2 de novembro de 2017

Papa Francisco vai aos “índios”

Será a primeira vez na história da Igreja Católica, em seus 2 mil anos, que um Papa sairá do Vaticano para encontrar-se exclusivamente com indígenas. O gesto fala por si mesmo, ainda mais agora que Francisco acaba de convocar um Sínodo exclusivo para os bispos da Amazônia, em Roma, em Outubro de 2019.

Roberto Malvezzi (Gogó)*em Cimi


Dia 18 de janeiro de 2018 o Papa Francisco irá a Puerto Maldonado, Peru, encontrar-se exclusivamente com povos originários da Amazônia. Tudo indica que sequer haverá reuniões particulares com autoridades, sejam elas políticas ou mesmo eclesiásticas.

Essa ida a Amazônia para encontrar-se com “indígenas” já estava programada para quando ele viesse aos 300 anos de Aparecida. O golpe modificou a vinda do Papa. Embora as razões oficiais alegadas sejam outras, quem entende um pouco da linguagem diplomática do Vaticano sabe qual o motivo real.


Será a primeira vez na história da Igreja Católica, em seus 2 mil anos, que um Papa sairá do Vaticano para encontrar-se exclusivamente com indígenas. O gesto fala por si mesmo, ainda mais agora que Francisco acaba de convocar um Sínodo exclusivo para os bispos da Amazônia, em Roma, em Outubro de 2019.

Francisco ir ao encontro das populações originárias – querem ser chamadas pelo nome de seu povo, não por um apelido imposto pelos colonizadores – parece um paradoxo. Esses dias o mesmo Francisco canonizou cerca de 30 pessoas do Rio Grande do Norte por terem sido massacradas por holandeses em 1645. Depois de longos estudos ficou concluído que “foram mortos em defesa da fé católica”, numa resistência à imposição do calvinismo na região por parte dos holandeses.

Acontece que o ataque tinha também participação dos índios Tapuia, que os antropólogos dizem não ser uma etnia, mas uma designação à várias nações indígenas que habitavam o interior do Brasil e que falavam uma língua diferente dos tupi-guarani, como os Cariri.

Os Tapuia estavam em guerra declarada contra os portugueses, porque esses avançavam o interior fazendo-os escravos, ocupando seus territórios, com matanças e até torturas de lideranças. Assim como na Confederação dos Tamoios, quando os Tupinambá se uniram aos franceses contra os portugueses, os Tapuia se aliaram aos holandeses contra a prática de extermínio dos portugueses. Portanto, os povos originários entendiam da arte da guerra e de suas alianças.

É bom lembrar que só no Brasil 5 milhões de índios viraram pó pelas mãos dos portugueses. No México, América Central e Peru, milhões de índios foram chacinados pelas mãos dos espanhóis. Como diziam os Mapuche, quando derreteram quilos de ouro e os enfiaram incandescentes goela abaixo de Valdivia, o conquistador do Chile: “beba o seu Deus”.

Portanto, os povos originários das Américas têm mártires aos milhões, cujo sangue também clama aos céus.

Esperamos que Francisco retome o melhor do Conselho Missionário Indigenista, o CIMI, que não foi aos indígenas para fazer prosélitos e nem os converter ao cristianismo, mas para colaborar para que sobrevivam e mantenham seus territórios e seus modos de vida. Com esses missionários a Igreja Católica deu vários passos à frente na relação com a alteridade das populações originárias, seguindo a melhor tradição de Bartolomeu de Las Casas.

Não se obriga um muçulmano a ser católico, não se obriga um pai de santo a ser evangélico, não se obriga um Cariri ou Guarani a ser cristão. Eles têm sua própria religião e suas opções tem que ser respeitadas. O evangelho é apenas um anúncio e adere livremente quem quiser.

Não há outro caminho.

*Roberto Malvezzi - Gogó 
Membro da Equipe de Assessoria da REPAM (Rede Eclesial Pan Amazônica)

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