Por Tiago Miotto
Nesta terça-feira (8), cerca de 150 indígenas de diversos povos do Mato Grosso do Sul, Rondônia, Goiás e Tocantins manifestaram-se em frente à mansão da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), em Brasília, contra os projetos da bancada ruralista que atacam seus direitos, e depois junto à embaixada do Japão, em função dos acordos já firmados por empresários deste país para investimentos no Plano de Desenvolvimento Agrário (PDA) Matopiba, que almeja a expansão do agronegócio na região do Cerrado e incide sobre diversos territórios de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.
foto: Victor Pires - ISA
O “cardápio” de pautas anti-indígenas
Semanalmente, a bancada ruralista – representada formalmente pela FPA – realiza uma reunião-almoço numa mansão no Lago Sul, região elitizada que concentra, segundo o IBGE, a maior renda per capita do Distrito Federal e terceira maior do país inteiro.
É nesta região abastada, numa mansão cercada por grades de vidro e guarnecida por seguranças que os ruralistas discutem seu “cardápio”, como os próprios ruralistas se referem à lista de pautas da reunião que já teve convidados como o presidente Michel Temer.
No cardápio desta terça (8), como de costume, estavam diversos projetos de lei nocivos aos povos indígenas. Uma das principais pautas da reunião, segundo divulgou a própria FPA, é a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) contra a Funai e o Incra, reaberta recentemente, depois de vigorar por oito meses e terminar sem apresentar relatório, e voltada a criminalizar indígenas, quilombolas, camponeses e seus apoiadores.
Além dela, foram pauta do encontro que aconteceu do lado de dentro da mansão a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 187, que, com aspectos semelhantes à PEC 215/2000, pretende abrir as terras indígenas ao mercado do agronegócio, e o PL 3729/04, voltado a flexibilizar a legislação para o licenciamento ambiental e dificultar a fiscalização e a luta contra grandes obras que impactem povos e comunidades tradicionais.
A FPA divulgou que estariam na pauta da reunião também a discussão sobre projetos submetidos ao Congresso para a abertura de hidrovias nos rios Tapajós, Paraguai, Tocantins, Araguaia e Rio das Mortes, que incidiriam diretamente sobre terras indígenas.
A bancada ruralista é uma das principais defensoras da PEC 215, que pretende inviabilizar as demarcações de territórios indígenas e quilombolas ao submetê-las à aprovação do Congresso Nacional, onde os inimigos destes povos são maioria. Além do teor anti-indígena das propostas apresentadas pelos ruralistas, os indígenas questionam o fato de que os projetos que pretendem mexer em seus direitos são apresentados e discutidos sem ouvir sua opinião.
“Se os deputados dizem que a PEC 215 é boa para os povos indígenas, não é verdade. Além dos ruralistas matarem nós lá na base, nós Guarani e Kaiowá estamos morrendo, sendo sequestrado pelos pistoleiros a mando dos ruralistas, e se esses projetos são aprovados, vai acontecer mais mortes, mais violência”, critica Flávia Arino Guarani Kaiowá.
Após estenderem faixas e realizarem um ritual em frente à mansão ruralista, os indígenas pararam para um almoço, bem mais humilde, sob a sombra de mangueiras que ficam numa rua paralela à da mansão.
Manifestação na embaixada japonesa
Na mesma tarde, os povos indígenas realizaram uma manifestação em frente à embaixada do Japão, em protesto aos acordos celebrados por empresários deste país com o governo brasileiro para investimentos no Matopiba, programa de expansão da fronteira agrícola sobre o Cerrado que abrange áreas dos estados de Maranhão (MA), Tocantins (TO), Piauí (PI) e Bahia (BA), cujas iniciais dão nome ao programa.
O programa, que foi objeto de discussão numa audiência no Senado nesta manhã, pode intensificar ainda mais a exploração agropecuária para exportação na região e as violações aos territórios dos povos indígenas, quilombolas e camponeses do Cerrado.
Os 73 milhões de hectares abrangidos pelo Matopiba incidem sobre 28 Terras Indígenas, 42 unidades de conservação ambiental, 865 assentamentos rurais e 34 territórios quilombolas – sem contabilizar os territórios que estão em processo de reconhecimento, delimitação, demarcação ou titulação, e que seriam ainda mais gravemente afetados pela pressão do agronegócio.
foto: Tiago Miotto / Cimi
Em fevereiro de 2016, em Palmas (TO), ainda com a ruralista Kátia Abreu à frente do Ministério da Agricultura, Brasil e Japão assinaram um acordo de cooperação para garantir investimentos japoneses na região do Matopiba, especialmente na área de infraestrutura para escoação e irrigação da produção de grãos.
“Esse negócio de Matopiba tá vindo sem comunicar para os indígenas, ninguém tá sabendo o que está acontecendo”, afirma a liderança indígena Gecilha Crukoy Kraho. “Nós queremos viver em paz, queremos viver tranquilos. Não queremos que venham mais coisas, só mudando o nome para a gente não saber. E está vindo de fora também. E o que nós recebemos aqui? Só a violência, a doença, a preocupação”.
Durante a manifestação, quatro lideranças foram recebidas por funcionários da embaixada, que se comprometeram com os indígenas a comunicar ao embaixador sobre as reivindicações apresentadas e pedir informações aos membros do governo que participaram da delegação responsável pelo acordo em Palmas (TO) em fevereiro.
“A gente exigiu que quando eles forem fazer esse tipo de acordo, que consultem não o governador, mas o povo que vai ser afetado. Porque é o povo que precisa saber o que vai acontecer. Esse foi o recado que nós demos”, afirmou Ivonete Kraho Kanela, uma das lideranças que reuniu-se com os funcionários da embaixada, explicando que os indígenas aguardam uma audiência para apresentar suas reivindicações diretamente ao embaixador japonês.
foto: Tiago Miotto / Cimi
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