Algumas horas bastaram para que, no dia 19 de janeiro, policiais destruíssem todas as casas, a escola e o posto de saúde do povo Pataxó da aldeia Cahy, na Terra Indígena (TI) Comexatibá, no extremo Sul da Bahia. Uma semana depois da violenta ação de reintegração de posse que desalojou os indígenas, destruiu seus lares e inutilizou seus pertences – muitos deles de valor simbólico e cultural inestimável –, uma decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região suspendeu todas as liminares de reintegração de posse contra as aldeias da TI Comexatibá, evidenciando que a ação executada pela polícia no dia 19, além de brutal, havia sido também injustificada.
A truculência da ação que envolveu cerca de 100 policiais federais, militares e civis, acompanhados de agentes da Companhia Independente de Policiamento Especializado/Mata Atlântica (Caema), não foi capaz de atenuar a determinação do povo Pataxó do Extremo Sul da Bahia. Amparados pela recente decisão judicial, os indígenas da aldeia Cahy resolveram retornar para sua terra, que já foi identificada e delimitada pela Fundação Nacional do Índio (Funai), depois de mais de uma semana desalojados.
A reocupação do território tradicional iniciou às seis e meia da manhã de hoje, com 32 das 75 famílias que foram obrigadas a deixar a área após a violenta ação policial. Segundo a liderança Xawã Pataxó, as famílias que já retornaram estão em barracas de lona e, durante o dia de hoje, um grupo de homens já passou pelo menos quatro vezes na área, intimidando os indígenas.
Uma das incursões dos jagunços ocorreu na tarde de hoje, enquanto Xawã concedia entrevista por telefone à Assessoria de Comunicação do Cimi. Segundo a liderança, cinco homens em um Fiat Uno teriam se aproximado das famílias e gritado “vocês vão cair, vocês vão cair”, enquanto filmavam os indígenas com uma câmera de alto valor. Xawã também relata que o delegado federal da região teria se declarado “insatisfeito” com o retorno dos indígenas à sua terra.
Disputa judicial
A aldeia Cahy é uma das nove que compõem a TI Comexatibá, que fica no distrito de Cumuruxatiba, município de Prado (BA) e cujo Relatório Circunstanciado foi publicado pela Funai no dia 27 de julho de 2015. Nesta data, 28 mil hectares foram identificados e delimitados como pertencentes ao território tradicional dos Pataxó, e o passo seguinte – ainda aguardado – deve ser a publicação da Portaria Declaratória do Ministério da Justiça.
A reintegração de posse executada contra os Pataxó no dia 19 de janeiro foi determinada pelo juiz Guilherme Bacelar, da Subseção da Justiça Federal de Teixeira De Freitas (BA), ainda em julho.
No dia 22 de janeiro, o Desembargador Federal Cândido Ribeiro, do TRF da Primeira Região, suspendeu as ações de reintegração de posse que incidiam sobre a TI Comexatibá – entre elas, a decisão que resultou no despejo dos Pataxó da aldeia Cahy.
A decisão do TRF foi tomada com base em uma ação ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF). A motivação para a decisão do Desembargador foi o fato de que, caso fossem concretizadas as reintegrações de posse, haveria grave risco de interrupção do direito à educação de mais de 500 alunos indígenas, entre 2 e 15 anos, de quatro núcleos das duas Escolas Estaduais Indígenas que existem na TI Comexatibá – como, de fato, aconteceu no núcleo escolar da aldeia Kahy.
A morosidade do governo federal em concluir a demarcação da área também é objeto de uma Ação Civil Pública movida pelo MPF.
Resistência e reconstrução
“A situação não está fácil. Estamos aqui para reivindicar nossos direitos e nossa terra, mas com o coração apertado de ver tudo no chão”, afirma a liderança Pataxó.
Ele conta que, além das casas, da escola e do posto de saúde, grande parte dos pertences dos indígenas foram destruídos durante a reintegração de posse. E o que não foi destruído, como os materiais da escola, foram atirados pelos policiais numa região longe da aldeia, dentro de um assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que incide sobre a TI Comexatibá.
Como não havia local para guardar os materiais escolares, eles ficaram expostos à chuva e acabaram se perdendo nesse período de desalojamento: foram-se livros, cadernos, quadros e até carteiras.
Além disso, a ação policial acabou com a possibilidade de restauração do centro cultural dos Pataxó da aldeia Cahy, que fora consumido por um incêndio criminoso em agosto de 2015 (clique aqui para saber mais). “As paredes ainda estavam de pé, ainda era possível restaurar. Mas agora eles terminaram de acabar com o lugar”, afirma Xawã Pataxó.
A liderança afirma que a prioridade dos indígenas, agora, é reconstruir a escola, o posto de saúde e as moradias das famílias da aldeia. Para isso, contam com doações de quem puder ajudar, especialmente com materiais escolares, para que a escola possa ser reativada, e com materiais de construção, para permitir que os espaços de moradia e comunitários sejam reerguidos.
“Aqui que nós sempre vivemos, aqui que meu avô viveu. Nós vamos reconstruir a aldeia e fazer as moradias, estamos dispostos a resistir porque essa é a nossa terra”, diz Xawã Pataxó.
Apoio, solidariedade e contato para doações
Após a reintegração de posse que desalojou as famílias indígenas da aldeia Kahy, o Fórum Socioambiental do Extremo Sul da Bahia emitiu uma nota, na qual afirma que a ação policial utilizou-se “da violência física e simbólica visto que destruiu todos os elementos que os identificam enquanto grupo”. Clique aqui para ler a nota na íntegra.
Nesta semana, também foi criada uma moção online em apoio aos Pataxó da aldeia Cahy, que já conta com mais de 450 assinaturas de pessoas e entidades. Para visitar e também assinar a moção, basta clicar aqui.
Para realizar doações de materiais escolares – livros, cadernos, mesas, cadeiras – ou de materiais de construção para a reconstrução das casas e espaços comunitários, os contatos são os seguintes:
(73) 98859-3087
(73) 98835-3826
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