2 de janeiro de 2014

'Soldados da Paz' saem na próxima segunda-feira para o MS


Thiago Ávila _ Foto Arquivo Pessoal
"Não podemos esquecer que esta é uma zona de conflito, portanto, foram traçados diferentes trajetos e cronogramas, todos mantidos em sigilo para garantir a segurança da Brigada que não pretende ter qualquer tipo de enfrentamento durante sua estada no Mato Grosso do Sul. É uma atividade de vivência cultural, social e de conscientização"

Por Tereza Amaral

Com o Slogan 'Não Morreremos Educadamente",  'soldados da Paz' saem da capital federal, na próxima segunda-feira (06.01.2014), com destino à Faixa de Gaza Indígena no Mato Grosso do Sul. 
Trata-se da Brigada de Solidariedade aos povos Guarani e Kaiowá que tem como objetivo  apoiar a heroica resistência dos povos originários massacrados pelo agrocrime (pistoleiros contratados por latifundiários) e sob vista grossa do governo Dilma que insiste em negar o direito à demarcação e homologação das terras sagradas (Tekoha). 
Ao sair de Brasília a Brigada passará por Goiânia (GO), Campo Grande e Dourados (MS). Thiago Ávila, consultor internacional e militante da Insurgência, é um dos coordenadores e concedeu entrevista à reportagem de Amazônia Legal em Foco (AlF) por E-mail. 

ALF - Inicialmente gostaria de saber sobre o nascimento da Brigada e no que consiste.


Thiago Ávila - Em primeiro lugar gostaria de agradecer e parabenizar a Amazônia Legal em Foco pelo trabalho que realiza de trazer à sociedade uma visão mais clara sobre os povos indígenas e suas lutas. Trabalhos como este são fundamentais para despertar a consciência das pessoas e devem ser cada dia mais valorizados e multiplicados, fazendo um contraponto aos veículos de comunicação hegemônicos, que buscam de todas as formas nos colocarmos uns de costas para os outros, para que nunca enxerguemos que somos todas e todos um só povo e uma só luta.

A Brigada de Solidariedade aos Povos Guarani e Kaiowá também surge da necessidade urgente de trazer a situação do Mato Grosso do Sul e dos conflitos na região para os olhos do mundo. Temos ao nosso lado uma região onde vivem menos de 10% dos povos indígenas do Brasil e que possui apenas 8% das terras indígenas homologadas em nosso país e, ainda assim, apenas neste pequeno pedaço na última década foram assassinados mais  lideranças indígenas que todas as outras regiões do país somadas. Além disso, o índice de suicídio dos indígenas na última década foi mais de seis vezes maior no Mato Grosso do Sul que todo o restante do Brasil somado. Estes números assustam qualquer pessoa que os analise, mas o problema é que eles são sistematicamente ocultados da população para que não compreenda a situação e não se somem às lutas dos povos indígenas.

Somos pessoas de diferentes trajetórias e diferentes lugares do Brasil e do mundo que resolveram agir em prol da construção de um mundo socialmente mais justo e em paz. Trazemos dentro de nós o calor das ruas das jornadas de junho e da luta dos povos originários que, de norte a sul de nosso continente, resistiram e resistem ao genocídio americano. Nossa função, enquanto Brigada é amplificar a voz dos povos indígenas, respeitando sua autonomia e com o cuidado de não interferir em seus processos, exceto quando solicitado. Vamos em paz e para semear a paz, realizando atividades culturais, formativas e vivências que nos aproximem mais da relação com a Mãe-Terra e com os povos que lutam para mantê-la viva. Esperamos que deste encontro surjam novas pessoas dispostas a auxiliar e realmente fazer a diferença para os povos Guarani e Kaiowá que lutam diariamente contra o extermínio.

ALF - Nos fale sobre o slogan 'Não Morreremos Educadamente".



Thiago Ávila - Essa palavra de ordem foi cunhada pelos próprios indígenas e foi imediatamente adotada pela brigada, pois é a que melhor sintetiza a intensidade e a proporção da luta dos povos Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Estes povos não estão lutando por melhores salários, transporte digno, acesso à saúde e educação: a luta deles é por sua própria existência e o direito de viver em suas terras. O que está em jogo no Mato Grosso do Sul vai além da discussão identitária, pois ali estão presentes os principais elementos dos diferentes projetos em disputa hoje no Brasil. De um lado está o grande capital através do agronegócio, representando um dos setores mais dinâmicos e, portanto, predatórios do capitalismo brasileiro (que conta com vultosos investimentos estatais) e, de outro lado, está o desejo daquelas pessoas excluídas e que pensam um diferente modelo de desenvolvimento que não pode ser medido pelos bilhões de reais concentrados nas mãos dos latifundiários, tampouco nas cotações da soja ou cana-de-açúcar da Bolsa de Chicago.Ao dizer que “não morreremos educadamente” os povos indígenas estão afirmando seu direito legítimo à rebeldia digna, esta que faz os povos avançarem ao longo da história e, no caso deles, colocou-se como única alternativa ao extermínio.

ALF - Quantas pessoas se inscreveram para participar?




Thiago Ávila - O grau de envolvimento das pessoas com esta atividade e com os debates por ela suscitados têm impressionado bastante a todas e todos os envolvidos. É incrível a quantidade de pessoas que se dispõe a participar divulgando, acompanhando e se informando mais sobre a questão dos povos indígenas, mesmo que, pela questão do calendário e o prazo curto como tudo aconteceu, não consigam participar do grupo que vai ao Mato Grosso do Sul de 06 a 16 de janeiro. É como se estivessem sendo construídas novas pontes entre as pessoas que fazem sua luta nas cidades e os povos que fazem a luta no campo. Em última instância está cada dia mais claro a todas as pessoas envolvidas que nossa luta é a mesma e que, portanto, a vitória está condicionada a esta nossa capacidade de união de forças e auxílio mútuo. Isto ultrapassa a avaliação numérica que se pode fazer ao encher um ônibus com 46 pessoas. O mais importante é o processo que acontece livre, na internet e nas lutas diárias cativando mais pessoas para a situação e despertando consciência que leva à ação transformadora.

ALF - O percurso da viagem é de ônibus. Dá para estimar quantos quilos de alimentos serão doados este ano?


Thiago Ávila - Estamos percebendo que, embora o processo esteja acontecendo de forma bem dinâmica, a questão da arrecadação caminha na velocidade de nossa capacidade de organização e logística. Por conta do prazo, sabemos que esta não será a Brigada que levaremos uma grande quantidade de doações (nas próximas, com certeza). Ainda assim, estamos em campanha nestes dias finais para arrecadar o máximo possível, buscando realmente encher com doações o ônibus que vai transportar a Brigada. Hoje acontecerá uma atividade preparatória, onde esperamos conseguir arrecadar mais alimentos e roupas, mas estamos apostando principalmente no processo de construção coletiva de grupos de apoio para que esta brigada seja realmente capaz de marcar um novo momento de diálogo da sociedade urbana com a luta dos povos Guarani e Kaiowá.

ALF - Que tipo de ações serão realizadas e em que aldeias?

Thiago Ávila - Estão previstas diversas atividades que envolvem não apenas a vivência dentro do território indígena, mas diálogo também com centros de apoio e resistência no estado. Teremos ainda em Campo Grande atividades que discutem o modelo de desenvolvimento e a luta dos povos originários, a relação entre o capitalismo e a resistência indígena, entre outras atividades. Em Dourados também teremos atividades com segmentos organizados e que fazem outros tipos de lutas na região para entender de que forma estas realidades se relacionam.


A vivência dentro dos territórios indígenas está sendo pensada para que se conheçam as diversas realidades, tanto dos povos que migraram para a cidade, ou que estão nas áreas de reserva em situação de confinamento, altamente precarizados e com sua identidade negada e rechaçada pelo senso comum, assim como os povos indígenas que resolveram lutar pela retomada de seus territórios e estão agora em processo de resistência contra o que há de mais agressivo e predatório no agronegócio, que atua com muita violência através da pistolagem e com projetos paramilitares para o extermínio destes povos que ousaram desafiar seus poderes.


Não podemos esquecer que esta é uma zona de conflito, portanto, foram traçados diferentes trajetos e cronogramas, todos mantidos em sigilo para garantir a segurança da Brigada que não pretende ter qualquer tipo de enfrentamento durante sua estadia no Mato Grosso do Sul. É uma atividade de vivência cultural, social e de conscientização.

ALF - As localidades a serem visitadas são previamente acordadas com as lideranças?


Thiago Ávila - Com certeza. Estamos buscando ao máximo que esta Brigada de Solidariedade aos Povos Guarani e Kaiowá respeite a autonomia, as tradições dos povos indígenas e a soberania dentro de seu território enquanto estivermos lá. A solidariedade envolve também gestos pequenos, como o cuidado para que nossa presença não seja invasiva nem cause qualquer constrangimento e o respeito profundo ao processo que eles vêm construindo há séculos e que não nos cabe intervir sem que seja solicitado a nós.

ALF - Há oito ações de reintegração com força de uso policial expedidas no período de recesso do Judiciário que só retorna no dia 07. Qual a orientação da coordenação se, por coincidência, ocorrerem estes despejos nas aldeias em que estiverem já que não há datas?



Thiago Ávila - Sabemos que este é um risco real e acreditamos que nossa presença pode, inclusive, trazer uma grande proteção aos indígenas, motivo pelo qual não estamos indo com qualquer objetivo de enfrentamento ou com qualquer intenção de acirrar os conflitos. Serão muitos olhos voltados para o Mato Grosso do Sul em um processo que se tornará cada dia maior. Acreditamos que, ao tornar pública a situação e os absurdos que acontecem na região, a mobilização popular será capaz de deter o massacre, que acontece com a conivência dos governos através da não-demarcação ou de decisões como estas de reintegrações, sendo cúmplices de uma classe que, historicamente, se beneficiou da concentração de terra, da exploração, do massacre e todas as desigualdades presentes em nosso país e no mundo.

Embora não queiramos que aconteça de forma alguma, caso estejamos lá no momento em que o Estado tente realizar esta ação violenta prestaremos nossa solidariedade aos povos indígenas da maneira que nos for solicitado, respeitando a autonomia deles na luta. Uma coisa é certa: o tempo do isolamento e da separação da luta do campo e da cidade chegou ao fim. O momento histórico exige este grau de construção coletiva e ação conjunta. Daqui pra frente, empenharemos nossos melhores esforços para levar aos olhos do Brasil e do mundo o que acontece nos territórios em disputa dos povos originários com o agronegócio.

ALF - No retorno, previsto para o dia 16 deste mês, a coordenação leva às autoridades em Brasília, em especial ao Ministério da Justiça, documento relatando a situação e contendo reivindicações?



Thiago Ávila - Acredito que uma das coisas que mais traz entusiasmo a todas as pessoas que estão envolvidas na Brigada, tanto as que estão indo ao Mato Grosso do Sul ou ajudando na divulgação, arrecadação e articulação, é este infinito de possibilidades para agir após o retorno. Uma ação onde se cobre do governo posições concretas para deter o massacre com certeza é importante e com certeza será debatido entre este grande grupo de apoiadoras e apoiadores que está se juntando e se reinventando a partir destas ações. Será fruto da discussão coletiva e das reflexões feitas neste processo.

Sabemos que é necessário e importante realizar a luta dentro dos marcos da institucionalidade, mas temos claro dentro de nós que as grandes transformações, aquelas que mudam o mundo não saem do nanquim de bondosas canetas, mas sim do rastro de terra pisada e batida da democracia real das ruas, aquela onde manda o povo e o governo obedece. As vitórias, quando acontecem, são vitórias dos povos e não de governos da falsa democracia burguesa, que busca de todas as formas anestesiar a sede de mudança da população, restringindo sua ação política a um voto como se fosse esta a única alternativa de transformar a sociedade.

ALF - Qual a leitura que a Brigada de Solidariedade aos Povos Guarani e Kaiowá faz do governo Dilma especificamente no Mato Grosso do Sul?



Thiago Ávila - O objetivo da brigada é humanitário. Neste sentido, sempre incluirá pessoas de diferentes posições políticas e que pensam distintos modelos de sociedade. Como dizem os indígenas zapatistas no México que, ontem, comemoraram 20 anos desde que assumiram o poder de seu território com armas na mão “queremos construir um mundo onde caibam muitos mundos” e isto nos exige lidar com as diferenças de forma fraternal e não predatória. Todas as pessoas que têm uma vontade sincera de se somar à luta dos povos originários de nosso continente são nossos amigos e aliados nesta tarefa.

Ainda assim, o primeiro consenso claro que temos é que o modelo do agronegócio não serve à população, mas apenas à alta burguesia, pois envenena a terra e a água, superexplora os trabalhadores, desmata nossas florestas e massacra populações por onde passa. Este modelo não é novo, mas agora tem mostrado sua face mais cruel e devastadora, utilizando um incentivo governamental econômico, político, judicial e militar cada dia maior. É uma tarefa possível, necessária e urgente acabar com este modelo que faz tão mal ao planeta onde vivemos e pensar uma sociedade com novos valores,  não apenas valores econômicos, mas que valorizem o ser humano e a natureza, buscando a maior dose de felicidade possível a todas e todos.

ALF - Para finalizar, quais outras formas as pessoas interessadas podem ajudar através da Brigada?


Thiago Ávila - É possível participar da Brigada de várias formas, seja através da doação de roupas e alimentos, seja através da doação de dinheiro através de depósito em conta (entrando em contato através do evento criado para a Brigada:https://www.facebook.com/events/1431607267056959) e, principalmente, auxiliando na divulgação do que acontece no Mato Grosso do Sul. Não é natural nem inevitável o massacre aos povos indígenas. Tudo o que está posto aí foi construído historicamente por pessoas e que, portanto, por pessoas diferentes e utilizando de métodos diferentes, podem ser desfeito.

As ruas de 2013 deixaram um recado claro: nada deve parecer impossível de mudar e só com a luta é possível obter vitórias. Esperamos que 2014 seja aquele momento que sempre virá com um asterisco na história de nosso país e planeta: é o ano da retomada, onde os povos, conscientes de sua missão histórica, resolveram tomar para si seus destinos e transformar esta Terra na Pátria do ser humano e da natureza.Ver link da Brigada!
https://docs.google.com/forms/d/1DHmLvkpnsieEakcbY_09-d_bjOygxOiNLkfsfgjHVDQ/viewform


3 comentários:

  1. PATRIOTAS A COISA ESTÁ FICANDO PRETA !!!!

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  2. Estes retardados filhinhos de papai deviam ser mandados pra um hospício.

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  3. Fico feliz que existem pessoas preocupadas com os Índios do Brasil. Pois são povos excluídos da vida brasileira,com idéias preconceituosas de serem incapazes e não poderem viver como qualquer brasileiro. Nascem em aldeias excluídas do resto do brasil, em guetos apartados dos brasileiros, sem ter oportunidades de educação trabalho e melhora de vida, são tratados como bichos da mata.E logo ao nascer são dinamitado por preconceitos racistas dizendo que são incapazes e devem ser excluído do resto dos brasileiros, morando em guetos como reservas só para índios,não podem se integrar aos brasileiros. Temos que impedir esses preconceituosos das grandes cidades, que não conhece o agro negócio nem quando come o seu prato do dia a dia.Esses brasileiros presos em seus guetos e esquecido pela educação, e toda a infraestrutura dos governos.

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