Passada a grande repercussão sobre a permanência das mais de 30 famílias indígenas sob o Viaduto do Capanema, em Curitiba, a rotina dos índios já voltou ao normal, após a transferência para a Casa de Passagem do Indígena Artesão – criada em caráter emergencial para abrigá-los. Alheia às discussões que se criaram sobre sua presença e acomodação, a comunidade indígena segue na capital por pouco tempo e com um único objetivo: vender artesanato, fruto de seu trabalho e essência de sua cultura.
Em geral, as famílias permanecem na capital durante algumas semanas, tempo suficiente para vender tudo o que produzem e voltar para suas aldeias com dinheiro, que é usado, especialmente, na compra de alimentos ou na colheita. Com uma cultura bastante familiar, as viagens acontecem durante o período das férias escolares das crianças, que sempre acompanham seus pais.
A rotina na casa de passagem começa cedo. Logo que o sol nasce, os indígenas seguem para os bairros da capital e municípios da região metropolitana com seus produtos e só voltam no começo da noite. Enquanto isso, as crianças ficam brincando no espaço onde está instalada a nova casa. “É o nosso trabalho”, define a kaingang Clarisse Bernardes, 18, que veio de uma aldeia em Nova Laranjeiras, no Centro-Sul do Paraná, com o marido, a filha e um irmão, além do bebê de seis meses que está esperando.
Jornada
A também kaingang de Nova Laranjeiras, Vanda Fernandes, 34, conta que emprestou R$ 200 para chegar a Curitiba na companhia de dois de seus quatro filhos. “Vendo para comprar comida e material da escola”, diz. A jornada, que durou mais de um mês e terminou na última sexta-feira (quando ela voltou para sua aldeia junto com vários outros indígenas), não foi tão lucrativa quanto às anteriores. Seu filho de nove anos precisou ser internado com um ferimento no pé e, como ela precisou acompanhar o garoto, não conseguiu vender tudo o que trouxe. Sua renda foi o suficiente apenas para pagar o empréstimo.
Vanda pretende voltar para Curitiba em abril, com mais artesanatos. Além da capital paranaense, ela oferece seus produtos no interior do estado e em cidades de Santa Catarina, como Joinville. “Trabalho com artesanato e cuidando dos meus filhos”, diz ela, que é separada do marido. Todos os seus filhos, com exceção do que tem um ano de idade, estudam e assim como ela aprenderam o português, que é falado sem grandes problemas, apesar da desconfiança característica deste povo.
Conquista pra comunidade indígena
Acompanhando de perto as necessidades dos indígenas durante as viagens para vender seus produtos, o ex-cacique Leandro Kãtãnh dos Santos destaca a existência de uma estrutura adequada para recebê-los como uma conquista, fruto de uma “longa luta”. “Foi um sofrimento muito grande com as famílias debaixo do viaduto, com as crianças expostas a todos os tipos de perigo”, afirma ele, que mora na aldeia urbana Kakané Porã, no Campo de Santana, em Curitiba, mas também dá assistência aos índios de outras cidades.
Kãtãnh esclarece que é comum que os índios venham para a capital vender seus produtos, mas o grande número de indígenas ao mesmo tempo pode significar que as aldeias passam por dificuldades. “Não temos um projeto para que o índio possa sobreviver nas aldeias sem ter que sair de suas terras. Por isso ele sai”, avalia o ex-cacique. “Precisamos de diretrizes para que o índio se mantenha e se promova em sua aldeia. Temos que dar continuidade, ele tem que viver bem”, reforça Jovina Renh-ga de Oliveira, que também atende a população na casa de passagem e trabalha pelas causas indígenas.
Há 32 anos trabalhando na Funai, Denirce da Silva coordena o funcionamento da casa de passagem e foi uma das responsáveis por fazer o contato com os indígenas para a transferência. De acordo com ela, mesmo com a frequente presenças de índios na capital, a cidade ficou sem uma estrutura para acomodá-los por anos. “Eu trabalhei na Casa do Índio, da Funai, que acabou passando para a Saúde Indígena, mas que recebia só os que estavam doentes e os outros não tinham onde ficar”, diz. “A maior necessidade era uma casa de passagem”, avalia ela, que atua como intérprete.
Cultura
Em todo o Paraná são 56 aldeias, incluindo acampamentos não reconhecidos pela Funai. Todos já contam com casas de alvenaria. Mesmo assim, muitos constroem ao lado uma oca, para celebrações e preparação de alimentos. “Nós ainda gostamos de fazer fogo de chão”, observa Kãtãnh. Os índios têm acesso ao ensino e os que não possuem graduação ou trabalham fora das aldeias se dedicam às lavouras. “O índio é o que mais preserva a natureza, tudo o que colhe é aproveitado. Nunca chega numa árvore e tira tudo o que ela tem, porque sabe que serve para o próximo trabalho”. Ao mesmo tempo, eles acompanham o desenvolvimento. Para o ex-cacique, é “questão de sobrevivência”. “O kaingang, especialmente, vai evoluindo, se adaptando conforme as mudanças”.
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