Lideranças partiram de aldeias para ocupar prédio da Funai em Manaus (Foto: Alberto César Araújo) |
O cacique da etnia mura, Nei de Souza Pacheco, 41, tem o olhar atento, vendo quem entra e sai pela única porta aberta da sede da Coordenação Regional da Funai (Fundação Nacional do Índio) em Manaus (AM), que está ocupada por ao menos 300 índios, que se revezam, desde o dia 4 de novembro de 2013. Seis veículos estão retidos e as salas trancadas. A preocupação do cacique é com a possível chegada de agentes da Polícia Federal para cumprir um segundo mandado de reintegração de posse à pedido da fundação.
Os índios mura, munduruku, miranha, kokama e apurinã, entre outras etnias, reivindicam a exoneração do chefe da coordenação, Eduardo Dezidério Chaves. Segundo eles, Chaves discrimina os índios que moram na área urbana de Manaus.
No entanto, eles já ganharam a primeira batalha numa decisão inédita da Justiça Federal do Amazonas na qual é referendada às lideranças indígenas o conceito de cidadania plena e diferenciada por uma causa social. O pedido de reintegração de posse da Funai foi negado no dia 26 de novembro pela juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe. Ela classificou a ocupação dos índios de pacífica.
“Não é o caso de expedição de mandado de reintegração porque não há invasão no local, muito menos perda da posse do bem. O que efetivamente existe é um complexo quadro de descumprimento, pela Coordenação da Funai em Manaus, das atribuições que o próprio órgão definiu para si, diante da Constituição Federal”, afirma a juíza na decisão.
Sem violência
Em sua decisão, a juíza Jaiza Fraxe, que é a titular da 1ª. Vara Federal, afirma que participou de inspeção judicial realizada na sede da Funai de Manaus, com a participação de procuradores do Ministério Público Federal no Amazonas, na qual comprovou que os índios não perturbaram os funcionários ou apoderaram-se de bens com violência.
“A questão transcende a acusação de esbulho ou a tentativa de troca de coordenador. Para além do que se pretende resumir o conflito, o que realmente está acontecendo é que a partir de agora as lideranças indígenas demonstram aos poucos passar a entender e assimilar o conceito de cidadania plena e diferenciada”, afirma a magistrada.
Ainda na decisão, a juíza Jaiza Fraxe determinou que a Funai buscasse o diálogo e a construção de espaços e experiências de convivência multicultural com os povos indígenas e a sociedade, capazes de garantir harmonia, paz e tranquilidade sociopolítica a todos. “Isso representaria um avanço na concretização da cidadania plena e diferenciada dos povos indígenas ao ser permitido o diálogo e a construção de soluções em conjunto com eles”, afirmou a juíza.
Abrigo ameaçado
Com o prédio ocupado, a Funai abrigou seus funcionários (não informou o número) na sede da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que fica também na zona centro-sul da cidade. O cacique Nei Pacheco afirmou em entrevista na sexta-feira (03) que as lideranças prometem invadir também o prédio da Anac. Também disse que eles irão enviar para Brasília um documento com 15 mil assinaturas reafirmando o pedido de exoneração de Chaves.
As lideranças já escolherem um nome para substituir o coordenador Eduardo Dezidério Chaves. É o índio da etnia apurinã, Rosemberg Souza
População urbana
No Amazonas, existem declarados 168.680 índios (Censo IBGE 2010), sendo 34.302 morando na zona urbana de Manaus. A Coordenação Regional da Funai em Manaus, atende 60% do índios do Estado.
“O Eduardo Dezidério não recebe a gente direito, deixa a gente sentado, sai e deixa a gente esperando. É uma discriminação que nos desgastou. Isso já faz um ano e três. Um índio quando começa a desconfiar do trabalho do outro, buscamos uma solução”, afirmou o cacique Nei Pacheco em entrevista na sexta-feira (03).
O cacique Nei é natural de uma aldeia mura do município de Autazes (a 118 quilômetros de Manaus), mas mora há três anos numa casa alugada na periferia de Manaus. Ele disse que o coordenador Eduardo Dezidério Chaves não desenvolve ações de demarcações das terras.
Nas aldeias dos municípios, faltam cestas básicas, remédios e projetos de agricultura. “É crianças doente de malária, de dengue, e não tem remédio. Estamos vivendo na calamidade. Quando chegamos aqui na Funai, não temos o apoio”, afirmou o cacique.
Vaquinha
A sede da Funai em Manaus fica no bairro de Nossa Senhora das Graças, uma área nobre da zona centro-sul de Manaus. Quem passa pela frente do prédio, vê as redes dos índios atadas nas pilastras da garagem, cartazes pendurados na varanda com frases de protestos e lideranças com cocares e lanças nas mãos. Durante a ocupação, segundo o cacique Nei Pacheco, seis crianças contraíram dengue, mas passam bem.
Para comer, os índios que ocupam o prédio fazem vaquinha entre si ou recebem alimentos das aldeias. “Não recebemos apoio de igrejas, nem de ONG´s (organizações não governamentais) e de ninguém de Manaus. Os parentes quando vêm das aldeias trazem alguma comida. Os parentes que trabalham aqui fazem a vaquinha para não passarmos necessidade”, disse o cacique Nei Pacheco.
O portal Amazônia Real procurou o coordenador da Funai em Manaus, Eduardo Dezidério Chaves, para falar sobre as acusações. Ele disse que estava no período de descanso semanal e não poderia conceder entrevistas.
A assessoria de imprensa da Funai, em Brasília, enviou nota informando que ajuizou nova ação de reintegração de posse do prédio da Coordenação Regional de Manaus junto à Justiça Federal e aguarda decisão sobre a desocupação da sede. Disse que os trabalhos em Manaus encontram-se parcialmente parados.
A Funai confirmou que os índios ameaçam invadir a sede da Anac. “A CR de Manaus encontra-se funcionando parcialmente junto ao prédio da Anac, que também ameaça ser ocupado pelos indígenas”, disse a fundação.
O índio apurinã Rosemberg Souza, 33, falou sobre sua indicação ao cargo de coordenador da CR de Manaus. Ele disse que foi escolhido pelos índios por que tem formação universitária em Direito. “Eles fizeram o convite pra mim. Eu aceitei diante da situação, mas a Funai não deu resposta”, afirmou.
Yanomami
Diferente de Manaus, um outro protesto contra gestor público de assistência indígena em Boa Vista (RR) terminou num curto período de tempo. Numa negociação com lideranças de índios yanomami, representantes do Ministério da Saúde substituíram a coordenadora do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (Dsei-Y), Joana Claudete Schuertz, pela Especialista em saúde púbica, Maria de Jesus do Nascimento na sexta-feira (03).
Mas, a reivindicação ainda não foi cumprida integralmente, já que os yanomami querem como substituto de Schuertz o indigenista João Catalano, atual coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Yanomâmi e Ye´kuana da Funai de Roraima.
Na segunda-feira (30 de dezembro), os índios yanomami invadiram o prédio do Dsei-Y, em Boa Vista. Eles expulsaram Joana Claudete Schuertz do local de trabalho. O líder da etnia, Davi Kopenawa afirmou que o ato foi motivado pela má gestão da coordenadora na administração da saúde indígena. Crianças morreram por falta de medicação nas aldeias. “Pedíamos que Claudete nos ajudasse, mas ela não nos escutava”, afirmou à imprensa local.
Joana Claudete Schuetz ocupava o cargo de coordenador do Dsei-Y desde de junho de 2011. Naquele mês, os yanomami realizaram uma manifestação contra a mudança dela na chefia do distrito. Como protesto, eles retiveram na aldeia Watoriki, na região do Demini (município de Barcelos, no Amazonas, divisa com Roraima), uma aeronave e o piloto Tarso de Souza Cruz.
Davi Kopenawa negou envolvimento no caso, mas disse que a decisão partiu dos índios da aldeia. Depois de oito dias na aldeia Watorik, o piloto Souza Cruz conseguiu fugir pilotando o avião.
A população de índios yanomami no Brasil é de 25, mil pessoas. A etnia ocupa uma parte do território do Estado do Amazonas (norte), mas a maioria está em Roraima. Há também uma população de índios yanomami na Venezuela.
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