O Ministério Público Federal (MPF) foi convidado e participou da assembleia, nos dias 6 e 7 de abril.
cacique Juarez Saw e guerreiros - Foto Arquivo Marcio Isensse e Sá em A Pública |
O povo Munduruku reuniu mais de 600 pessoas em mais uma assembleia geral, na aldeia Waro Apompu, na margem do rio Cururu, em Jacareacanga, sudoeste do Pará, para discutir questões relacionadas à saúde, educação e os projetos de hidrelétricas que o governo federal quer implantar nas terras onde vivem mais de 10 mil índios da etnia. O Ministério Público Federal (MPF) foi convidado e participou da assembleia, nos dias 6 e 7 de abril.
A assembleia é uma tradição da organização política Munduruku, com a presença de caciques e capitães de todas as aldeias e ocorre uma ou duas vezes por ano. Nos últimos anos, por causa dos projetos governamentais de barragens no Tapajós, a Constituição brasileira, a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), o licenciamento ambiental e a consulta prévia passaram a ser temas intensamente debatidos nessas reuniões.
Uma das principais preocupações é com a violenta mudança no modo de vida sofrida por todos os povos indígenas afetados por hidrelétricas. Testemunhas do sofrimento causado por Belo Monte sobre as oito etnias do médio rio Xingu e das drásticas alterações sobre o rio, a floresta e os peixes, dimensões fundamentais da vida indígena na Amazônia, os Munduruku reafirmaram na assembleia o intuito de resistir ao projeto da usina São Luiz do Tapajós, sobre a qual até agora não foram consultados pelo governo brasileiro.
“Direitos que a Constituição reconhece aos índios são originários, portanto, pertencem aos índios, não são dados de favor pelo Estado brasileiro. Quando o cacique Juarez Saw (da Terra Indígena Sawré Muybu, diretamente afetada pelo projeto da usina São Luiz do Tapajós e ainda não demarcada pelo governo) luta pela demarcação, ele não está pedindo nada. Ele está cobrando o cumprimento da Constituição Federal. O Juarez não pode ser retirado de suas terras, isso a Constituição garante. Só em caso de catástrofe, epidemia e interesse da soberania nacional. São condições bem específicas e sempre a saída obrigatoriamente é temporária, o povo tem que poder voltar depois”, disse à assembleia geral o procurador da República Camões Boaventura.
Os Munduruku questionaram, novamente, sobre a consulta prévia que deveria ter sido realizada. Em janeiro passado, uma comitiva com 40 índios esteve em Brasília entregando ao ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Miguel Rosseto o protocolo em que afirmam como querem ser consultados. “A consulta precisa ser prévia e adequada à cultura. Significa que ela precede a decisão do governo, deveria ter sido feita antes. E que não adianta as empresas chegarem aqui com cartazes e apresentações em português, porque isso não é consulta. A consulta só é válida
se os consultados compreenderem a proposta apresentada”, explicou Boaventura.
Os Munduruku pediram ao MPF que o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) da usina seja traduzido em munduruku para que eles possam entender. O procurador se comprometeu a pedir à Justiça que determine a tradução do Rima. Valdenir Munduruku, da aldeia Teles Pires, no rio Teles Pires, dentro da Terra Indígena Kayabi, era um dos convidados.
Na assembleia, ele lembrou da luta contra Belo Monte, da qual os Mundurku participaram ativamente. “Muita gente reclamou quando ocupamos Belo Monte, que não tínhamos que estar lá porque moramos longe do Xingu. Mas tem sim tudo a ver, porque estamos lutando para defender a Constituição, não só um rio ou outro. Nós no Teles Pires sentimos na carne o que é uma barragem. Já reduziu o nosso peixe com as usinas. A gente dorme uma noite e o rio tá lá embaixo. Quando a gente acorda, o rio subiu derepente 3 metros, as canoas todas no fundo. Os peixes que de noite vão dormir no gapó (vegetação aquática na margem do rio) amanhecem mortos no outro dia porque o rio secou de novo rápido demais. As empresas em Belo Monte tomaram conta da Funai, tomaram conta da Sesai e o que era obrigação do governo agora o governo manda procurar as empresas”, diz. Ele pediu apoio do cacique geral e das lideranças do Tapajós para dar mais atenção à questão do Teles Pires, onde o governo já construiu quatro usinas e tenta construir uma quinta, nenhuma precedida da consulta obrigatória aos povos afetados. O MPF tem ações judiciais apontando irregularidades nas usinas do Teles Pires que afetam os índios. Contra São Luiz do Tapajós, no Tapajós, uma ação judicial confirmou no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que o governo tem a obrigação de fazer a consulta, mas até agora a ordem não foi cumprida.
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