“Tivemos nossa existência negada por pelo menos 100 anos, pelos órgãos públicos e sociedade brasileira, para continuar existindo fomos obrigados, muitas vezes, a assumir a identidade de outros povos”
Fotos _ Cimi / MS
Em documento divulgado após 4ª Assembleia Ipuxowoku Hou Koinukonoe, lideranças do povo Kinikinau exigem criação de Grupo de Trabalho para demarcação de seu território. Reunidos no município de Nioaque (MS), na Aldeia Cabeceira, de 11 a 14 de outubro, cobram do Governo procedimentos para demarcação do seu território, denunciam ineficiência do Estado nas políticas específicas na área da saúde, o desmonte da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e a aplicação do Marco Temporal como condicionante para demarcação de terras indígenas.
Em 2014, na 1ª Assembleia, o que ressoava como resultante dos debates era a exigência pelo espaço sagrado. Quatro anos depois, o clamor se repete. “Tivemos nossa existência negada por pelo menos 100 anos, pelos órgãos públicos e sociedade brasileira, para continuar existindo fomos obrigados, muitas vezes, a assumir a identidade de outros povos”, expressa a nota. “Continuamos sendo negados pelo Estado e tendo os nossos direitos violados, um exemplo de tal fato é a nossa IV assembleia ser realizada fora de nossas terras tradicionais”.
Sistematicamente expulsos de suas terras tradicionais, restou aos Kinikinau “continuar a vida na aldeia São João em Bonito/MS”, onde vivem por quase 80 anos. A Terra Indígena pertence ao povo Kadiwéu. Outros indígenas deslocaram-se para aldeias do povo Terena, como Nioaque e Mãe Terra. “Muitos de nós só restou enfrentar os desafios da vida nas cidades”, relatam na nota.
“Considerando o direito a demarcação do território indígena previsto na Constituição Federal de 1988, e que nosso povo está reivindicando há mais de 1 século a demarcação de nosso território, exigimos que o Governo Federal determine a Funai, através no Ministério da Justiça, que instale o Grupo de Trabalho para identificação e delimitação do Território Kinikinau, dando, assim, início ao processo de demarcação de nossas terras”.
Participaram da assembleia lideranças dos povos Terena, Kaiowá Guarani, Kadiwéu, Atikun e Xavante.
Leia a nota na íntegra:
Documento final da 4ª Ipuxowoku Hou Koinukonoe - Assembleia do Povo Kinikinau
De 11 a 14 de outubro de 2017, na Aldeia Cabeceira, Terra Indígena Nioaque, Nioaque-MS, nós, Povo Indígena Kinikinau, realizamos a 4ª Ipuxowoku Hou Koinukonoe (Assembleia do Povo Kinikinau). Nossa Assembleia teve a participação de representantes do povo Terena, Kaiowá Guarani, Kadiwéu e Atikun de nosso Estado, e do Povo Xavante do MT.
Nós, povo Kinikinau, residimos desde 1940 em terras emprestadas do povo Kadiwéu (aldeia João) e Terena (T.I’s Niaoque e T.I Cachoerinha – aldeia Mãe Terra), tivemos nossa existência negada por pelo menos 100 anos, pelos órgãos públicos e sociedade brasileira, para continuar existindo fomos obrigados, muitas vezes, a assumir a identidade de outros povos, hoje muitos de nós temos em nosso RG Civil o registro de ser indígena Terena. Continuamos sendo negados pelo Estado e tendo os nossos direitos violados, um exemplo de tal fato é a nossa IV assembleia ser realizada fora de nossas terras tradicionais.
Desde a primeira assembleia exigimos a criação de um GT (Grupo Técnico) para identificar o nosso território tradicional, povo Kinikinau, não temos mais 100 anos para esperar o reconhecimento, por parte do estado brasileiro, de nossa etnia, não temos como continuar a vida na aldeia São João em Bonito/MS, onde vivemos por quase 80 anos, mesmo com esse tempo de vida lá dentro, a terra é dos Kadiwéu e eles a querem de volta, isso tem gerado conflito interétnico entre os dois povos, a falta de nossas terras levou muitos de nossos parentes a se deslocarem para outras aldeias do povo Terena como Nioaque e Mãe Terra e a muitos de nós só restou enfrentar os desafios da vida nas cidades. Os nossos anciões estão morrendo, sem reaver os territórios onde nasceram e cresceram com seus antepassados e as crianças Kinikinau nascem sem as referências das terras tradicionais de nosso povo. Onde, estado brasileiro, vamos deixar os nossos netos? Nós vamos continuar nascendo, existindo e resistindo como povo Kinikinau.
Vivendo em terras de outros povos, temos dificuldades em manter nossa cultura, costumes e tradições vivos em nossa comunidade, encontramos dificuldade em transmitir aos nossos filhos e filhas os valores do Povo Kinikinau, a nossa forma de organização e a nossa crença.
A Constituição Federal garante o nosso direito a cultura, tradição, língua e a terra demarcada, e enquanto isso não acontece, continuamos humilhados nas terras alheias. Por isso, exigimos do Governo Federal que determine à Funai que instale o Grupo Trabalho para identificação e delimitação do nosso Território ancestral, urgentemente.
Neste sentido, o Povo Kinikinau, reunidos nesta data, vem a público neste documento final manifestar o que segue:
Considerando o direito a demarcação do território indígena previsto na Constituição Federal de 1988, e que nosso povo está reivindicando há mais de 1 século a demarcação de nosso território, exigimos que o Governo Federal determine a Funai, através no Ministério da Justiça, que instale o Grupo de Trabalho para identificação e delimitação do Território Kinikinau, dando, assim, início ao processo de demarcação de nossas terras;
Considerando que o Povo Kinikinau já protocolou pedido de providência junto ao Ministério Público Federal requerendo tomadas de medidas administrativas e judiciais para obrigar a Funai a proceder na demarcação da Terra Kinikinau; a quarta assembleia, reforça o pedido para que o Ministério Público Federal continue atuando na busca da demarcação da Terra Indígena Kinikinau; Por oportuno, esta assembleia referenda Giovani José da Silva e Aila Vilela Bolzan para atuarem, de acordo com suas atribuições, junto ao Ministério Público Federal no estudo antropológico do Povo Indígena Kinikinau;
Considerando, que está existindo complicação no atendimento à saúde indígena quando estes procuram atendimento médico nos municípios e não são devidamente cadastrados pela SESAI (Secretária de Saúde Indígena) no realizar o cadastramento do indígena Sistema de Regulação de Vagas (SISREG), no Sistema Único de Saúde (SUS), que se deixado a cargo do indígena ele fica meses sem conseguir entrar na fila de atendimento, assim, exigimos a intermediação da SESAI junto ao (SISREG) no (SUS), para que facilite e torne mais rápido o atendimento do indígena na média e alta complexidade;
Considerando, a falta de política pública adequada e em acordo com a Constituição Federal, exige do Poder Público municipal, estadual e federal, além de outros órgãos que possuam atribuição na temática; exigimos destas autoridades o empenho de desenvolver, conjuntamente com a comunidade indígena, políticas públicas para fortalecimento do Povo Kinikinau;
Considerando, que os órgãos públicos têm o dever constitucional de trabalhar pelo povo indígenas, consultando-o, a exemplo da Funai, Sesai e outros órgãos, e que esta assembleia remeteu convite, antecipadamente, a todos os órgãos que possuem atribuição de trabalho na questão indígena e mesmo assim não se teve o respeito de comparecer durante qualquer dia de realização de nossa assembleia; exigimos dos órgãos públicos, a exemplo da Sesai e Funai, que enviem em todas as reuniões do Povo Indígena representante com poder de tomada de decisão para os devidos encaminhamentos que o Povo pede atenção;
Considerando, que a Funai possui grande importância na defesa dos direitos indígenas e na assistência às comunidades indígenas; exigimos que o desmonte que vem sendo promovido pelo Governo Federal, por pressão dos setores anti-indígenas, seja cancelado e que se retome o fortalecimento institucional da Fundação Nacional do Índio;
Considerando, que se faz necessário o fortalecimento da cultura do Povo Kinikinau, esta assembleia vem a público pedir o apoio dos aliados para realizar a publicação do Dicionário da Língua Kinikinau;
Repudiamos, veementemente, a aplicação do Marco Temporal como condicionante para demarcação de terras indígenas, por tratar-se de tentativa de extinguir os direitos indígenas consagrados na Constituição Federal de 1988, a fim de beneficiar determinada classe com poderes políticos e econômicos superiores ao da comunidade indígena e, caso aplicado à demarcação de terras será mais um decreto de morte contra o Povo Kinikinau;
Repudiamos, veementemente, a tentativa dos órgãos públicos e autoridades públicas em promover a divisão do povo indígena por meio de apoios isolados e ilusórios a grupos específicos, tendo como fim único a divisão do povo indígena do Estado do Mato Grosso do Sul e o enfraquecimento da luta pela Demarcação dos Territórios Indígenas;
Repudiamos, veementemente, a violência cometida no ano de 2016 no Estado de Mato Grosso do Sul contra os povos indígenas, que por mais uma vez é campeão nacional no que se refere a violência contra as comunidades tradicionais;
Manifestamos, fortemente, apoio ao povo Guarani e Kaiowá do município de Caarapó-MS, e nos postamos contentes com a decisão do Supremo Tribunal Federal que determinou a prisão dos fazendeiros que promoveram um massacre contra a comunidade indígena de Tey Kue onde assassinaram o parente indígena Clodioldi Isnarde de Souza.
A Aldeia escolhida para realização da V Assembleia Kinikinau foi a Aldeia São João e a data será definida entre os dia 07 a 11 de Outubro de 2018 junto com o Conselho Kinikinau em reuniões.
Aldeia Cabeceira, Terra Indígena Nioaque, Nioaque-MS, 13 de outubro de 2017.
Assembleia do Povo Kinikinau
Conselho do Povo Kinikinau
Aldeia Cabeceira, Terra Indígena Nioaque, Nioaque-MS, 13 de outubro de 2017.
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