14 de janeiro de 2016

Entre a aldeia e a universidade, a terena Simone Amado é uma das articuladoras políticas indígenas no Centro-Oeste

Na terceira da série de cinco entrevistas sobre o projeto Voz das Mulheres Indígenas, conheça um pouco da história de vida e atuação política da mestranda em Antropologia Social que se divide entre Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro em busca do empoderamento político para si e para o seu povo.

Simone Amado, 31 anos, é multiplicadora do projeto Voz das Mulheres Indígenas
Foto _ Isabel Clavelin/ONU Mulheres
 Por ONU Mulheres

“A gente já vem de uma família de liderança. Meus avós por parte de pai e de mãe sempre foram caciques. Isso é uma questão histórica, vem de sangue, vem de família. Liderança já nasce liderança. Não se faz liderança de hoje para amanhã. É só esperar o tempo dela”, afirma Simone Eloy Amado.

Ela é uma dos 16 mil terenas e multiplicadora do projeto Voz das Mulheres Indígenas. Divide o seu tempo entre dois mundos: o tradicional e o acadêmico. Simone concilia a vida na aldeia Ipegui, no município sul-matogrossense de Aquidauana, com a vida no campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde cursa o mestrado em Antropologia Social do Museu Nacional. O tempo é de colheita na sua vida . Em fevereiro de 2016, ela defenderá a sua dissertação e já faz planos para o futuro: doutorado sobre as mulheres indígenas. “No momento em que você entra na universidade, você não está estudando somente para si. Você está estudando para um povo”,  sentencia.

Com formação em Direito, pela Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, aos 31 anos, Simone dedica o seu tempo para o empoderamento das mulheres do seu povo. E como todo empoderamento, ele se inicia com cada pessoa antes de alcançar a coletividade, instaurando-se como mobilização política. “O Direito surgiu na minha vida, quando eu era criança. Quis fazer Direito pela situação do meu estado sobre a demarcação de terras. Meus pais falavam que era preciso ter alguém nessa área para defender o nosso povo. Sempre tive esse desejo de fazer Direito. Em 2005, passei no vestibular na Estadual do Mato Grosso do Sul. Lá, fiquei cinco anos. Conclui em 2010”.
Horizontes ampliados – Fazendo valer o bom uso do tempo, Simone compartilha os cuidados do filho, de cinco anos, com a família e o pai da criança. “Ele tem superado junto comigo. Mora na aldeia, estuda lá e fica com a minha mãe. Eu divido a responsabilidade com o pai dele. Ele fica um pouco com o pai e outro pouco comigo. É um momento de superação ficar longe do filho porque não é da nossa cultura. Foi difícil, mas é para o bem dele, da minha família e do nosso povo”, avalia.
É de lá, da aldeia Ipegui, que Simone retoma as suas forças e a convicção da responsabilidade para seguir o seu caminho. “Hoje moro numa área de retomada junto com a minha mãe. Lá, a gente planta. Ajudamos as mulheres, os caciques, as crianças. Temos muitas responsabilidades porque nossos parentes indígenas veem em nós, estudantes e pesquisadores, solucionadores dos seus problemas. Eles acham que a gente pode. Com certeza, nós vamos abrir muitos caminhos até porque conhecemos o ordenamento jurídico”, assume.
De olho no tempo da luta, ela expõe o seu sonho de ver e “fazer o movimento acontecer no Mato Grosso do Sul, estado com total conflito devido ao descaso com a população indígena. É preciso surgir esse movimento. É preciso nascer mulheres corajosas, mulheres que venham falar da situação e da realidade na sua comunidade, que venham brigar pelos seus direitos. É preciso que surjam novas guerreiras em apoio às que já estão na retomada”.

Entre a aldeia e a universidade, a terena Simone Amado é uma das articuladoras políticas indígenas no Centro Oeste/
Em Brasília, Simone participa de reunião do projeto, na Casa da ONU Brasil, 
ao lado de Iara Wassu Cocal

Em Brasília, Simone participa de reunião do projeto, na Casa da ONU Brasil, ao lado de Iara Wassu Cocal

É do passado e do presente que Simone encontra a esperança para se manter ativa na defesa dos direitos dos povos indígenas. Desde o início do projeto Voz das Mulheres Indígenas, ela intensificou a conversa com as mulheres, estreitando laços étnicos. “Elas dizem: ‘Quando eu não estava na retomada, eu era bem fraquinha. Não falava nada nem para o meu marido. Hoje, eu tenho sangue de guerreiro. Se vier um policial tomar a nossa terra, eu não vou me entregar. Eu vou enfrentar. No meu sangue, no meu corpo, corre sangue de guerreiro. E eu não vou desistir. Essa luta é nossa’”, reproduz as vozes das terenas.

E faz a ressalva: “Como Sônia falou ainda tem muitas mulheres adormecidas, que precisam de capacitação e de conversa”. E não titubeia: “Estamos planejando rodas de conversa para 2016. Tudo tem um início. Cada uma tem de ter tempo para se conhecer e tomar confiança. É assim que está surginho um novo movimento, que as lideranças estão ansiosas para que aconteça”, completa.

Incidência política – Do projeto Voz das Mulheres Indígenas, Simone salienta a colaboração para a articulação política. “Trabalho com as mulheres, tentando trazê-las para conhecer a nossa realidade enquanto mulheres, para que possamos cobrar dos governos e órgãos para dar atenção a nós como mulheres indígenas. Na minha base, as mulheres são privadas de falar, de participar do movimento e de sair das suas aldeias. O projeto tem gerado um momento novo. Não é querer tomar o lugar dos caciques, dos homens, mas juntar o nosso movimento, levando as mulheres ao lado dos homens”, declara.

Pelo projeto, Simone reconhece a expectativa do povo terena sobre o “sangue novo e de mentes novas”, como a sua, que podem ajudar a novas decisões coletivas. “Tive a oportunidade de percorrer as aldeias e explicar o projeto. No meu estado não tem um movimento organizado de mulheres indígenas. O que tem são associações, em que as mulheres se reúnem. Mas elas não têm força para dar um salto maior e empoderamento para cobrar os órgãos competentes e políticas públicas para elas”, analisa depois das conversas com o povo Terena, Guató e Kadwéu.

Empoderamento local – Lembrando que a liderança está no sangue, Simone narra a história de sua irmã, cacica da aldeia urbana Tumoné M’ Kalamimonó (Futuro da Criança), em Campo Grande. Histórias como a dela mostram que o empoderamento se constroi e se afirma a cada passo na vida. Na época, a dupla morava na capital sul-matogrossense para fazer a faculdade e a irmã fazia acompanhamento de famílias indígenas no contexto urbano. Organizava reuniões, levava assistentes sociais e buscava apoio da prefeitura. Segundo Simone, a casa em que as duas irmãs viviam era uma espécie de sede da tomada de decisões.

“Até que um dia que eles decidiram fazer a ocupação na cidade. Ela foi na prefeitura e descobriu que era uma área verde. Há dois anos, fizeram a ocupação. Foi ela e mais quatro pessoas, entre elas uma criança. Hoje, é a aldeia mais organizada de Campo Grande. E o pessoal a convidou para ser cacica. Ela organizou a eleição e ganhou”, conta satisfeita sobre o novo destino das 69 famílias.

Sobre o Voz das Mulheres Indígenas – Por demanda das mulheres indígenas, a ONU Mulheres Brasil colaborou para a elaboração do projeto Voz das Mulheres Indígenas, numa cooperação com a Embaixada da Noruega, com o propósito de apoiar a incidência política. O projeto tem como objetivo identificar pauta comum de atuação política, norteando-se por cinco eixos: violação dos direitos das mulheres indígenas; empoderamento político; direito à terra e processos de retomada; direito à saúde, educação e segurança; e tradições e diálogos intergeracionais. O processo de coleta de informações e resposta ao questionário será concluído em fevereiro de 2016. Mulheres indígenas interessadas em colaborar, podem entrar em contato por meio do e-mail:
Mobilização das indígenas – As primeiras organizações de mulheres indígenas surgiram na década de 1980: Associação de Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro e Associação de Mulheres do Distrito de Taracuá. Contribua, resgatando o histórico dessas e de outras organizações de mulheres indígenas existentes do seu povo, estado e região.
Povos indígenas no Brasil – Conforme o censo de 2010, cerca de 900 mil indígenas vivem no Brasil. Destes, 450 mil são mulheres e têm menos de 22 anos. A população indígena brasileira está dividida em 305 etnias que falam 274 línguas. Confira depoimento, a seguir:



Assista aqui a série de depoimentos de mulheres indígenas participantes do projeto Voz das Mulheres Indígenas no Youtube da ONU Mulheres Brasil
Confira aqui a galeria de fotos do projeto Voz das Mulheres Indígenas
 
Leia também:
“O compromisso do Brasil tem que ser com os nossos direitos”, diz Sônia Guajajara, do movimento de mulheres indígenas - perfil de Sônia Guajajara
Mulheres indígenas estão na luta pela terra e sofrem ameaças de madereiros – perfil de Maria Leonice Tupari. Original ONU Mulheres AQUI.

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