniciar o processo de retomada da tekoha em 1997, após anos aguardando a resposta do governo aos pedidos de identificação e demarcação de sua terra.
A
área retomada na semana passada está em estudo pela Fundação Nacional
do Índio (Funai) há pelo menos uma década e foi objeto de um Termo de
Ajustamento de Conduta (TAC) estabelecido em 2007 pelo Ministério
Público Federal (MPF), o qual buscava dar celeridade aos processos
demarcatórios de terras do povo Guarani e Kaiowá no estado do MS. Apesar
disso, desde então, os processos praticamente não avançaram.
Já
a TI Taquara aguarda a homologação pelo governo federal. Os estudos de
identificação da terra tradicional iniciaram em 1999 e, em 2010, o
Ministério da Justiça publicou a Portaria Declaratória reconhecendo aos
Guarani e Kaiowá a tradicionalidade de seu território. Atualmente, os
cerca de 600 indígenas da tekoha vivem confinados em uma pequena porção de seu território tradicional, ocupando apenas 300 dos 9.700 declarados da TI Taquara.
Em
função dessa situação de morosidade, Valdelice Veron afirma que os
indígenas reunidos na Aty Guasu (grande assembleia) do grande povo
Guarani e Kaiowá decidiram partir para a retomada da totalidade da TI
Taquara, caso o processo demarcatório não avance.
“Nós
estávamos quietos durante 19 anos, vivendo como refugiados em nossa
própria terra. Não vamos mais esperar pela Justiça, porque não existe
justiça para os Guarani e Kaiowá. Com a demora da homologação, nós vamos
fazer a demarcação com o nosso sangue”, afirma Valdelice Veron, que é
uma das 18 filhas e filhos do cacique Marcos e da Ñandeci Júlia
Cavalhera. A matriarca, que já perdeu o marido e outros quatro filhos em
função da violência contra o povo Guarani e Kaiowá na TI Taquara, é uma
das lideranças que aponta para a necessidade de retomar o território
tradicional de seu povo.
Após
a retomada da TI Lechucha, fazendeiros iniciaram uma campanha de
difamação contra os indígenas, afirmando que os Guarani e Kaiowá na
retomada estariam portando armamento pesado. O administrador de uma
fazenda incidente sobre a tekoha afirmou a veículos de imprensa que os
indígenas teriam "espingardas de diversos calibres e outras armas".
“Não
temos dinheiro nem para comida, como vamos ter dinheiro para armas?”,
questiona Valdelice Veron. “Nós conhecemos a nossa história, conhecemos
nossa raiz, sabemos onde estão nossos bisavós, nossos tataravós, e não
precisa ninguém nos contar. A gente sabe quais são as nossas terras e
conhece a história do nosso povo”.
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