Na terceira da série de cinco entrevistas sobre o projeto Voz das Mulheres Indígenas, conheça um pouco da história de vida e atuação política da mestranda em Antropologia Social que se divide entre Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro em busca do empoderamento político para si e para o seu povo.
Simone Amado, 31 anos, é multiplicadora do projeto Voz das Mulheres Indígenas Foto _ Isabel Clavelin/ONU Mulheres |
“A gente já vem de uma família de liderança. Meus avós por parte de pai e de mãe sempre foram caciques. Isso é uma questão histórica, vem de sangue, vem de família. Liderança já nasce liderança. Não se faz liderança de hoje para amanhã. É só esperar o tempo dela”, afirma Simone Eloy Amado.
Ela é uma dos 16 mil terenas e multiplicadora do projeto Voz das Mulheres Indígenas. Divide o seu tempo entre dois mundos: o tradicional e o acadêmico. Simone concilia a vida na aldeia Ipegui, no município sul-matogrossense de Aquidauana, com a vida no campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde cursa o mestrado em Antropologia Social do Museu Nacional. O tempo é de colheita na sua vida . Em fevereiro de 2016, ela defenderá a sua dissertação e já faz planos para o futuro: doutorado sobre as mulheres indígenas. “No momento em que você entra na universidade, você não está estudando somente para si. Você está estudando para um povo”, sentencia.
Com formação em Direito, pela Universidade Estadual do Mato Grosso do
Sul, aos 31 anos, Simone dedica o seu tempo para o empoderamento das
mulheres do seu povo. E como todo empoderamento, ele se inicia com cada
pessoa antes de alcançar a coletividade, instaurando-se como mobilização
política. “O Direito surgiu na minha vida, quando eu era criança. Quis
fazer Direito pela situação do meu estado sobre a demarcação de terras.
Meus pais falavam que era preciso ter alguém nessa área para defender o
nosso povo. Sempre tive esse desejo de fazer Direito. Em 2005, passei no
vestibular na Estadual do Mato Grosso do Sul. Lá, fiquei cinco anos.
Conclui em 2010”.
Horizontes ampliados – Fazendo valer o bom uso do
tempo, Simone compartilha os cuidados do filho, de cinco anos, com a
família e o pai da criança. “Ele tem superado junto comigo. Mora na
aldeia, estuda lá e fica com a minha mãe. Eu divido a responsabilidade
com o pai dele. Ele fica um pouco com o pai e outro pouco comigo. É
um momento de superação ficar longe do filho porque não é da nossa
cultura. Foi difícil, mas é para o bem dele, da minha família e do nosso
povo”, avalia.
É de lá, da aldeia Ipegui, que Simone retoma as suas forças e a
convicção da responsabilidade para seguir o seu caminho. “Hoje moro numa
área de retomada junto com a minha mãe. Lá, a gente planta. Ajudamos as
mulheres, os caciques, as crianças. Temos muitas responsabilidades
porque nossos parentes indígenas veem em nós, estudantes e
pesquisadores, solucionadores dos seus problemas. Eles acham que a gente
pode. Com certeza, nós vamos abrir muitos caminhos até porque
conhecemos o ordenamento jurídico”, assume.
De olho no tempo da luta, ela expõe o seu sonho de ver e “fazer o
movimento acontecer no Mato Grosso do Sul, estado com total conflito
devido ao descaso com a população indígena. É preciso surgir esse
movimento. É preciso nascer mulheres corajosas, mulheres que venham
falar da situação e da realidade na sua comunidade, que venham brigar
pelos seus direitos. É preciso que surjam novas guerreiras em apoio às
que já estão na retomada”.
É do passado e do presente que Simone encontra a esperança para se
manter ativa na defesa dos direitos dos povos indígenas. Desde o início
do projeto Voz das Mulheres Indígenas, ela intensificou a conversa com
as mulheres, estreitando laços étnicos. “Elas dizem: ‘Quando eu não
estava na retomada, eu era bem fraquinha. Não falava nada nem para o meu
marido. Hoje, eu tenho sangue de guerreiro. Se vier um policial tomar a
nossa terra, eu não vou me entregar. Eu vou enfrentar. No meu sangue,
no meu corpo, corre sangue de guerreiro. E eu não vou desistir. Essa
luta é nossa’”, reproduz as vozes das terenas.
E faz a ressalva: “Como Sônia falou ainda tem muitas mulheres
adormecidas, que precisam de capacitação e de conversa”. E não titubeia:
“Estamos planejando rodas de conversa para 2016. Tudo tem um início.
Cada uma tem de ter tempo para se conhecer e tomar confiança. É assim que
está surginho um novo movimento, que as lideranças estão ansiosas para
que aconteça”, completa.
Incidência política – Do projeto Voz das Mulheres
Indígenas, Simone salienta a colaboração para a articulação política.
“Trabalho com as mulheres, tentando trazê-las para conhecer a nossa
realidade enquanto mulheres, para que possamos cobrar dos governos e
órgãos para dar atenção a nós como mulheres indígenas. Na minha base, as
mulheres são privadas de falar, de participar do movimento e de sair
das suas aldeias. O projeto tem gerado um momento novo. Não é querer
tomar o lugar dos caciques, dos homens, mas juntar o nosso movimento,
levando as mulheres ao lado dos homens”, declara.
Pelo projeto, Simone reconhece a expectativa do povo terena sobre o
“sangue novo e de mentes novas”, como a sua, que podem ajudar a novas
decisões coletivas. “Tive a oportunidade de percorrer as aldeias e
explicar o projeto. No meu estado não tem um movimento organizado de
mulheres indígenas. O que tem são associações, em que as mulheres se
reúnem. Mas elas não têm força para dar um salto maior e empoderamento
para cobrar os órgãos competentes e políticas públicas para elas”,
analisa depois das conversas com o povo Terena, Guató e Kadwéu.
Empoderamento local – Lembrando que a liderança está
no sangue, Simone narra a história de sua irmã, cacica da aldeia urbana
Tumoné M’ Kalamimonó (Futuro da Criança), em Campo Grande. Histórias
como a dela mostram que o empoderamento se constroi e se afirma a cada
passo na vida. Na época, a dupla morava na capital sul-matogrossense
para fazer a faculdade e a irmã fazia acompanhamento de famílias
indígenas no contexto urbano. Organizava reuniões, levava assistentes
sociais e buscava apoio da prefeitura. Segundo Simone, a casa em que as
duas irmãs viviam era uma espécie de sede da tomada de decisões.
“Até que um dia que eles decidiram fazer a ocupação na cidade. Ela
foi na prefeitura e descobriu que era uma área verde. Há dois anos,
fizeram a ocupação. Foi ela e mais quatro pessoas, entre elas uma
criança. Hoje, é a aldeia mais organizada de Campo Grande. E o pessoal a
convidou para ser cacica. Ela organizou a eleição e ganhou”, conta
satisfeita sobre o novo destino das 69 famílias.
Sobre o Voz das Mulheres Indígenas – Por demanda das
mulheres indígenas, a ONU Mulheres Brasil colaborou para a elaboração
do projeto Voz das Mulheres Indígenas, numa cooperação com a Embaixada
da Noruega, com o propósito de apoiar a incidência política. O projeto
tem como objetivo identificar pauta comum de atuação política,
norteando-se por cinco eixos: violação dos direitos das mulheres
indígenas; empoderamento político; direito à terra e processos de
retomada; direito à saúde, educação e segurança; e tradições e diálogos
intergeracionais. O processo de coleta de informações e resposta ao
questionário será concluído em fevereiro de 2016. Mulheres indígenas
interessadas em colaborar, podem entrar em contato por meio do e-mail:
Mobilização das indígenas – As primeiras
organizações de mulheres indígenas surgiram na década de 1980:
Associação de Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro e Associação de
Mulheres do Distrito de Taracuá. Contribua, resgatando o histórico
dessas e de outras organizações de mulheres indígenas existentes do seu
povo, estado e região.
Povos indígenas no Brasil – Conforme o censo de
2010, cerca de 900 mil indígenas vivem no Brasil. Destes, 450 mil são
mulheres e têm menos de 22 anos. A população indígena brasileira está
dividida em 305 etnias que falam 274 línguas. Confira depoimento, a seguir:
Assista aqui a
série de depoimentos de mulheres indígenas participantes do projeto Voz
das Mulheres Indígenas no Youtube da ONU Mulheres Brasil
Confira aqui a galeria de fotos do projeto Voz das Mulheres Indígenas
Leia também:
“O compromisso do Brasil tem que ser com os nossos direitos”, diz Sônia Guajajara, do movimento de mulheres indígenas - perfil de Sônia Guajajara
Mulheres indígenas estão na luta pela terra e sofrem ameaças de madereiros – perfil de Maria Leonice Tupari. Original ONU Mulheres AQUI.
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