A nomeação dos novos ministros da presidenta Dilma Rousseff é mais uma prova (será a última?) de que 2014 - este ano de contradições - recusa-se a acabar
Kátia Abreu, a nova ministra da Agricultura, durante discurso no Senado/Moreira Mariz _ Agência Senado
A alegoria não é nova, mas sem dúvidas ainda é útil para ilustrar as contradições dos jogos políticos que nos envolvem:Imaginem vocês um politólogo marciano, recém chegado à Terra como pesquisador (não em Nova Iorque, como nos filmes americanos, mas num boteco da Lapa), tentando entender a situação política desse país chamado Brasil.
É provável que nada do que o extra-terrestre tiver estudado durante sua longa viagem (sejam os clássicos da literatura política, sejam os colunistas de esquerda e direita da imprensa contemporânea) lhe permita compreender os paradoxos da contemporaneidade política brasileira: "Afinal, o candidato desses que aqui chamam de 'coxinhas' não foi derrotado? Não foram vencedores aqueles da bandeira vermelha? Será que o sistema eleitoral desses terráqueos dá, aos que perderam, a prerrogativa de escolher os ministros da presidenta?", perguntar-se-ia o politólogo marciano.
Confuso, ele faz entrevistas aos seguidores de Aécio Neves que ainda não assimilaram sua derrota. "Esse governo é comunista! Querem fazer do Brasil uma nova Cuba!", eles diriam, com mistura de fúria e ressentimento. Todavia, o marciano abre o jornal e a manchete o confunde ainda mais: o novo ministro da Fazenda será um ex-diretor do Bradesco . "Um banqueiro comunista? Isto é possível?", insistiria o politólogo.
Outra ministra, da Agricultura, resulta ser a mais conhecida (e simbólica) representante do latifúndio, inimiga dos índios, dos pequenos produtores, dos ambientalistas, dos sem-terra... O ET ficaria confuso, já que soube que os sem-terra tinham apoiado a candidata eleita. "Não foi?", perguntaria.
A pesquisa do politólogo marciano fracassaria... Assim como está à beira do colapso a saúde mental dos que tentam entender a nossa democracia.
Este ano de 2014 termina com uma ultra-direita raivosa e delirante denunciando, aos gritos, que estamos à beira do socialismo, enquanto todos os sinais do governo parecem ter, como único objetivo, seduzir os mercados, os reacionários, os privilegiados e todos aqueles que votaram contra a presidenta e virar o rosto para os outros que a elegeram no segundo turno, justamente, para evitar um governo com essas características.
Um negacionista da mudança climática na pasta de Ciência e Tecnologia; um ex-governador que respondeu às greves de professores com repressão policial na pasta de Educação; um pastor de uma das maiores igrejas caça-níqueis na pasta de Esportes; o ex prefeito do mercado imobiliário na pasta das Cidades. Ora, esse não é um ministério com a cara de quem venceu as eleições (Dilma Rousseff), mas com a cara de quem foi derrotado (Aécio Neves).
É claro que eu não esperava, de Dilma, o ministério que Luciana Genro montaria caso tivesse vencido as eleições. Mas também não esperava um ministério com a cara de Aécio Neves. Votei contra ele, como a maioria do povo.
Esse antipetismo golpista, cuja força real é menor do que aparenta, acaba sendo usado como desculpa para justificar escolhas políticas do PT: o projeto neo-desenvolvimentista que privilegia o lucro dos grandes empresários e do setor financeiro e um modelo de governabilidade que impede qualquer reforma de fundo no sistema político.
Infelizmente, nós da oposição à esquerda deveremos continuar lidando, ainda mais que antes, com um governo cada vez mais conservador, que parece não se animar a mudar mais, e, ao mesmo tempo, com uma oposição de direita que perdeu a razão e não se conforma com menos que ver Aécio Neves como presidente ventrículo de uma ditadura militar. "ET e todos os deuses, valei-nos! Livrai-nos desse tempo escuro!
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