Inquirido durante sessão da Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) do Conselho Indigenista Missionário
(Cimi), o professor Alberto Terena, liderança da Terra Indígena Buriti,
afirmou que a entidade não incitou ou financiou as retomadas realizadas
pelo povo Terena nos municípios de Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti. O
depoimento foi colhido no final da tarde desta terça-feira, 8, no
plenário da Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul.
O Terena também afirmou que o Cimi não
orientou os indígenas para que desobedecem a reintegração de posse das
áreas ocupadas, e refutou a acusação de que a entidade dá dinheiro aos
indígenas para retomadas.
Contrariando depoimentos de fazendeiros com
terras que incidem sobre territórios indígenas e da própria Polícia
Federal, o professor afirmou que as retomadas ocorrem pela falta de
providências do governo federal quanto a conclusão do procedimento
demarcatório. “Vem desde nossos avós, que iam caminhando para o Rio de
Janeiro, depois Cuiabá (MT), reivindicar a terra. Diziam para eles que
estava resolvido. Voltavam para a comunidade dizendo que estava
resolvido”, explicou Alberto.
Conforme depoimento do delegado da Polícia
Federal Alcídio de Souza Araújo à CPI do Cimi, no final de outubro,
integrantes da entidade teriam orientado os Terena a resistir à
reintegração de posse, então determinada pela Justiça Federal,
permanecendo nas áreas retomadas. O delegado afirmou que estava num
posto de gasolina quando um vereador de Sidrolândia o informou de que “o
pessoal do Cimi” estava na Buriti dizendo para que os Terena não
saíssem. Presente na retomada dos Terena, Alberto desmentiu o delegado.
“Foi uma decisão nossa não sair, uma posição
interna definida pelas lideranças (...) Buscamos o diálogo, em
Sidrolândia, mas políticos e fazendeiros foram para Brasília (negociar
com o governo) sem uma representação indígena, sem informar a gente”,
explicou o professor sobre as razões que levaram os Terena à decisão de
permanecer nas áreas retomadas.
Na ocasião, dia 18 de maio de 2013, o delegado Alcídio apreendeu, sem nenhuma razão ou ordem judicial, instrumentos de trabalho do jornalista do Cimi Ruy Sposati
– que se encontrava numa estrada vicinal, fora da área de retomada dos
Terena. Por esse fato, Alcídio construiu a conclusão e a acusação de que
integrantes da entidade estavam no local dificultando a reintegração.
Todavia, o delegado não diz que o profissional acompanhava uma comissão
composta por organizações de direitos humanos e o Ministério Público
federal (MPF). O grupo pretendia acompanhar a operação da Polícia
Federal, como assegura o manual para reintegrações do Ministério da
Justiça.
O delegado Alcídio, no dia 30 de maio,
comandou o despejo forçado, contando com efetivos da Polícia Militar.
Oziel Terena acabou morto com um tiro no peito, disparado do lado em que
os policiais estavam. Questionado sobre a operação, Alberto a
classificou como um desastre. “Havia ali toda a força do Estado contra
uma comunidade que estava em busca do seu direito, tentando buscar
aquilo que por muito tempo nossos avós buscavam. Naquele dia não
sabíamos se sairíamos vivos, pelas tropas que chegaram. Infelizmente
teve a morte do Oziel”, relembrou.
Falta de perspectiva
De acordo com o deputado Pedro Kemp (PT),
integrante da CPI, em algumas oitivas os parlamentares ouviram de
fazendeiros que os proprietários de terra mantinham relações amistosas
com os indígenas. Os conflitos teriam tido início com a influência do
Cimi junto às comunidades. Para o professor Alberto, porém, não é
verdade a afirmação. O Terena voltou a lembrar que os anciãos do povo já
lutavam pela terra, muitos antes do Cimi começar seu trabalho no Mato
Grosso do Sul. Ainda, com a Constituição de 1988, estava assegurado o
direito de ocupação dos indígenas nos territórios tradicionais.
O professor falou de um tempo anterior ao
surgimento da Fundação Nacional do Índio (Funai), no final da década de
1960 e início de 1970 – época do Serviço de Proteção ao Índio (SPI),
fundado na década de 1910. “A gente trabalhava nas fazendas que estavam
sobre nossa terra. Uma parte do povo vivia na reserva, outra em aldeias
criadas nas proximidades porque não tinha espaço, não tínhamos a terra”,
explicou. “Queríamos que o Estado brasileiro resolvesse o problema [da
demarcação], mas não teve alternativa e tivemos que ir em busca do
território”, emendou.
“A gente via os córregos sendo assoreados,
envenenados... Olhar pras crianças e não ver nenhuma perspectiva de
futuro. A influência maior foi de não ter uma perspectiva de futuro para
as novas gerações. Sabemos o que a gente precisa. O conhecimento dentro
da natureza é muito grande. Então queremos o nosso território. Essa é a
grande influência”, afirmou o professor.
Permanecer como meeiros ou em outras funções
de trabalho nas fazendas instaladas dentro das terras tradicionais não é
novidade para os povos indígenas – ou exclusividade do Mato Grosso do
Sul. Além da habilidade inerente a eles no manejo da terra e da
natureza, garantindo também um sustento pauperizado para as famílias,
era uma forma de permanecer, de um jeito ou de outro, no território
sabido como de ocupação tradicional.
Exemplos não faltam. O pajé Pedro Limeira
Pankará, do Sertão pernambucano, conta que durante quase meio século,
sua família e diversas outras das ramas do povo trabalharam para os
fazendeiros com o objetivo de evitar a destruição de locais sagrados,
nascentes de água e extinção de espécies vegetais da chamada ciência
tradicional. Durante ocupação no Palácio do Planalto, em 2013, o pajé
explicou que o grupo não podia se dizer indígena, sob pena de morte ou
expulsão, e dançava o Toré escondido até a hora “em que saímos de trás
da pedra pra querer a nossa terra. Então começou toda essa luta de
agora”, frisou.
Quem define as terras?
O deputado ruralista Paulo Corrêa, relator
da CPI do Cimi, mais uma vez tentou envolver a entidade naquilo que
chama de “invasões” em face da participação de representantes do Cimi
numa Assembleia Terena, ocorrida em maio de 2013 e que contou com a
presença de diversas organizações convidadas, como a Articulação dos
Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Funai e o MPF.
Corrêa ressaltou que a Assembleia Terena
tratou da questão fundiária e a luta pela terra. Em seguida, perguntou
se o professor lembrava o que foi falado, tentando mais uma vez associar
o Cimi a discussões sobre supostas invasões. “Retomadas não são
definidas nessas assembleias. São decisões locais. Os Terena estão
espalhados pelo estado, em 12 aldeias. Nesses encontros discutimos
educação, saúde, direitos (...) organizações são convidadas”, pontuou
Alberto.
Uma pergunta feita pelo deputado Pedro Kemp,
todavia, suscitou um dos pontos chaves do depoimento. Se as retomadas
ocorrem em áreas reivindicadas como tradicionais, e na maioria das vezes
já em alguma fase do procedimento administrativo de demarcação, quem
define essas terras? De acordo com a liderança Terena, “são os nossos
anciões (...) Então nós temos dentro da nossa comunidade, com nossos
anciões, quais são os limites da nossa área. Não dizem sem provar não...
os levantamentos (da Funai) são dentro disso”.
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