Projeto foi aprovado pelo Congresso em novembro de 2015 e permitiria
o uso de línguas indígenas e de processos diferenciados de avaliação
escolar em todos os níveis de ensino. Veto do governo veio em dezembro e
preocupa lideranças indígenas e especialistas
Depois
de um ano inteiro de ataques aos direitos indígenas, o Congresso
Nacional aprovou no final 2015 um projeto de lei a favor da educação
escolar indígena: o PL nº 5944/2013,
de autoria do senador Cristovam Buarque (PDT/DF). O problema é que
antes do ano terminar, no dia 29/12, ele foi vetado integralmente por
Dilma Rousseff.
Aprovado com parecer favorável em todas as comissões do Senado e da Câmara dos Deputados, o projeto alterava a redação de dois artigos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para garantir que as escolas indígenas não sejam avaliadas pelos mesmos critérios das escolas dos brancos e permitir que as línguas indígenas sejam usadas não só na alfabetização e no ensino fundamental, mas também nos ensinos médio, profissionalizante e superior.
Em sua decisão, a presidente afirma que o veto é apoiado pelos ministérios da Educação (MEC) e do Planejamento (MPOG) e que o PL seria contrário ao interesse público.
A antropóloga e linguista Bruna Franchetto, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, concorda: “O veto vem para dar o golpe fatal a uma educação já limitada e frágil. A diversidade é uma riqueza, mas não o é para os lacaios do desenvolvimentismo. Esta riqueza está em cerca de 160 línguas indígenas e suas variedades dialetais, todas acossadas por mídias e um sistema de ensino que as ignoram”.
Sempre por último
A Escola Estadual Indígena Gwyra Pepó, na Terra Indígena Tenondé Porã, extremo sul da cidade de São Paulo, onde Poty Poran é diretora, não faz – porque escolheu não fazer - a Prova Brasil e o Saresp, avaliações aplicadas pelos governos federal e estadual, respectivamente. “Como é que pode ter uma educação diferenciada e ter uma avaliação igual?”, questiona a professora, lembrando que quando as escolas das TIs Tenondé Porã e Jaraguá participavam das avaliações, ostentavam as piores posições do estado: penúltimo e último lugar.
Para Grupioni as escolas indígenas sempre ficam por último porque nunca existiram instrumentos específicos de avaliação que contemplassem o fato de serem escolas multilingues, com currículos, cargas horárias e calendários próprios.
Em termos de direitos linguísticos, explica Franchetto, que há anos tem formado professores e pesquisadores indígenas desde o magistério até a pós-graduação, não é diferente: “Não há nenhuma política linguística explícita, adequada e coerente no Brasil. Os cursos de formação de professores indígenas, que proliferam no Brasil, ou ignoram completamente a existência das línguas indígenas ou as tratam com displicência e profunda ignorância”. Para ela, as línguas indígenas, como previa o PL, deveriam ter lugar em todos os níveis de ensino: “Não somente para garantir os direitos dos já muitos alunos indígenas além do ensino básico, mas também para abrir as cabeças dos alunos não indígenas de escolas e universidades, cuja formação é sabidamente limitada e medíocre, no Brasil”.
Um dos que sente a dificuldade é Dagoberto Lima Azevedo, pesquisador indígena, da etnia Tukano, que faz mestrado na Universidade Federal do Amazonas (Ufam). No início de dezembro do ano que terminou, ele e o colega Gabriel Sodré Maia tiveram de protocolar um pedido para que possam escrever e defender suas dissertações de Antropologia em sua própria língua, o Tukano. A exigência foi motivada, segundo Dagoberto, pela dificuldade de tradução dos conceitos da cosmologia Tukano para o português, e para mostrar a potência da língua materna para fazer ciência: “O nosso objetivo é provar que é possível escrever em nossa língua. Se [os brancos] quiserem conhecer o nosso conhecimento, vão ter que aprender a nossa língua”.
Na carta, ainda sem resposta, ao Pró-Reitor de Pós-Graduação da universidade, os estudantes dizem que não são indivíduos, mas “pessoas coletivas” e completam: “Tal iniciativa garante também aos nossos grupos étnicos o direito de ler essa produção sobre nosso conhecimento em sua própria língua”. Dagoberto quer defender sua dissertação no malocão da Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro (Foirn) e acha que a alteração da LDB vetada por Dilma seria uma vitória não só para ele e seu colega: “A maior parte ia poder escrever com as próprias línguas deles também. Seria um grande passo para todos os povos indígenas”.
Aprovado com parecer favorável em todas as comissões do Senado e da Câmara dos Deputados, o projeto alterava a redação de dois artigos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para garantir que as escolas indígenas não sejam avaliadas pelos mesmos critérios das escolas dos brancos e permitir que as línguas indígenas sejam usadas não só na alfabetização e no ensino fundamental, mas também nos ensinos médio, profissionalizante e superior.
Em sua decisão, a presidente afirma que o veto é apoiado pelos ministérios da Educação (MEC) e do Planejamento (MPOG) e que o PL seria contrário ao interesse público.
“Interesse público de quem? Certamente não o dos povos indígenas”, questiona o especialista em educação escolar indígena Luis Donisete Benzi Grupioni. Para ele, que representa a sociedade civil no Conselho Nacional de Educação Escolar Indígena (Cneei), o fato é um disparate e contradiz iniciativas do próprio governo para tentar fazer com que as escolas indígenas sejam diferentes, e não piores, que as outras: “Ter garantias na lei de que os índios têm direito a uma educação que respeite as suas culturas, línguas e respondam a seus projetos de futuro é importante para mudar uma prática secular de imposição da escola nacional nas Terras Indígenas”, explica, em entrevista ao ISA.No texto, Dilma Rousseff afirma: “Apesar do mérito da proposta, o dispositivo incluiria, por um lado, obrigação demasiadamente ampla e de difícil implementação por conta da grande variedade de comunidades e línguas indígenas no Brasil”. Para as lideranças indígenas, a alegação é inconstitucional: “Onde estão os direitos da Constituição de 1988, que diz que nós temos direito a processos próprios de educação?”, questiona a professora indígena Poty Poran Turiba Carlos, do povo Guarani. Sonia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), avalia: “O governo se mostra cego para o tema da diversidade e o tratamento diferenciado dos povos indígenas; prioriza línguas estrangeiras às línguas maternas”.
A antropóloga e linguista Bruna Franchetto, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, concorda: “O veto vem para dar o golpe fatal a uma educação já limitada e frágil. A diversidade é uma riqueza, mas não o é para os lacaios do desenvolvimentismo. Esta riqueza está em cerca de 160 línguas indígenas e suas variedades dialetais, todas acossadas por mídias e um sistema de ensino que as ignoram”.
Sempre por último
A Escola Estadual Indígena Gwyra Pepó, na Terra Indígena Tenondé Porã, extremo sul da cidade de São Paulo, onde Poty Poran é diretora, não faz – porque escolheu não fazer - a Prova Brasil e o Saresp, avaliações aplicadas pelos governos federal e estadual, respectivamente. “Como é que pode ter uma educação diferenciada e ter uma avaliação igual?”, questiona a professora, lembrando que quando as escolas das TIs Tenondé Porã e Jaraguá participavam das avaliações, ostentavam as piores posições do estado: penúltimo e último lugar.
Para Grupioni as escolas indígenas sempre ficam por último porque nunca existiram instrumentos específicos de avaliação que contemplassem o fato de serem escolas multilingues, com currículos, cargas horárias e calendários próprios.
Em termos de direitos linguísticos, explica Franchetto, que há anos tem formado professores e pesquisadores indígenas desde o magistério até a pós-graduação, não é diferente: “Não há nenhuma política linguística explícita, adequada e coerente no Brasil. Os cursos de formação de professores indígenas, que proliferam no Brasil, ou ignoram completamente a existência das línguas indígenas ou as tratam com displicência e profunda ignorância”. Para ela, as línguas indígenas, como previa o PL, deveriam ter lugar em todos os níveis de ensino: “Não somente para garantir os direitos dos já muitos alunos indígenas além do ensino básico, mas também para abrir as cabeças dos alunos não indígenas de escolas e universidades, cuja formação é sabidamente limitada e medíocre, no Brasil”.
Um dos que sente a dificuldade é Dagoberto Lima Azevedo, pesquisador indígena, da etnia Tukano, que faz mestrado na Universidade Federal do Amazonas (Ufam). No início de dezembro do ano que terminou, ele e o colega Gabriel Sodré Maia tiveram de protocolar um pedido para que possam escrever e defender suas dissertações de Antropologia em sua própria língua, o Tukano. A exigência foi motivada, segundo Dagoberto, pela dificuldade de tradução dos conceitos da cosmologia Tukano para o português, e para mostrar a potência da língua materna para fazer ciência: “O nosso objetivo é provar que é possível escrever em nossa língua. Se [os brancos] quiserem conhecer o nosso conhecimento, vão ter que aprender a nossa língua”.
Na carta, ainda sem resposta, ao Pró-Reitor de Pós-Graduação da universidade, os estudantes dizem que não são indivíduos, mas “pessoas coletivas” e completam: “Tal iniciativa garante também aos nossos grupos étnicos o direito de ler essa produção sobre nosso conhecimento em sua própria língua”. Dagoberto quer defender sua dissertação no malocão da Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro (Foirn) e acha que a alteração da LDB vetada por Dilma seria uma vitória não só para ele e seu colega: “A maior parte ia poder escrever com as próprias línguas deles também. Seria um grande passo para todos os povos indígenas”.
Tatiane Klein, com colaboração de Victor Pires
ISA
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