Depois que o relator da
CPI do Cimi, o deputado ruralista Paulo Corrêa (PR), perguntou ao
Dionedson Terena, durante a terceira ou quarta oitiva no plenário da
Assembleia Legislativa sul-mato-grossense, o que ele fazia numa
Assembleia Terena, ou seja, num encontro do próprio povo, passou a ser
possível esperar todo o tipo de asneira por parte dos ruralistas que
compõem a comissão – instalada com todos os fatos indeterminados
possíveis.
A sucessão de acusações e
calúnias esdrúxulas impressiona e parece longe de um fim: são mais cerca
de 50 oitivas pela frente. Junto com a presidente da CPI, a deputada
ruralista Mara Caseiro (PTdoB), Corrêa costuma lançar “teses” na CPI,
como ele mesmo diz. Não existe imparcialidade ou decoro parlamentar: a
dupla transformou a CPI num tribunal de exceção envolto de ignorância e
obscurantismo. Corrêa chegou a associar
uma quadrilha de não-índios presa em Aral Moreira acusada de produzir
'indígenas falsos' - inexistentes -, para o recebimento dos benefícios
de aposentadorias, às discussões envolvendo o Cimi e as demandas
territoriais indígenas.
Nem mesmo o deputado Pedro
Kemp (PT), integrante da CPI, pôde questionar a origem de uma gravação
usada por Corrêa e Mara como suposta prova contra o Cimi. No áudio há
uma fala de cunho pessoal do ex-advogado do Cimi/MS, Maucir Pauletti. Na
gravação, o nome da entidade não é citado. Kemp, então, perguntou se
houve autorização judicial para a gravação, qual a fonte da suposta
prova e se o material possui condições de ser utilizado de forma legal
pela comissão. Caseiro o interrompeu seguidas vezes aos gritos, sem
responder às perguntas, e dizendo que Kemp estava atacando a idoneidade e
a seriedade da CPI.
Uma das teses intrigantes
de Caseiro e Corrêa é a de que o Cimi possui interesses escusos
internacionais, posto que toda terra que a entidade diz ser indígena
contém riquezas naturais – caso do Aquífero Guarani, no MS. Terras
indígenas são patrimônios da União, sendo o usufruto exclusivo dos
índios. De que forma o Cimi articula interesses estrangeiros sobre a
riqueza localizada nas terras indígenas lutando para que elas sejam
patrimônios da União, sequer os aliados da dupla convocados para depor
na CPI conseguem demonstrar.
Corrêa, em ao menos duas
sessões, atacou o fato do procurador-chefe do Ministério Público Federal
(MPF) do Mato Grosso do Sul Emerson Kalif Siqueira afirmar que o órgão é
“uma espécie de advogado dos indígenas”. Além disso, Corrêa tentou
manipular o depoimento de Siqueira dizendo que o procurador da República
teria dito que o MPF orienta os indígenas a permanecerem nas retomadas.
O procurador respondeu em
nota pública, no final da semana passada. O texto constrange a todos e
todas porque demonstra o escárnio que se tornou a CPI do Cimi. Corrêa,
mais uma vez, desmoraliza o Poder Legislativo do Mato Grosso do Sul ao
demonstrar ignorância de pontos da Constituição os quais a CPI deveria
se apropriar. Ataca sem nenhum cabimento o MPF e tenta manipular a
declaração de um procurador da República. Tudo fica pior sendo Corrêa o
relator da CPI. Nada mais, nada menos: o responsável pelo relatório
final da CPI.
Leia na íntegra a nota do procurador-chefe Emerson Kalif Siqueira:
NOTA DE ESCLARECIMENTO
O Ministério
Público Federal, no cumprimento de suas funções constitucionais, é o
órgão responsável, entre outros aspectos, pela garantia dos direitos das
comunidades tradicionais. A Constituição Federal é expressa ao
estabelecer que é função do Ministério Público “defender judicialmente
os direitos e interesses das populações indígenas“ (art. 129, inciso V).
A Carta Magna ainda impõe ao MP a atribuição de intervir em todos os
atos dos processos de que sejam partes os índios, suas comunidades e
organizações (art. 232).
Desta
forma, como dito em depoimento à CPI do CIMI, compete ao Ministério
Público ajuizar ações para a defesa dos interesses comunidades
indígenas, em destaque, os demarcatórios, que afetam todos os demais
direitos fundamentais dos índios, como o direito à vida, à saúde e à
educação.
Como
defensor constitucional das comunidades indígenas, uma espécie de
"advogado dos índios", o MPF deve respeitar as decisões dos índios e
orientá-los sobre as consequências jurídicas de suas ações, sem,
contudo, intervir sobre a tomada de decisões. Em nenhum momento foi dito
no depoimento da CPI do CIMI que o MPF orienta os índios a permanecer
nas terras retomadas até sair decisões liminares, sob pena de “perder
tudo que fizeram” como dito pelo deputado estadual Paulo Corrêa na
sessão parlamentar acontecida no último dia 24 de novembro.
O
que foi relatado, e realmente acontece, é o trabalho do MPF de repassar
aos índios, quando questionado, o andamento processual das ações em
curso – um dever de transparência da instituição. Com o passar o tempo,
os índios começaram a fazer uma avaliação da atuação da Justiça -
avaliação pessoal e autônoma – e, com base nela, tomam suas próprias
decisões.
O
“equívoco” do deputado foi corrigido imediatamente por este procurador
no ato de depoimento à CPI, mas as declarações continuam distorcidas e
são veementemente repudiadas.
Cumpre
destacar, que a isenção e a imparcialidade na condução de uma Comissão
Parlamentar de Inquérito é necessária para o bom andamento das
investigações, de modo que as conclusões sejam contundentes e verídicas.
Ademais, em caso de ocorrência de crimes, cabe à CPI repassar o
relatório ao Ministério Público para que o órgão ministerial promova a
responsabilidade das infrações apuradas (art.52, II, do Regimento
Interno da ALMS), respeitada a independência funcional.
Como
procurador-chefe da Procuradoria da República em Mato Grosso do Sul,
reforço a intenção e a disposição do MPF em contribuir com as
investigações, mas enfatizo a importância do respeito aos membros do
Ministério Público Federal e à sua função institucional.
EMERSON KALIF SIQUEIRA
Procurador da República e Procurador-chefe da PR/MS
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