11 de março de 2014

Chefe da saúde indígena cobra empenho de outros órgãos contra desnutrição

55% de todas mortes no país por desnutrição infantil ocorreram entre indígenas, embora oficialmente eles sejam 0,4% da população


Após a BBC Brasil revelar que 419 crianças indígenas morreram por desnutrição no país desde 2008, o chefe do órgão federal responsável pela saúde dos índios cobrou maior empenho de outras áreas de governo para enfrentar o problema.
Responsável pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão subordinado ao Ministério da Saúde, o secretário Antônio Alves diz que a desnutrição entre os índios é um problema complexo, que “envolve o governo como um todo”.
“Nós levamos isso ao conhecimento do ex-ministro Alexandre Padilha (que deixou o Ministério da Saúde no início do ano para concorrer ao governo de São Paulo) e ao conhecimento da presidenta Dilma Rousseff”, diz Alves, em entrevista à BBC Brasil.
“Ou o Estado brasileiro – o que envolve município, Estado e União – assume isso, ou a saúde não vai dar conta de combater a desnutrição."
Em fevereiro, um levantamento da Sesai obtido pela BBC Brasil com base na Lei de Acesso à Informação revelou que, desde 2008, 55% de todas mortes no país por desnutrição infantil ocorreram entre indígenas, embora oficialmente eles sejam 0,4% da população.
O fenômeno é mais grave no leste do Mato Grosso, entre os índios da etnia xavante. Líderes de comunidades visitadas e médicos disseram que as mortes poderiam ter sido evitadas com ações simples nas aldeias, como monitorar as crianças desnutridas.

'Risco nutricional'

Alves diz que a Sesai busca aprimorar o acompanhamento de índios desnutridos. Em 2013, afirma ele, a secretaria tinha como meta monitorar 50% dos índios de todas as idades em situação de “risco nutricional”.
Neste ano, ele afirma que a meta foi ampliada para 70%. Ainda não há prazo para cobrir 100% dos casos, segundo o secretário.
Alves diz ainda que o combate da desnutrição nas aldeias será facilitado pela expansão do programa Mais Médicos.
Mesmo assim, ele diz que os serviços de saúde não serão capazes de erradicar a desnutrição sozinhos. Isso porque crianças que se recuperem com o atendimento podem voltar a perder peso se não se alimentarem direito.
“Não é a Sesai que vai resolver problemas de alimento ou de projetos de sustentabilidade para esses povos”, ele diz.
Segundo Alves, a desnutrição tem como principal causa mudanças na alimentação dos índios.
Nas últimas décadas, comunidades indígenas em várias áreas do país passaram a substituir produtos agrícolas tradicionais e a carne de caça por alimentos industrializados, mais pobres em nutrientes.
No caso dos xavantes e de outros povos, as mudanças foram acompanhadas pela expansão de atividades agropecuárias de larga escala nas áreas vizinhas a suas terras, com a consequente redução da caça e da poluição de rios.
Foi para combater a desnutrição que, segundo Alves, Dilma resolveu criar em 2012 o Comitê de Gestão Integrada das Ações de Atenção à Saúde e de Segurança Alimentar para a População Indígena, integrado pela Funai (Fundação Nacional do Índio) e por vários ministérios.
A BBC Brasil pediu à Funai informações sobre as atividades e resultados do comitê, mas não obteve resposta.
Índios e agentes de saúde de aldeias xavantes visitadas no início de fevereiro na região de Campinápolis (MT) disseram desconhecer o comitê ou qualquer política específica contra a desnutrição.

Mais Médicos

Segundo Alves, o programa Mais Médicos terá grande impacto na qualidade dos serviços de saúde prestados aos índios.
Segundo o Ministério da Saúde, até o fim de março haverá 305 médicos estrangeiros (principalmente cubanos) dedicados exclusivamente ao atendimento de índios no país. Com isso, Alves diz que a taxa de médicos por indígenas no país será de 1 para mil.
O índice, afirma, ele, será melhor que o almejado pelo programa Saúde da Família, de 1 médico para 2.500 habitantes. O programa é a referência do governo em políticas de saúde básica.
A comparação ignora, porém, que os médicos dedicados à saúde indígena atendem uma população bastante fragmentada e, em muitos casos, espalhada por áreas de difícil acesso. Segundo a Sesai, há no país 5.150 aldeias indígenas.
Alves afirma que a dificuldade de contratar médicos que atuem nas aldeias era um dos maiores entraves para a melhoria dos padrões de saúde entre índios brasileiros.
Hoje, comparações entre os padrões de morte dos índios e dos demais brasileiros revelam grandes discrepâncias. Enquanto entre os índios 40% das mortes ocorrem entre crianças com até quatro anos, na população geral esse índice é quase dez vezes menor, de 4,5%.
Segundo Alves, outro obstáculo à melhoria da estrutura da saúde indígena é a dificuldade para realizar obras em áreas isoladas e transportar produtos até elas.
“Você faz uma licitação e, muitas vezes, a empresa que ganha não quer entregar ao descobrir o local. Ela prefere pagar a multa e ficar impedida de participar de novas licitações a entregar o produto”.
Alves diz ainda que a Sesai tem agido para agilizar os resgates de índios em situações emergenciais e encurtar os deslocamentos de equipes de saúde entre cidades e postos de saúde nas aldeias.
Ele cita o caso do Vale do Javari, no oeste do Amazonas. Há alguns anos, diz ele, equipes de saúde tinham de passar até 14 dias em barcos para se deslocar da cidade até a base onde ficavam lotadas.
Hoje, Alves afirma que o deslocamento é feito por helicóptero ou pequenos aviões e dura três horas.
O secretário diz ainda que a pasta tem investido no treinamento de funcionários, hoje 16 mil ao todo.
“Com certeza, quando fecharmos 2014, já vamos ter outro cenário.”

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